DR FOREVER: DRAMA! (Capítulo 14)

(Excepcionalmente num domingo.)

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 1:

Na favela Velha Esperança:

LINDAMÁR: ALEIJADO NÃO CRUZA A PERNA!
PILHA: A DOENÇA É MINHA E EU FICO COMO QUISER!
LINDAMÁR: NEM PRA ISSO VOCÊ PRESTA, DROGADO DE MERDA!
PILHA: QUERO VER ALEIJADO MAIS ALEIJADO DO QUE EU! OLHA!
LINDAMÁR: Que cara é essa?
PILHA: Dããblurghia Uónlebeual…
LINDAMÁR: Paralisia Cerebral?
PILHA: Porra, como é que você entendeu?
LINDAMÁR: Você sempre fala desse jeito quando volta de madrugada da rua.
PILHA: Vem cá, onde é que você arranjou essa cadeira de rodas? É apertada pra caralho!
LINDAMÁR: O Pantera que trouxe.
PILHA: E da onde aquele favelado ia tirar uma?
LINDAMÁR: Olha quem fala! Bom, não sei… Ele disse que conseguiu numa troca. E agora pára quieto que eu vou te colocar essa fralda!
PILHA: Eu não uso fralda desde…
LINDAMÁR: O começo do ano, eu sei. Larga de frescura! E vê se não se caga!
PILHA: A fralda é minha e eu faço o que quiser nela…

Um estrondo vem da direção da rua. Um choro infantil segue-se. Lindamár corre até a janela para ver o que está acontecendo. Uma criança estabacada contra uma poste chora sobre um carrinho de rolemã estraçalhado.

CRIANÇA: Buááááááá!
MULHER: Ai meu Gezuiz! Filho o que aconteceu com você? Cadê sua cadeira?
CRIANÇA: Ele me disse que o carrinho de era mais legal que a minha cadeira de rodas, mãe!
MULHER: Ele quem?

A criança aponta para Pantera, que tentava voltar discretamente para seu barraco.

MULHER: Volta aqui seu monstro!
PANTERA: Ele não me disse que não sabia frear! Foi culpa dele a batida!
MULHER: ELE É UMA CRIANÇA DE DEZ ANOS QUE NÃO MEXE AS PERNAS!
PANTERA: Ninguém mandou deixar na rua, dona! Em casa isso não ia acontecer, tá certo?
MULHER: DEVOLVE A CADEIRA DE RODAS DELE!
PANTERA: Já vendi.
MULHER: Eu vou te MATAR!

Pantera sai correndo com a mulher em seu encalço. A criança continua abraçada ao poste, chorando. De volta ao barraco:

LINDAMÁR: Pilha, hoje a gente sai pela viela nos fundos.

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 2:

No apartamento dos Somir:

SALLY: Tem uma tia-avó minha no asilo… Ela mal anda.
SOMIR: Ah não, depois é capaz da véia querer ficar…
SALLY: Ela tem Alzheimer, acho que nem percebe que saiu do asilo.
SOMIR: Mas será que velho doente é um bom contrapeso para aleijado?
SALLY: A não ser que você queira ficar aleijado, é nossa melhor opção.
SOMIR: Então liga pro asilo. Será que eles entregam em domicílio?
SALLY: É sangue do meu sangue, seu monstro!
SOMIR: Manda um táxi buscar então?
SALLY: … Deixa que eu vou fazer isso.
SOMIR: Ok. Precisa encher o tanque. Até mais tarde, amor!

Somir senta-se no sofá e liga a televisão. Sally pensa com carinho na possibilidade do táxi, mas resolve buscar a velha pessoalmente.

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 3:

No andar acima:

HELENA: Caaaaarloooosss…
CARLÃO: Quê?
HELENA: Quero tomar um banho especial. Hoje estou me sentindo sexy…
CARLÃO: Firmeza. Usa a esponja de coração?
HELENA: Não, bobo. Eu quero tomar um banho de banheira beeeem demorado. E eu preciiiiso do meu enfermeiro forte para me ajudar. *olhar sedutor*
CARLÃO: Cumé que você tá com as pernas cruzadas e os braços nessa posição?
HELENA: … A governanta colocou assim pra mim.
CARLÃO: Ha… Haha… *chegando mais perto*
HELENA: O que foi?
CARLÃO: Posso fazer uma coisa com você?
HELENA: O que você quiser… *mordendo o lábio*

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 4:

Enquanto isso, na comunidade Nova Esperança, Olavo parece estar procurando por alguma coisa:

OLAVO: Pombinha, você viu o livro de História da quinta série?
KELLY: Nem quando eu tava na quinta série…
OLAVO: Maldição!
KELLY: Que nada, tinha um bobinho que fazia meus trabalhos se eu deixasse ele pegar nos meus peitinhos.
OLAVO: Eu me referia ao fato de não encontrar o que procurava, Kelly!
KELLY: Eu também, eu era retinha que só… Não sei o que ele tanto pegava…
OLAVO: Nem todos tem a minha sorte, hehehe.
KELLY: Eu não apostaria tanto nisso…
OLAVO: Hã?
KELLY: Nada! Não é esse livro segurando a mesa de centro?
OLAVO: Como foi parar ali?
KELLY: Sei lá, Olavo! Espera o filme acabar que eu tiro o pé de cima, tá bom?
OLAVO: Sim, pombinha. Mas eu vou precisar dele logo, tenho aulas particulares daqui a uma hora.
KELLY: Se você não fosse um frouxo, eu desconfiaria que você estava me traindo… Onde você dá essas aulas?
OLAVO: Na casa de um senhor muito abastado.
KELLY: Larga de ser preconceituoso, hoje em dia é normal ser gay.
OLAVO: Abastado é sinônimo de rico.
KELLY: Não sei o que é sinônimo, mas você ganhou a minha atenção.
OLAVO: Que bom que você finalmente se interessou pelo meu trabalho!
KELLY: Desembucha!
OLAVO: Eu dou aulas para um enfermeiro que trabalha na casa de um tal de senhor Antunes.
KELLY: Edifício Baumann?
OLAVO: Isso! Peraí… como é que você…
KELLY: Amor, hoje eu vou com você no seu trabalho.

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 5:

No asilo “Depósito do Amor”, Sally aproxima-se do balcão de atendimento:

SALLY: Oi… Eu vim buscar minha tia-avó. Rosemary Green.
ATENDENTE: Hahaha! Boa! Sério, em que posso te ajudar?
SALLY: Eu vim buscar a minha tia-avó para morar comigo!
ATENDENTE: Olha, se é por causa da promoção do “Vá com Deus”, eu já vou te avisando que eles reaproveitam fraldas geriátricas mais de três vezes.
SALLY: Que horror!
ATENDENTE: Pois é, nossa política de “um é pouco, dois é bom e três é demais” é a melhor do mercado.
SALLY: *expressão de nojo*
ATENDENTE: Por esse preço, queria o quê?
SALLY: Eu quero levar minha tia-avó para morar comigo!
ATENDENTE: No duro?
SALLY: No duro!
ATENDENTE: Uau… Você é uma pessoa incrível. Marcinha! Vem cá!

Várias atendentes, enfermeiras e funcionários em geral vem ver ao vivo a mulher que queria dar uma vida digna perto da família para uma pobre velhinha. O show de elogios infla o ego de Sally, que diz que não está fazendo mais do que sua obrigação.

Chegando ao quarto coletivo onde sua tia-avó está:

ENFERMEIRA: Dona Rosemary?
ROSEMARY: *sotaque carregado* Quem é?
SALLY: Tia! É a Sally, lembra?
ROSEMARY: Quem?
SALLY: *para a enfermeira* É o Alzheimer, né? Ela não se lembra de nada…
ENFERMEIRA: Não, ela não tem isso. É catarata e surdez mesmo.
SALLY: Peraí… Ela não tem Alzheimer?
ENFERMEIRA: Nunca teve.
ROSEMARY: Sally? Sallyta? É você?
SALLY: O-o-oi tia!
ROSEMARY: Que saudade de você, meu amor! Faz quase um ano que ninguém vem me visitar! Dá um abraço na tia… *coff coff*
ENFERMEIRA: Não veio só visitar não! Veio te levar para a casa dela!
ROSEMARY: *lágrimas* Eu sempre soube que você era especial, Sallyta! Sempre soube!
SALLY: *abraçando* Eu não sei se é uma boa idé…

Todos os funcionários presentes começam a bater palmas. Alguns começam a chorar.

SALLY: Bem-vinda de volta, tia! *suspiro*

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 6:

No apartamento dos Somir, a campainha acaba de soar:

SOMIR: *abrindo a porta* Ah, oi Lindamár!
PILHA: Ughuurt… Nhããã!
SOMIR: E esse aí na cadeira de rodas?
LINDAMÁR: É o meu maridinho, o Pilha. Ele é aleijadinho cerebral, hihihihi…
SOMIR: Estou vendo. Mas… Ele não veio aqui para ajudar a limpeza, não?
PILHA: Iiinho… Anhuuuta…
LINDAMÁR: CALABOCA MONGO!
SOMIR: Calma! Calma! Entrem!
LINDAMÁR: Licencinha.
PILHA: Nhiinhado…
LINDAMÁR: Eu não tinha ninguém para deixar esse peso inútil, então eu resolvi trazer junto. O senhor não se importa, né? Eu já sofro taaaanto com esse fardo na minha vida, essa máquina de se cagar que só me dá desgosto.
PILHA: Nhánhucu!
SOMIR: Ele disse alguma coisa?
PILHA: *acenando que não com a cabeça*
SOMIR: Ele é ensinado?
LINDAMÁR: Foi só um espasmo. *dando um tapa na cabeça de Pilha*
SOMIR: *sorriso maligno* Sabe do que mais, Lindamár? Eu não vou ser egoísta. Pode trazer seu marido todos os dias aqui… Estou comovido!
LINDAMÁR: Mas vai ficar caro trazer ele todos os dias, senhor Somir.
SOMIR: Relaxa, eu te dou um aumento. Você precisa.
LINDAMÁR: E não é que você serviu para alguma coisa, Pilha?
SOMIR: Eu preciso fazer uma ligação, já volto.

DRAMA! CAPÍTULO 14, CENA 7:

Sally está ouvindo uma interminável história sobre sua infância contada por sua tia-avó, no banco traseiro do carro. O telefone toca:

SALLY: Alô?
SOMIR: Sally?
SALLY: Já peguei a minha tia-avó.
SOMIR: Pode devolver a velha, achei um aleijado perfeito!
SALLY: Mas eu já estou trazendo ela pra casa…
SOMIR: Foda-se, ela nem vai lembrar mesmo! Agora eu vou preparar o terreno para nossa armação! Beijo! Tchau! *desligando*
SALLY: Mas… mas…
ROSEMARY: Algum problema, amorzinho?

CONTINUA…

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Comments (1)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: