Dia: 10 de fevereiro de 2010

I do! I do!

Depois de algum tempo, finalmente consegui ler a matéria sobre o assunto da revista Superinteressante. Se você não é assinante, pirateie porque eu não vou entrar exatamente nos mesmos assuntos que eles.

Na verdade, eu vou escrever umas três ou quatro colunas sobre o tema.
A primeira parte fala justamente do “inimigo”, a morte.

MORRA!

Não morremos porque precisamos envelhecer, envelhecemos porque precisamos morrer. Precisamos morrer para que possamos evoluir. E antes que eu alguém venha me chamar de místico, estou falando de evolução de verdade das espécies.

Das incontáveis espécies que habitam este planeta hoje, conta-se nos dedos aquelas que não morrem de causas naturais. Consegue perceber que tipo de espécie se dá bem nesse mundo? Evolução é uma briga de foice no escuro, e cada mecanismo que possibilite uma espécie perpetuar em seu ambiente é agarrado com unhas e dentes pelo código genético em questão.

Uma espécie que morre de causas naturais tem “zilhões” de vezes mais chances de continuar existindo do que uma que não o faz. Tanto que a proporção entre os dois tipos é absurdamente favorável aos “morredores”, feito nós.

Por mais que isso pareça maluco: Morrer não é uma obrigação cósmica, é uma das maiores vantagens evolutivas possíveis. De uma certa forma, “escolhemos” morrer para continuar vivendo.

Imaginemos um homem das cavernas, com um desenvolvimento intelectual e social incrivelmente inferior ao que temos hoje em dia. Imaginemos então que alguma mutação maluca “desligue” a morte dos genes humanos… E desligar a morte quer dizer estabilizar assim que o corpo está desenvolvido. É ficar jovem por tempo indeterminado.

Voltemos para os dias atuais: Se você estivesse cagando a alguns metros de distância de onde come, já seria uma ótima coisa. A evolução da espécie humana ia atrasar, e MUITO. O mais provável seria mesmo que os humanos nem tivessem escapado da primeira Era Glacial.

Mas, de onde eu tirei isso?

NOVIDADES

Vamos começar com o básico: A evolução real acontece nos DESCENDENTES. O seu DNA não vai mudar de acordo com as necessidades do ambiente. Aliás, nenhum DNA vai. Talvez esse seja o maior engano das pessoas quando pensam em evolução, achar que a relação entre ambiente e DNA seja direta.

Toda vez que acontece a reprodução, dois códigos genéticos são fundidos em um novo, num processo com tantas variáveis que até parece algo aleatório. (SPOILER: “Aleatório” nada mais é do que algo muito complexo para ser previsto.) Essa nova sequência é inspirada na dos seus pais (Por isso ninguém nasce soltando lasers pelos olhos.), mas tem lá suas novidades. SE por um acaso esse novo ser conseguir sobreviver e se reproduzir, suas novidades vão ser a base de uma nova fusão de DNA’s.

E só sobrevive e se reproduz quem está adaptado. É meio “na cagada”, mas funciona muito bem em larga escala.

Evolução é juntar novidade que funcionou com novidade que funcionou.

Voltando ao homem das cavernas que não morre mais de velhice. Durante algum tempo, mal vai fazer diferença. Ele mora num ambiente inóspito mesmo. Morrer de velhice é um luxo que demorou muito mais para se tornar popular. Mas ele vai continuar se reproduzindo enquanto puder.

Inclusive com mulheres que já estão uma “novidade” na frente dele. O tempo vai passando, a humanidade vai ficando numerosa e consegue manter vivos seus membros mais e mais tempo. Mais e mais pessoas vão se reproduzir com pessoas totalmente fora da sua linha de “novidade”.

Ninguém vai parecer velho, os desejos sexuais das pessoas só vão perdoar quem é muito novo. A evolução que ocorreria caso só as “novidades” se reproduzissem vai tomar um baque incrível com esse monte de códigos genéticos “desatualizados” voltando e puxando para trás todo o processo.

E se evolução for tão lenta a ponto de não ser perceptível pelos mais novos (que nesse caso rejeitariam os menos evoluídos), ficaríamos presos num círculo vicioso de pessoas com baixo desenvolvimento intelectual e social. Esse nível que temos agora é fruto de seleção natural dos humanos mais aptos a pensar de forma abstrata e viver em grupo.

E tem mais um problema nesse ponto: Os seres que mais evoluem são os que mais se fodem. Isso funciona nos dois sentidos. Precisamos evoluir muito rápido e tivemos muita sorte de tudo funcionar, mas ao mesmo tempo, um corpo tão complexo como o nosso exige muito mais. Não dá pra parar.

A humanidade sentou no topo da cadeia alimentar porque entrou num outro círculo vicioso, esse sim benéfico (para nós), de evolução excessiva. Ficamos tão fora do padrão que não tem mais concorrência. Animal racional social: Game Over para o resto.

As chances disso acontecer sem reprodução absolutamente majoritária de novidades são nulas. Tem que evoluir muito e muito rápido para começar o círculo vicioso do animal social e racional.

RECURSOS

Uma pessoa consome X de tal recurso durante sua vida. Duas pessoas consomem 2X… Mil pessoas consomem mil vezes mais. É de se imaginar que o consumo de recursos (alimentos, água, minerais…) cresça de acordo com o número de pessoas no mundo, certo? Pois bem, a conta não fecha de forma tão bonita assim…

Quando a escala de produção é muito grande, recursos extras são necessários para se manter tudo funcionando. Sem contar o desperdício. A logística necessária para coletar, produzir e distribuir esses recursos vai subindo além da proporção exata de pessoas e consumo. O lucro nunca é do ambiente que fornece os recursos.

O ser humano só é capaz de fornecer os meios para o próprio sustento PORQUE tem capacidade de trabalhar essa logística. E só chegamos nesse ponto depois de muita evolução. A possibilidade de “pagar” pelos custos de tantas pessoas que permitiu tantas pessoas nesse mundo.

Imaginemos então a possibilidade desse apagão na evolução do homem das cavernas causado pelo fim da morte: Grandes chances dos recursos acabarem antes de “sacarem” a idéia de agricultura e domesticação de animais. E, caros desfavores, ninguém estaria aqui sem essas duas idéias.

O problema nem é tanto da suposta “burrice” desses antepassados imortais. Se eles não morressem, continuariam consumindo recursos e colocando no mundo mais e mais outros consumidores. Só dá pra caçar e coletar uma certa quantidade de alimento, passou desse ponto as outras espécies que nos alimentam (animais e vegetais) não conseguiriam vencer a nossa incessante fome. (E puta que pariu, como gastamos energia… Só esse seu cérebro aí “papa” 20% da energia que seu corpo produz.)

E não achem que isso seria novidade. Aconteceu e muito na evolução humana (somos meio desequilibrados por/com a natureza). Alguns sortudos acharam bons locais e conseguiram resolver esse problema de coleta/caça com o tempo. Imagine só se esses sortudos tivessem mais uns milhares de outros concorrentes em plena forma (alguns com séculos de experiência de caça).

Ia ter muita gente disputando muito pouca coisa. Um estado de guerra permanente, numa sociedade com poucos avanços intelectuais e sociais…

GERAÇÕES

“Sir Isaac Newton, 272 anos de idade, preside uma conferência onde um palestrante chamado Albert Einstein sugere uma teoria sobre gravitação que revoluciona toda a física. A platéia, ansiosa, espera o parecer da maior autoridade em física que já pisou na Terra. Sir Isaac respira fundo, levanta-se de sua cadeira e diz em alto e bom tom que a idéia, por mais que seja criativa, é completamente insana.

Albert, desolado por ver seu grande ídolo desdenhando de suas teorias, pega suas coisas e sai do auditório cabisbaixo. Suas idéias nunca mais seriam levadas a sério…”

Muito embora a idade traga experiência e acúmulo de conhecimento, a humanidade não ganha muito teimando com as mesmas idéias. Esse tipo de avanço intelectual é mais uma questão de vários cérebros concentrados em pontos diferentes do que um só focado. Newton e Einstein, só para me manter no exemplo, aproveitaram como poucos a capacidade de reunir várias idéias novas de várias fontes diferentes para chegar nas teorias que os fizeram famosos.

É uma tendência muito comum que uma pessoa acabe “fechando” a mente para idéias diversas enquanto se aprofunda numa delas. E é absolutamente natural que enxerguemos pessoas mais experientes numa área como vozes de autoridade.

Vamos voltar novamente para os homens das cavernas que pararam de morrer por causa da velhice. Depois de mais de um século de corpo saudável, um caçador vai ter aperfeiçoado a sua função de tal forma que vai considerá-la perfeita. Nas últimas 100 caçadas, ele pegou todos as presas que encontrou. Isso alimentou o grupo por muito tempo.

E ninguém ainda pensou em agricultura e domesticação de animais para o abate.

Os mais jovens vão ter um exemplo claro de sucesso. Provavelmente vão crescer com uma admiração incrível por esse caçador. Que parece e fisicamente é mesmo tão novo quanto eles. O choque de gerações não traz mais nenhuma vantagem para os mais novos. (Nem evolução genética considerável…)

O caçador centenário vai liderar as expedições e vai ensinar os outros. Os dissidentes nem tem como reclamar. Nenhuma NOVIDADE. (Ahá!)

Essa é a grande questão. Sem necessidade, sem mudanças. E a população daquele grupo cedo ou tarde vai extrapolar a capacidade de reprodução das presas e das plantas comestíveis.

E ninguém ainda pensou em agricultura e domesticação de animais para o abate. Se as figuras com muita influência e poder estão viciadas em se aprofundar nas mesmas técnicas de sobrevivência, esse poder limita a capacidade de inovação do resto do grupo.

Com jovens cada vez menos respeitados e valorizados, gerações de inúteis vão se acumulando. Diminui-se a reprodução (boa sorte de esperar que as pessoas parem de fazer sexo num ambiente assim) ou começa-se a matar os mais novos para proteger o equilíbrio de recursos/consumidores. Não se PRECISA mais deles para a sobrevivência.

E ninguém ainda pensou em agricultura e domesticação de animais para o abate. Os números de nossa espécie caem, a maioria mais ou menos com o mesmo nível de evolução genética, a maioria incapaz de enxergar além de suas idéias PETRIFICADAS por séculos de funcionamento satisfatório.

O “pulo” evolutivo humano não aconteceria. Os homo sapiens poderiam até continuar (com MUITA sorte… mas bota MUITA nisso…), mas a humanidade seria assassinada no berço.

A morte inevitável é condição obrigatória da (nossa) vida.
Mas… Talvez a evolução como conhecemos já esteja obsoleta para nós. E é sobre isso que a próxima parte fala.

Eu ainda mato vocês de tédio com as continuações.

Para me desejar uma eternidade de sofrimento, para dizer qualquer bobagem sobre espíritos e almas e ser sacaneado no meu próximo Fala, Desfavor!: somir@desfavor.com