Dia: 7 de abril de 2010

Índio fazer maracutaia.

“Chuvas no Rio: A FCCC só foi Acionada pela Prefeitura as 23h51 do dia 05.04.10 quando a cidade ja estava atingida pelo temporal desde as 18h00… A FCCC é Inerte e só atua quando Solicitada, conf. convenio operacional…”

A FCCC não é uma unidade de elite da Defesa Civil carioca, caso você esteja boiando no assunto. FCCC vale como sigla da Fundação Cacique Cobra Coral, cuja missão é minimizar catástrofes que podem ocorrer em razão dos desequilíbrios provocados pelo homem na natureza.

Parece importante, não? Importante é apelido perto do tamanho das forças envolvidas aqui. A FCCC é capitaneada por Adelaide Scritori, uma mulher que consegue se comunicar com um poderoso espírito capaz de modificar as próprias fundações do clima mundial. O espírito do Cacique Cobra Coral garante que não tem tempo ruim onde concentra sua poderosa influência. Literalmente.

Mas seria leviandade simplesmente afirmar o poder único do espírito sem fornecer um passado grandioso para ele. O Cacique Cobra Coral já fez sua moradia em corpos de pessoas como Galileu Galilei e Abraham Lincoln. E para não perder sua grandiosidade, decidiu baixar na família Scritori. Sim, antes de Adelaide, seu pai também usufruía dos talentos incríveis da Cobra.

Infelizmente Galileu e Lincoln não tiveram a idéia de ajudar o mundo com esses poderes de modificação do clima. Sorte de todos nós que aqui no Brasil conseguiram ligar os pontos. Cobra, dentro de Adelaide, já é o responsável por grandes feitos como afastar aquelas nuvens estraga-prazer de cima da famosa queima de fogos no Reveillón de Copacabana e garantir o céu de brigadeiro sobre o Rock in Rio Madrid.

Para o azar da nação, não contrataram os serviços do espírito para evitar as tragédias de Santa Catarina, Angra dos Reis e recentemente o Rio de Janeiro. Falha de comunicação. Se nossos governantes imaginassem que a mesma Fundação que fora capaz de prever um apagão nacional anos antes de seu acontecimento não seria capaz de prever tempestades gigantes que devastariam cidades, ou mesmo que com todo esse poder de clarividência meteorológica, continuariam INERTES enquanto um convênio oficial não fosse assinado, muitas mortes poderiam ser evitadas, não?

NÃO.

Se você é um adulto racional, percebe claramente o tamanho da estupidez que define a FCCC. Não existem desculpas para sequer dar atenção para alegações INSANAS como as que exemplificam os poderes do Cacique Estelionatário.

Crenças religiosas e esotéricas são vazias por definição. São alegações puramente imaginárias, contrariadas por evidências sérias e baseadas em uma parcela limitada de falsos positivos facilmente explicáveis como falsos positivos.

As pessoas inventam algo, são provadas erradas vez após vez e se agarram com todas suas forças em provas falsas que validem sua crença. Querer que seja verdade vale muito mais do que ser verdade para o cidadão médio humano.

O conhecimento que tratamos como fato, o que é aprendido desde a mais tenra infância nas escolas, o que é aplicável e reconhecível pela maioria dos outros seres humanos, é justamente aquele que é mais neutro, mais desprovido de grande conclusões gerais sobre o universo. Entender os estados da matéria, por exemplo, te ajuda a entender como a água vai reagir em temperaturas diferentes. Aprende-se que na água sólida e na água gasosa as chances de se encontrar temperaturas perigosas para a manutenção da vida humana é maior do que na água líquida.

Mas na prática, entender isso não te explica de onde viemos, para onde vamos ou mesmo qual o propósito da sua vida. É conhecimento comprovável, reprodutível e que não te obriga a mudar sua visão da realidade para ser aceito como fato.

O bom conhecimento é válido por si só. A verdadeira ciência não é boa nem é ruim, ela não tenta forçar uma reação emocional nas pessoas para as quais é apresentada. Ela está lá e pronto. Análise fria e consistente de evidências, até que se prove o contrário.

A neutralidade do conhecimento baseado em evidências é uma das fundações do desenvolvimento humano. E isso tem muito a ver com a forma como sociedades civilizadas funcionam no seu dia-a-dia. Quando as pessoas escolhem seus representantes, pessoas que tem poder real sobre elas na sociedade, elas estão colocando no controle essas pessoas sob a condição de que elas respeitem a neutralidade do conhecimento baseado em evidências.

Sim, ficou um pouco confuso. Mas vamos desatar esse nó:

O Brasil, assim como a maioria dos locais onde existe liberdade presumida, é um estado laico. Na prática isso quer dizer que somos uma nação onde os cidadãos podem escolher livremente suas crenças religiosas. O Estado em si não é nada. Cada brasileiro pode ter sua própria religião e exercê-la desde que não infrinja as leis vigentes (ou que suborne muita gente, como o Santo Daime).

Se o Estado é uma organização sem conexão com crenças irracionais, não se pode exigir dos governantes nada mais do que o possível baseado no conhecimento baseado em evidências. Você está certo se reclamar que o prefeito da sua cidade negligenciou o planejamento da cidade para lidar com deslizamentos de terra ocasionados por chuvas. Existe conhecimento técnico disponível para fazer essas análises. Existem equipamentos, tecnologia e profissionais com conhecimento comprovado que podem realizar essa tarefa.

Quando um técnico em geologia bate o pé e diz que a área analisada é de alto risco, o prefeito de uma cidade é obrigado a assumir a responsabilidade se negligenciar essa informação. Conhecimento científico CONTA. Faz parte do conjunto de informações consideradas válidas pela sociedade. Os cidadãos podem e DEVEM cobrar das autoridades a aplicação desse conhecimento. É para isso que eles estão ali.

Agora, você não pode processar o prefeito porque ele não impediu uma chuva. Não existe conhecimento baseado em evidências (sérias, reprodutíveis e comprováveis) que diga que chuvas podem ser evitadas pela tecnologia e conhecimento atuais. Quando o prefeito foi eleito, não fazia parte das atribuições dele impedir o acontecimento de um fenômeno natural incontrolável.

Numa comparação simples, um médico não pode ser culpado por não curar uma doença incurável.

Esse conhecimento é a base do que pode ou não pode ser exigido dos representantes da população. Um Estado laico garante que seus cidadãos podem pedir coisas impossíveis para qualquer ser imaginário, mas não para ele. Faz sentido, não? Exigimos o possível de nós mesmos.

E o que acontece quando o poder público de um desses estados civilizados firma acordo com uma fundação que diz ser capaz de modificar o clima através da intervenção do espírito de uma porra de um cacique que já foi o Abraham Lincoln?

Não é só mais uma das piadas que os nossos governantes adoram fazer às custas do povo, é uma ofensa contra o próprio sistema que eles representam. Adelaide e seu bando de malucos tem todo o direito de achar que botar a Cobra pra dentro e sair dizendo que modifica o clima é algo real, mas o Estado tem a obrigação de saber, pelo conhecimento baseado em evidências, que isso é impossível na vida real.

Ciência feita por pessoas SÉRIAS E RESPONSÁVEIS nunca juntou evidências razoáveis para transformar vida após a morte em fato comprovável, reprodutível e útil na realidade. O simples fato da fundação mencionar o espírito já é sinal de que se trata de um grupo religioso e/ou esotérico. Foi mal, mas o Estado não se mete nisso. (Inclusive para não taxar as Igrejas Lavadoras de Dinheiro de Deus)

“Ah, mas eu acredito em vida após a morte, se você não acredita, Somir, o problema é seu…”

O seu direito à crença é justíssimo. Mas se você precisasse provar isso, digamos, para sair da cadeia, não conseguiria. O Estado não tem religião, você tem.

Além disso, se alguém faz a alegação que pode controlar o clima, está batendo de frente com todo o conhecimento humano acumulado (de forma responsável) até hoje. Uma alegação desse tamanho precisa de provas. E só temos relatos tendenciosos da própria fundação sobre suas capacidades numa área complexa e imprevisível como a meteorologia. (Teoria do caos total…)

O Estado não tem religião. Não é só porque você quer acreditar em algo sem motivos razoáveis para tal que ele também vai para te representar.

“Ah Somir, larga de ser ateuchatoteimoso, a fundação lá é de gente maluca, mas não cobra nada!”

E agora, o mais estranho. Realmente, não está em lugar algum dos convênios que a fundação cobra dos governos. Mas… Por que eles tem que fazer convênios? Veja bem, se eu tivesse à minha disposição o espírito da Sacerdotisa Perereca Rosa, capaz de PREVER tragédias naturais e MODIFICAR os rumos do clima, eu não precisaria assinar um papel com o governo para ajudar as pessoas.

A FCCC reclama que o governo do Rio não os procurou. Quer dizer que eles sabiam e nada fizeram porque foram ignorados? Se o Estado assina um contrato com essas pessoas esperando que seus poderes possam evitar novas tragédias através da previsão e modificação do clima, quer dizer que acredita na função prática disso. Se acredita na função prática, não deveria enfiar na cadeia esse bando de filhas-da-puta que deixou mais de 100 pessoas morrerem por birra? Não dava pra mandar a encantadora de Cobras fazer a dança do Sol lá no Rio? Os safados dizem que previram o apagão recente em 2007 e não previram uma tragédia DESSE TAMANHO?

O que eu quero dizer é que mesmo na possibilidade (vergonhosa) da ação do governo de firmar acordo com a fundação acreditando nos poderes inacreditáveis de Adelaide e sua Cobra, deveria ter caído a ficha que esses caras existem há décadas e já deixaram muita merda acontecer. No mínimo são de um mau-caratismo ímpar na história dos acordos governamentais (e olha que isso quer dizer muito no Brasil…).

De onde vem a necessidade do poder público oficializar o convênio com uma fundação que seria no mínimo maligna caso fosse real e capaz de fazer tudo o que se propõe a fazer sem chancela de autoridade nenhuma?

ORGANIZAÇÕES… TUUUUUNIKITO-TO-TO-TO!!! Agora com ÉQUIU!

A FCCC é financiada pela seguradora Tunikito (sério, isso existe), parte da Tunikito Corporation, que obviamente não tem nenhuma ligação pessoal com a Fundação. Claro, além de englobar a imobiliária da Presidenta e Baixadora de Cobras da FCCC. Fundações não podem ter lucro. Empresas apoiadoras podem.

A Tunikito Corporation vende seguros, revistas para noivas, aluga carros, imóveis… Pau para toda obra. Até porque financiar a FCCC não deve ser fácil. Fontes extra-oficiais apontam que o custo de uma operação séria do Cacique e os seus funcionários gira em torno de R$ 50.000,00 (wat). Ou essa revista para noivas é um estouro de vendas e eu não sei, ou quer dizer que vai valer a pena continuar pesquisando sobre a Taba… Tunikito.

E para não perder a viagem, VEJAM O SITE.

Bônus: Eles estão MESMO de sacanagem

Para dizer que vai chover um mês sem parar na minha cabeça depois disso, para dizer que eu pulei vários pontos que todo mundo já falou em outros blogs e revistas (e se tocar que é o objetivo), ou mesmo para dizer que ainda não acredita que exista uma Tunikito Corporation: somir@desfavor.com