Dia: 10 de abril de 2010

A chuva que assolou o estado do Rio de Janeiro nesta última semana já é considerada uma das mais devastadoras da história recente do Brasil. Até o momento desta postagem, 216 pessoas morreram em decorrência direta de problemas causados pela tempestade.

E a grande maioria dessas vítimas ficou soterrada em suas próprias casas após deslizamentos de terra. O prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, veio a público durante toda essa tragédia para reclamar dos “demagogos de plantão” que foram contra a remoção forçada anterior de várias famílias que estavam em áreas afetadas pelos deslizamentos.

A questão é que… O estado inteiro virou uma área de risco com a quantidade de água que caiu, e não era bem por isso que ele queria retirar as famílias de lá.

Desfavor da semana.

Somir

Para quem se lembra, o desfavor já dedicou um desfavor da semana para as chuvas na época dos deslizamentos em Angra. O problema era a falta de estrutura pública para lidar com chuvas relativamente previsíveis e a precariedade do sistema de análise de risco em áreas onde ocorriam construções, muitas vezes até regulares.

Dissemos que nada seria feito e que aconteceria tudo de novo num futuro próximo. Erramos só no tamanho da previsão. A quantidade colossal de água que caiu no Rio de Janeiro não é uma situação comum. Cidades bem preparadas não teriam esse número absurdo de vítimas, mas alguns deslizamentos imprevisíveis e até mesmo mortes dificilmente seriam evitadas.

Agora, sobre nada ser feito… Ah, infelizmente acertamos na veia. Porque quando o prefeito do Rio enche a boca para dizer que foram os “demagogos” que impediram as ações que permitiriam a evacuação de áreas de risco, ele conta com a ignorância de boa parte da população sobre como esse processo “pós-Angra” se desenrolou.

O Rio melhorou sua equipe de análise de risco em áreas habitadas? O Rio construiu muros de arrimo, ou mesmo qualquer coisa que evitasse os deslizamentos? O Rio pelo menos contratou a FCCC para assumir que estava de sacanagem e não ligava para o que aconteceria para aquele bando de barracos?

Não. O processo foi outro.

1. Procure por pobres morando em lugares valorizados;
2. Alegue que eles são “poluição visual”;
3. Mande a polícia tirar eles dali na base da porrada.

O Brasil não é um local tão terrível assim a ponto de não ter ninguém pra pelo menos brigar com o poder público quando ele se mete a fazer algo tão obviamente oportunista e sem função prática na melhora da qualidade de vida de sua população.

Paes e seus amigos de condomínios de luxo não conseguiram os resultados desejados. Os “demagogos” não deixaram que seres humanos fossem taxados de “poluição visual”, atrapalhando os planos oficiais.

Estava na hora de outro plano:

1. Procure por pobres morando em lugares valorizados;
2. Alegue que eles estão em “áreas de risco”;
3. Mande a polícia tirar eles dali na base da porrada.

Mas, lembram que o estado não tinha estrutura para definir áreas de risco na época dos deslizamentos de Angra? Continua não tendo. Resolveram taxar qualquer coisa de área de risco e perderam, de novo, para os “demagogos”.

Paes deve ter incorporado a Cobra e mandado uma das maiores chuvas da história para cima do Rio, porque nada poderia ser mais útil para ele e as pessoas com o mesmo objetivo de tirar casa de pobre de área valorizada. Veja bem, quando se vive numa cidade cheia de morros, virtualmente qualquer lugar é uma área de risco com uma quantidade de água dessas.

E aí vem o discursinho de “Não disse?” por parte de quem chamava os mortos de “poluição visual” até alguns meses atrás. Brasileiro tem memória curta, capaz das famílias das vítimas começarem a reclamar dos “demagogos” também. Esperem só até as câmeras saírem da cara dos governantes… Vai continuar tudo na MESMA em relação à estruturação dessas cidades para encarar chuvas, vão continuar asfaltando rua de comunidade estabelecida em cima de lixão, vão continuar tentando pegar esses pobres que estão em locais valorizados e mandá-los para o mais longe possível das praias freqüentadas por Globais.

A verdade é: Os que estão enchendo a boca para dizer que foram impedidos de salvar aquelas pessoas por ações de “demagogos” não reconheceriam uma área de risco nem se colocassem suas mansões ali. Morreu muita gente em área de risco óbvio URBANIZADA.

Continuamos na mesma. Toda essa dinheirama que o governo federal está soltando vai para obras em caráter de emergência, vão construir casas pra lá de onde Judas perdeu as botas, vão dizer para a pobralhada se virar até eles lembrarem de colocar uma linha de ônibus ali, e assim que esse pessoal começar a cair fora dali porque não dá pra viver tão longe do centro comercial, vão começar a olhar, inertes, a reocupação das áreas de risco.

Gastar com bobagens como geólogos e engenheiros para dizer onde é seguro ou não deixar as pessoas morarem não rende votos. Então, podem anotar aí: O dinheiro, diferentemente da água nas vias cariocas, vai escoar para longe da vista do povo.

E vamos culpar os demagogos! Porque os políticos tentaram tirar alguns dos barracos feios da visão da sacada dos condomínios de luxo.

Infelizmente, ser amargo na República das Bananas do Brasil é quase como ser realista. “Não disse?”.

Para me chamar de “demagogo”, para me dizer isso já é “águas passadas”, ou mesmo para dizer que também achava que todos os cariocas iriam boiar: somir@desfavor.com


Sally

Vocês estão sendo enganados. A imprensa está mentindo, querendo ou sem querer, não sei. O que estão passando para o resto do país e para o mundo é que as mortes em decorrência das chuvas foram em comunidades de baixa renda que de forma irresponsável e por conta própria ocuparam áreas de risco e meio que “procuraram” por esta desgraça. NÃO FOI ISSO QUE ACONTECEU. Podem acreditar em mim, nunca escrevi um Desfavor da Semana com tanta convicção e conhecimento de causa.

O curioso é que as próprias autoridades se contradizem. Mesmo assim, as pessoas estão tão chocadas com a tragédia, que sequer conseguem perceber.

Em primeiro lugar, quero dizer que não vou fazer um discursinho comunista sobre direito à moradia. Não sou demagoga, como quer fazer crer Prefeito do Rio de Janeiro, o Sr. Eduardo Paes. Muito manjado usar essa tática de desvalorizar aquele argumento que não te favorece alegando demagogia.

Para começo de conversa, não caiu só barraco. Cai casa de gente rica e caiu casa de gente pobre, em bairros ricos e pobres. Caiu prédio de cinco andares, caiu barraco. E ninguém avisou que viria uma chuva tão forte. Será que uma chuva deste porte não poderia ter sido prevista, ainda que com pouco tempo de antecedência? Pois não foi.

O discurso que as pessoas desinformadas que “acham” sem ter conhecimento de causa me preocupa. Coisas como:

“Quem mandou eles ocuparem esse lugar? A Prefeitura bem que falou que não podia morar ali”

“Quem mandou eles não saírem? A Prefeitura bem que avisou para eles saírem”

“Quem mandou ficarem jogando lixo nas encostas? Esse pessoal destrói a natureza e a natureza se vinga”

É sempre um discurso responsabilizando AS VÍTIMAS. Olha que coisa mais cretina! Porque sim, a população de baixa renda que foi afetada é VÍTIMA. E vocês sabem que eu sou durona, se eu estou dizendo que alguém é vítima, não é pelo mero fato de ter acontecido um desabamento.

A pior catástrofe aconteceu em Niterói e São Gonçalo. O que ninguém conta é que no Morro do Bumba o Município ASFALTOU as ruas, COBRAVA IPTU e prestava uma série de serviços essenciais. Ora, como é que agora eles vem dizer que a culpa é da população, que ocupou uma área indevida? PUTA QUE PARIU! Se a Prefeitura cobra IPTU e ASFALTA a rua da sua casa, se presume que ela está concordando que você more ali e que o local é considerado como habitável! Como assim? Você tem cobrança de IPTU, paga IPTU e depois eles vem dizer que você não deveria morar ali???

Depois vem o discurso de que as pessoas que ocupam áreas de risco estão cientes disso. Porra, é difícil pra caralho você configurar uma área como área de risco. Muitas vezes nem os técnicos sabem dizer. Muito menos a população. Atenção para esta frase proferida pelo Prefeito de Niterói em entrevista: “NÃO TINHA CONHECIMENTO DESSE RISCO TODO”. O Poder Público não sabia, mas a população de baixa renda tinha a obrigação de saber, né? Então tá.

Quanto a reclamar que as pessoas jogam lixo nas encostas… fala sério. O pior desabamento de todos ocorreu porque O PODER PÚBLICO é que jogou lixo ali! Descobriram que debaixo das casas existia um aterro sanitário. E mesmo que fosse culpa dos moradores por estar jogando lixo… Foi o que eu disse no outro Desfavor da Semana de janeiro, sobre chuvas: a população joga lixo? Fiscaliza! Multa! Coíbe! Disponibiliza sistema de coleta de lixo! A lei está aí para isso, para proteger o ser humano dele mesmo. Por esse argumento, em breve estaremos ouvindo do Estado “Mas ele comprou uma arma, o que eu posso fazer se ele matou outra pessoa?”.

Para aqueles que não estão familiarizados com os problemas habitacionais do Rio de Janeiro, uma breve sinopse: a cidade é rica, mas é um ovo espremido entre o mar e a montanha. Não existem áreas para moradia livres nesse pequeno espaço entre o mar e a montanha, tá tudo abarrotado e é tudo muito caro (o aluguel de um apartamento de um quarto na zona sul do Rio pode passar de dois mil reais por mês). A população de baixa renda não tem onde morar, por isso ocupa o lugar que restou: os morros. Curioso que em todas as partes do mundo, as casas nos morros são as mais caras e mais valorizadas, menos aqui.

Ocupando morros, os pobres começam a se aglomerar próximos aos ricos. Aqui no Rio todo bairro tem uma favela, por mais rico que seja. Os pobres incomodam os ricos. Desde sempre os ricos tentam tirar os pobres de perto. No começo alegavam “poluição visual”. Ganharam na justiça por um tempo, depois começaram a perder. Daí tiveram que inventar um novo argumento. Começaram a dizer que os pobres estavam prejudicando a natureza. Os mesmos ricos que poluem mais do que ninguém viraram defensores da natureza! Ganharam um tempo depois começaram a perder novamente. Agora veio essa moda de dizer que é “área de risco” (na verdade, área de RICO). Não tava colando, até porque, de cem processos com alegação de área de risco, apenas dois ou três se mostravam verdadeiramente área de risco. Mas, com esses desabamentos, esse argumento vai começar a colar, tenho certeza!

O curioso é que os locais considerados de risco pelo Município são TODOS em áreas nobres da Zona Sul do Rio de Janeiro. Que coisa, né? Todo mês tem trocentos desabamentos por qualquer chuvinha nas áreas mais pobres e NINGUÉM FALA NADA, nem se preocupa se aquilo é área de risco. Convido qualquer pessoa a ocupar um morro no cu do mundo do Rio e garanto que a Prefeitura jamais vai importunar nem dizer que é área de risco! Outra curiosidade: quando os pobres são retirados dessas “áreas de risco” nas zonas nobres, curiosamente depois são construídas mansões, condomínios, resorts e hotéis na MESMA ÁREA DE RISCO. É risco só para os pobres?

Não caiu porque era área de rico. Caiu porque foi a pior chuva dos últimos 50 anos. Caiu casa e prédio onde não era área de risco. A Lagoa Rodrigo de Freitas entrou no Túnel Rebouças! A água invadiu as pistas do aterro! Entrou no aeroporto Santos Dumont! Foi uma catástrofe natural, não foi conseqüência de atos das vítimas.

“Mas Sally, você acha que as pessoas devem morar em local de risco”. NÃO, PORRA! Pessoas em área comprovadamente de risco devem ser removidas e REASSENTADAS em outro local pelo Poder Público, tem previsão legal expressa regulando isso! Cadê que o Poder Público reassenta? Cadê que tem uma política habitacional para isso? Habitação é obrigação do Estado, está na Constituição da República. Não sou demagoga não! Sou legalista, gosto de ver a lei sendo cumprida! Demagogo é quem atribuí área de risco onde não existe para tirar pobre de perto.

Essa luta está perdida. Mesmo que não tirem os pobres de perto por causa das “áreas de risco”, a Prefeitura tem um plano B: construção de Vilas Olímpicas para as Olimpíadas sediadas pelo Rio de Janeiro. Não é curioso que ele tenha escolhido como locais para a construção dessas vilas olímpicas comunidades pobres que estão próximas de ricos? Comunidades que moram ali há mais de 50 anos? que COMPRARAM suas casas com uma vida de trabalho! Mas a vila olímpica é interesse público, e o interesse público se sobrepõe ao particular. Aff

E já que é para falar de DEMAGOGIA, Desfavor também quer falar. Achamos que DEMAGOGO é quem edita um decreto às pressas para estabelecer uma norma que já existe faz tempo e tentar fazer parecer que está tomando atitudes drásticas para o bem da população. Vamos ler o Decreto nº 32.081 de 08 de abril de 2010, obra do Excelentíssimo Prefeito Eduardo Paes? A imprensa, burra em direito e sem assessoria jurídica, como sempre, vem fazendo um auê sobre um artigo que transcrevo abaixo:

Art. 3º – Fica autorizada, nos termos dos incisos XI e XXV, do artigo 5º, da Constituição Federal, às autoridades administrativas e aos agentes de defesa civil, diretamente responsáveis pelas ações de resposta aos desastres, em caso de risco iminente, a adoção das seguintes medidas:

I — penetrar nas casas, mesmo sem o consentimento do morador, para prestar socorro ou para determinar a pronta evacuação das mesmas

Daí o leigo que lê essa babaquice pensa “Poxa, que legal, o cara nem perdeu tempo já está tomando atitudes drásticas! Que eficiente, que operante!”. Mas não o leitor do Desfavor. O leitor do Desfavor SABE que esta mesma norma já está prevista na nossa Constituição da República desde 1988! Não tem necessidade de repetir em lei! Vamos ler a Constituição:

Art. 5º

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

“Mas Sally, então o cara é imbecilóide? Porque editar uma lei se já existe norma regulamentando isso?”

Há! Aí é que tá o pulo do gato! Depois de um monte de artigos falando um monte de bobagens desnecessárias, lá no finalzinho é que as almas mais atentas podem observar a real intenção:

Art. 5º – Ficam dispensados de licitação os contratos de aquisição de bens, prestação de serviços e obras necessários às atividades de resposta ao desastre, de acordo com o inciso IV, do artigo 24 ,da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

Ou seja, o Rio de Janeiro vai receber milhões em auxílio para a reconstrução e NÃO VÃO LICITAR COMPRA NENHUMA DE NADA, entenda-se poderão superfaturar o quanto quiserem! E ainda tiram onda que fazem decreto para o bem do povo! NOJO! NOJOOOOO!

Ao Sr. Prefeito, um homem de GRANDES ASPIRAÇÕES, quero dizer que DEMAGOGO é o senhor, e só não lhe mando tomar no cu, porque é de conhecimento geral dos cariocas que o senhor GOSTA, E MUITO.

Para dizer que agora tem certeza que seremos processados, para perguntar se meu barraco caiu para que eu esteja com tanta raiva ou ainda para contar histórias escabrosas envolvendo Eduardo Paes: sally@desfavor.com