Dia: 8 de fevereiro de 2010

O que o prego disse pro martelo?

Para variar um pouco, desta vez a “teoria” é de Sally e o discordante é Somir. Numa relação entre um casal surgem várias situações onde decisões importantes sobre o futuro dos dois dependem da cessão por uma das partes. Isso não é difícil de se perceber, isso já deve ter feito parte da sua vida em um momento ou outro.

Sally afirma que nessas situações sempre se cria o papel do prego e o do martelo. Somir acha que isso é simplificar demais as coisas.

Tema de hoje: Toda relação tem um prego e um martelo?

Não.

Imagine que você está prestes a atravessar uma rua, meio distraído(a). Ao dar o primeiro passo rumo ao asfalto, escuta um grito: “NÃO ATRAVESSA!”. Por reflexo, você desiste do movimento e percebe um carro em alta velocidade cruzar o local onde você certamente seria atingido caso não tivesse parado a tempo. A pessoa que gritou para você não atravessar estava criando alguma relação de poder em relação a você?

O exemplo pode parecer fora de propósito, mas ilustra o ponto mais importante da minha argumentação: Nem sempre fazer o que outra pessoa pede significa obedecê-la. E ainda tem um bônus: Não se torna um “prego” quem faz o que o beneficia.

Dizer que TODA relação tem um prego e um martelo é a mesma coisa que dizer que TUDO nessa vida é uma relação clara de poder. E a realidade está aí para dizer que as coisas não são tão “práticas” assim. Vai me dizer que não toma decisões sozinho(a)?

A não ser em casos raros, as relações entre um casal não começam com esse poder tão bem definido. Tendemos a ficar mais controlados e não impor regras e desejos com tanta força enquanto o(a) outro(a) ainda está nos conhecendo direito. Aqueles famosos casos de pessoas que vão ficando insuportáveis proporcionalmente ao tempo de relação são reflexos diretos dessa primeira fase “controlada”.

Mas nem tudo é motivo de fim de relação, óbvio. Não conheço nenhum caso de relação onde as duas partes não “botam as asinhas de fora” depois de algum tempo. Isso quer dizer que mesmo com os dois do casal dispostos a pedir e exigir mais, várias e várias relações perduram.

Está “no pacote”, para utilizar uma expressão comum da Sally. Relações que passam dessa fase controlada desembocam em situações de discordância e desejos opostos. Se não queria isso, que agarrasse o espelho, certo?

E Sally quer empurrar a idéia que a solução desses problemas É SEMPRE uma relação de poder? Algo que vai acontecer na maioria absoluta dos casos se resolve sempre de UM JEITO? Não é uma teoria que define relações amorosas, é uma teoria que define o funcionamento do ser humano como um todo. E essas teorias costumam ser bem furadas…

Não se precisa de poder para convencer uma pessoa. Lógica funciona muito bem, eu garanto. Quando não funciona, pode-se manipular ou negociar. Se fosse tudo na base do dominador e o dominado, o mundo seria um lugar organizadíssimo (pro bem ou para o mal). O que nós sabemos que não é verdade.

Em casos extremos ou situações com hierarquias ÓBVIAS, claro que força vence inteligência. (E nem sempre por muito tempo…) Mas se você não está no meio de uma guerra, dizer “não” para uma pessoa que se julga sua superiora não vai te matar. E a não ser que você seja uma pessoa muito carente e insegura, não precisa obedecer um(a) parceiro(a) se isso não for o melhor para você.

E mesmo assim, fazer o que é melhor para você não configura ser o prego da relação. Até parece que qualquer porcaria que você faz de destoante com suas idéias iniciais configura baixar a cabeça para outra pessoa. Aprendemos, entendemos, evoluímos… relevamos. Se a Sally quer simplificar as coisas a ponto de dizer que tudo é mandar e obedecer nessa vida, eu não posso concordar. Não faz sentido.

E quando o “martelo” erra e o “prego” percebe? Para a relação funcionar o “prego” tem que acatar o erro? E quando o “martelo” dá seguidas bolas foras? O “prego” sempre vai aceitar tudo? Oras, com personalidades tão bem definidas, pode-se prever tudo o que vai acontecer. Um manda, outro obedece. Algo tão simples assim quer dizer que todas as relações onde um prego e um martelo coexistem jamais terminariam.

Eu que sou “em tese” e não entendo como as coisas funcionam na prática, não é mesmo, minha CARA? A vida é dividida entre 8 ou 80, preto e branco, prego e martelo, certo?

Um exemplo prático de como a teoria não se sustenta na realidade: Apesar de eu ser teimoso, mimado e intransigente, não foi isso que mais enlouqueceu Sally durante nosso namoro. Foi a dificuldade dela de perceber um padrão claro do que eu acataria ou não. Nossas “DR’s” eram basicamente eu explicando para ela porque eu estava agindo de forma diferente do que ela esperava. Agora eu entendo que ela estava tentando posicionar quem estava sendo prego ou martelo na situação.

Às vezes eu concordava, às vezes não. Não era padrão de obediência.

Uma série de “falsos positivos” vão criando a sensação de que existem chefes e subordinados numa relação. Oras, é impossível que duas pessoas SEMPRE concordem, é razoável imaginar que pelo menos um dos pontos de vista seja mais vantajoso para as duas pessoas. E isso não é obedecer… é concordar. E se existe qualquer alternância de poder constante, a relação de hierarquia se torna inválida.

Toda relação tem duas pessoas. Não duas idéias teóricas que reforçam uma visão simplista da realidade.

O manipulador vive na mente do manipulado.

Para dizer que a minha argumentação te deixou pregado de sono, para martelar que o mundo é sim simples e eu que complico, ou mesmo para dizer que não concorda comigo e exige que eu refaça o texto: somir@desfavor.com


Toda relação tem um prego e um martelo? Tem sim. E se você desgosta da idéia, provavelmente você é o prego e não quer encarar a realidade. Toda relação tem uma das partes mais “alfa” (dominante) do que a outra. Essa coisa de igualdade é balela, é como uma mãe querer dizer que gosta igual dos dois filhos.

Não que os papéis de um casal sejam fixos, rígidos e imutáveis. Pode ser que em determinada fase da relação um seja o prego e com o passar do tempo o prego passe a ser o martelo. As pessoas são mutáveis e transitam por diversos papéis nas relações. Mas que sempre tem um que, naquela fase, dá mais as cartas do que o outro, isso tem.

O fato a pessoa ser um prego não quer dizer que seja um ser humano passivo, corno, sem discernimento e sem poder de escolha. O prego não precisa ser necessariamente um otário. Aliás, tem pessoas que ficam muito felizes em não ter que dar as cartas e não ter que decidir porra nenhuma. Um papel de prego bem desempenhado é muito útil e esperto.

Pense nas suas relações. Em todas elas. Olhe para trás e me diga se em todas elas não houve sempre um prego e um martelo. O mundo não é uma tribo Na´Vi cheia de equilíbrio e harmonia, o ser humano é uma bosta que, se der mole, tiraniza o outro ser humano que está ao seu lado, mesmo sem perceber. Somos bichinhos egoístas, não dá para negar.

O que podemos fazer é estabelecer limites, tentar impedir que nos marretem ou minimizar as marretadas até um ponto em que elas sejam suportáveis. Mas sempre vai ter um prego e um martelo. Um martelo dificilmente se junta com outro martelo, questão de complementariedade. E mesmo que se junte, acaba virando prego de alguma forma, para que a coisa fique viável.

Não acho demérito ser prego. Não são todas as pessoas que tem vocação, culhões e força de vontade para tomar as rédeas de um relacionamento, direcioná-lo e fazer escolhas importantes. Aliás, tenho certa inveja dos pregos, deve ser muito mais fácil ficar sentado vendo a vida passar enquanto o imbecil do martelo cuida de tudo para você. Nas vezes em que fui prego achei bacana no começo. Só tem um pequeno problema: eu gosto das coisas do meu jeito. Para isso, tem que marretar.

Você pode até pensar que conhece casais em total equilíbrio, onde não há nenhum prego e nenhum martelo. Balela. Essa harmonia a gente só vê da porta de casa para a rua. Do lado de dentro tem sempre um que tem a ultima palavra quando a chapa esquenta. Tem sempre um que costuma ceder. Tem sempre um que diz a última palavra. Ainda que esses papéis mudem durante os anos de relacionamento, sempre tem um que vai ter mais “moral”.

Você deve estar se perguntando quem era o prego e quem era o martelo no meu relacionamento com a Madame aqui de cima. Depende. Tive minha fase de prego e tive minha fase de martelo. E quero ver ele negar isso. No começo fui bastante prego, tive que ceder e fazer as coisas no tempo dele, não era nada do jeito que eu queria. Depois veio minha gloriosa fase martelo. Lendo os Siago Tomir fica claro essa mudança (eu acho).

Toda relação tem impasses. Se você acha que você e o seu amor decidem tudo juntinhos de comum acordo, ou é manipulado ou é manipulador, porque é impossível decidir tudo de comum acordo. Sempre tem um impasse cretino onde um tem que entubar. E ao entubar você vira prego. E não me venham com essa lorota de que ambos entubam igual, porque isso não é verdade. Tem sempre um dos lados que é mais forte por algum motivo e acaba impondo mais vezes a sua vontade.

E quanto mais tempo você passa sendo prego, mais difícil se deslocar deste papel. Só um grande evento (geralmente uma grande pisada de bola do outro) ou então um trabalho enorme de convencimento fazem com que você consiga sair do papel de prego e passar a ser o martelo.

Eu tenho uma teoria: aqueles casais raros que passam a vida toda juntos e quase nunca brigam são dois pregos. Quando dois pregos se juntam (e isso é raro, porque, vocês sabem, complementariedade…) a tendência é que a relação dure de forma pacífica. Já dois martelos, onde ambos se recusam a virar pregos, costumam acabar no Tribunal do Júri.

Eu sei que a Madame vai vender um ideal de amor romântico (caso vocês não tenham percebido, ele É um romântico, vide outros Ele Disse, Ela Disse, onde ele defende que físico não é importante e outras baboseiras). É que ele tem essa mania de argumentar as coisas EM TESE. Em tese tudo é lindo, mas na prática infelizmente as coisas costumam ser um pouco menos perfeitas, um pouco menos ideais e um pouco mais reais. Logo ele, que foi casado com um prego…

Existem situações onde NÃO DÁ para decidir no diálogo. Existem situações onde não cabe uma solução negociada, com cada parte cedendo um pouco. Por exemplo: filhos. Ou você tem, ou você não tem. O martelo vai acabar vencendo o prego em situações como essa. É nessas situações de tudo ou nada, onde alguém obrigatoriamente tem que ceder, que a gente vê quem é o prego e quem é o martelo.

Ambos tem suas vantagens e desvantagens. Nos resta escolher o que mais nos convêm naquele momento de vida. Se você é prego, não se sinta mal com isso. Se você está feliz, não é demérito deixar que mandem em você. Muito pelo contrário, nada mais gostoso do que deitar e observar o outro remando sozinho. Se você se sente mal, vire martelo e faça as coisas do seu jeito. Nem que para isso você tenha que conquistar suas vitórias regadas a lágrimas. Ahhh… as lágrimas. Um dia ainda aprendo a chorar na frente de homem.

Para me dizer que meu modo de me relacionar é doentio e por isso eu acho que sempre tem um prego e um martelo, para me dizer que acha que Somir e eu somos dois pregos, independente de relacionamento e para me dizer que não vai me dizer nada porque faz milênios que eu não respondo mais e-mails: sally@desfavor.com