Ele disse, ela disse: Primeiro você.

Yeah.

Não tinha nenhuma imagem que não fosse aquela babaquice “tipo, profundo” para falar sobre morte, então vai essa mesmo.

Embora o tema de hoje tenha de respeitar algumas condições que simplificam bastante a situação analisada, há algo de muito maior nas entrelinhas das posições de Sally e Somir.

Imaginemos um casal “ideal”, onde ambos se consideram os amores de suas vidas. Imaginemos que depois de longos anos de convivência um dos dois morra. Não por causa de um acidente ou doença horrível, mas sim por conseqüências normais da idade avançada. Imagine uma morte pacífica e indolor.

De que lado você gostaria de estar? Claro que não estamos perguntando se você prefere viver ou morrer, o que se discute aqui é como se lidar com o fato de que nenhum casal pode ser eterno.

Tema de hoje: Você prefere morrer antes ou depois de seu(sua) parceiro(a)?

Espero que tenham entendido as condições. Mas eu vivo esperando demais dos leitores… Na pior das hipóteses eu me divirto com os comentários.

Ao assunto: Eu prefiro morrer DEPOIS de uma eventual parceira de longa data. Obviamente isso é uma conjectura, afinal, não é com o meu gênio agradável e compreensivo que se mantém uma relação dessas.

De qualquer forma, dada essa escolha, eu não estou pensando no famoso “antes ela do que eu”. Como não sou um exemplo de desprendimento ou solidariedade, quando eu afirmo que prefiro morrer depois estou exercitando a boa e velha confiança excessiva.

Eu agüento ficar sozinho. Tenho certeza que conseguiria me estabilizar e não viver de forma miserável após perder uma pessoa muito querida. Não digo que vá dançar no túmulo da coitada (faz sentido chamá-la de coitada depois de viver tanto tempo ao meu lado), mas quando a coisa aperta de verdade, eu só confio numa pessoa nesse mundo para segurar a barra e não desabar: Eu.

Uma das coisas mais surpreendentes deste “morto por dentro” (apelido carinhoso que recebi de Sally durante nosso namoro) que lhes escreve é que eventualmente até ele consegue gostar de outros seres humanos.

Veja bem, se eu creio que eu sou o mais apto a sobreviver com dignidade após a morte da outra pessoa, é claro que eu vou querer ficar com esse papel. Depois que eu morrer, nada me garante que minha companheira não vá perder a capacidade de viver o resto de sua vida de forma satisfatória. Eu não sei ler mentes nem prever o futuro, claro. Mas é justamente por isso que eu fico com as informações mais seguras, as minhas.

(Sim, eu me acho inesquecível. CALA A BOCA!)

No final das contas, quem morre é que se livra de uma vez por todas de qualquer problema. Eu prefiro mesmo que a pessoa com quem eu escolhi viver o resto da minha vida que tenha essa “vantagem”. Deixa que eu fico com a parte complicada, me sinto mais útil assim.

Até porque eu sempre imaginei minha velhice como uma fase produtiva. Não tenho muitos problemas com a idéia de produção exclusivamente intelectual, dado o devido tempo de vida e alcance de metas anteriores. Dificilmente me sentiria totalmente perdido e sem propósito nos meus últimos anos. Sentiria falta de minha companheira, óbvio, mas não é como se eu a fosse encontrar novamente. Que seja bom enquanto dure. (E duro. Os Viagras da minha velhice vão ser bem mais seguros, aposto.)

E provavelmente esta idéia de ser a pessoa que fica para apagar as luzes e trancar as portas depois que tudo acaba que seja a maior motivadora da minha escolha aparentemente escrota de querer que minha parceira morra primeiro em condições naturais de velhice.

Em outros textos eu já havia mencionado algo sobre a forma como as pessoas enxergam seus papéis sexuais com elementos distintos na formação. Eu me lembro da minha infância, onde meu pai tinha o mesmo hábito que tenho hoje de ser o último a dormir em casa. Eu me lembro de como nas raras ocasiões onde ele, seja lá o motivo, ia dormir primeiro que o pequeno Somir. Eu me sentia menos seguro. Como se o exército tivesse deixado a cidade a mercê dos invasores…

Eu fiz essa ligação entre “estar acordado” e ser o homem da casa. Ser o homem da relação. Carreguei isso para a minha vida como condição para fazer as coisas do jeito certo. Não é apenas questão de orgulho masculino, é também um medo de não estar lá quando uma pessoa da qual eu gosto precisar de mim. Por mais que seja triste que essa companheira hipotética durma e eu fique acordado, pelo menos fui eu que fiquei sozinho, não ela.

O que não deixa de ser uma forma de diminuir essa parceira. Como eu já disse, confio apenas na minha capacidade de lidar com essa situação. Essa escolha (que é condicional e hipotética, não pretendo enfiar um travesseiro na cara da velha…) ignora a vontade e a capacidade da outra pessoa. Mas é bom não imaginar que essa vontade de morrer depois seja incompatível com a assunção de riscos para proteger uma pessoa querida, pois não é.

Afinal, pular na frente do risco para proteger sua mulher também faz parte desse meu conjunto de valores que formam um homem de verdade. Primeira e última linha de defesa. Prioridade para a primeira, claro.

Abandonemos a nobreza (discutível) por um momento e vamos analisar outro dos motivos pelos quais eu faço a escolha que faço nesta coluna:

VÉIO SOMIR: Véia… Nesses meus últimos minutos de vida… Eu quero saber uma coisa…
VÉIA: Claro, diz.
VÉIO SOMIR: Você não vai sair por aí e se envolver com outro depois que eu morrer, né?
VÉIA: Somir… Eu tenho 80 anos de idade.
VÉIO SOMIR: NÃO MUDA DE ASSUNTO! Coff… coff…
VÉIA: Onde que desliga os aparelhos mesmo?

Eu não tenho noção. Duvido que vá ganhar alguma nas próximas décadas.
E como eu não acredito em nenhuma dessas bobagens de vida após a morte, detestaria deixar como última impressão meus mecanismos de defesa anti-sentimentalismo.

Do fundo do meu coração, podem morrer todos antes de mim, viu?

Para desejar o mesmo gesto de carinho para mim, para dizer que é daquelas pessoas chatas que acha que pensar em morte “atrai”, ou mesmo para pedir mais “guerra dos sexos” ao invés desses temas que exigem pensar antes de tomar uma posição: somir@desfavor.com


Acordamos mórbidos hoje. O que você prefere: morrer antes ou depois de um parceiro seu? É claro que quando se fala “um parceiro”, se supõe que seja o amor da sua vida, aquela pessoa com a qual você pretende construir um futuro a longo prazo. E quando se fala em morte, presumimos ser uma morte por velhice, nada de morrer de acidente de carro aos 35 anos, por exemplo.

Podem me chamar de maluca, covarde ou egoísta, mas eu prefiro morrer ANTES das pessoas que eu gosto. Porque ver uma pessoa que você ama morrer é uma dor terrível que não passa nunca. Podendo me poupar disso, já tendo vivido uma vida plena, se é para que alguém morra, que seja eu.

O mecanismo que usei a vida toda para lidar com a dor da perda é agüentar firme porque eu sei que vai passar e acho que só consigo agüentar porque sei que ela vai passar. Com este mecanismo terminei namoros, terminei noivados, mesmo ainda sendo apaixonada por muitos dos infelizes. As pessoas me perguntam “Como você consegue dar um fora em uma pessoa pela qual você ainda é apaixonada?”. Porque passa. Eu sei que o sofrimento é enorme, mas passa. Por isso eu agüento, agüento até passar.

Mas, no caso da morte do seu parceiro, o sofrimento não passa. Pode melhorar com o tempo, pode virar uma dor menos intensa, mas passar… não passa. Quem neste mundo quer se sujeitar a um sofrimento que não passa? Talvez alguma pessoa meio morta por dentro (logo acima), mas eu não gostaria de ter que vivenciar esta experiência.

Claro que a coisa deve mudar de figura quando você tem filhos, né? Porque você se torna uma pessoa necessária a outro ser que é dependente de você. Olha a minha cara de quem vai carregar nove meses uma criança na pança, ser escrava por mais cinco anos, aturar mal criação por mais cinco, aturar desaforo por mais dez para no final das contas a criatura andar por aí usando pulseiras do sexo! Na na ni na não. Quem tem filhos não pode nem morrer em paz! Eu hein… daqui não sai nada não.

A idéia de ter que enterrar um parceiro me apavora. A idéia de voltar para uma casa onde tive uma vida longa em comum com a pessoa e ter que viver sem ela ali me apavora. Não quero passar por isso. Não é que eu queira “morrer para não ter que passar por isso”, simplesmente se pudesse escolher entre morrer antes ou depois, preferia morrer antes.

Quando não se tem religião e não se acredita em porra nenhuma além do morreu = acabou, a morte de um parceiro é mais dolorosa ainda. Tenho inveja das pessoas que conseguem acreditar que quem morre vai para um “lugar melhor” e que um dia todo mundo vai se reencontrar. Desde meus cinco anos de idade, quando minha mãe me disse que meu cachorro tinha “ido para um sítio” eu me toquei que deslocar entes queridos para um lugar imaginário onde supostamente eles estão bem e felizes é uma tentativa de diminuir o sofrimento da perda. Simplesmente não consigo acreditar. Tomara que seja verdade, mas eu não consigo acreditar.

Então, com uma cabeça de ateu, ter que lidar com o fato de que a pessoa que você ama “acabou” e que você nunca mais vai vê-la, é muito doloroso. Se eu CONSEGUISSE acreditar de forma diferente, juro que eu acreditaria, mas realmente não consigo. Nesta situação, garanto que ninguém gostaria de morrer antes do parceiro.

“Mas Sally, quando acontecem coisas horríveis todo mundo passa a ter fé, chama por Deus e acaba pedindo algum tipo de ajuda”. Não é verdade. Já tentei, não consigo. Mesmo em horas de perrengue, não consigo. Estive à beira da morte duas vezes, e ainda assim não consegui acreditar em nada de cunho religioso, místico, espiritual ou semelhantes. Minha cabecinha foi muito bem blindada por pais ateus, nem que eu queira posso amenizar a minha dor com esse tipo de religiosidade/espiritualidade.

Outra coisa: eu quero viver, e não “durar”. Estando ambos na terceira idade, o que diabos eu vou fazer sozinha se meu véio morrer? Meu vigor físico já não vai ser o mesmo, meu corpo vai estar cansado, minha mente vai estar começando a falhar, minha família toda estará em outro país, eu não terei filhos… E ainda vou ter que enterrar a pessoa que eu amo? Quem vai empurrar a minha cadeira de rodas? (será que é por isso que as pessoas fazem filho?). Dá um tempo, não faço a menor questão de viver meus últimos anos chorando um luto. Deixa o Somir ficar chorando a minha ausência, já que ele prefere assim. Claro, para isso Madame vai ter que parar de fumar, se não vai ficar difícil não morrer antes de mim. Ihhh… Perdi, Preibói…

A vida na terceira idade não me seduz muito. Nada contra idosos, mas meu estilo de vida, cujo lazer e satisfação encontram como meio atividades físicas, ficaria comprometido. Então, não vejo porque barganhar uns anos a mais de vida, só para não morrer antes do parceiro, quando na verdade essa vida nem me agradaria muito.

Se você gosta de passar seus dias sentadinho jogando computador, não faz a menor diferença a idade que você vai ter, vai poder levar seu lazer até mesmo para o asilo. Acho que fica até melhor, já posso ver o Somir aposentado, comemorando que não precisa mais trabalhar e pode jogar o dia todo. Mas se o seu lazer e sua diversão dependem de vigor físico, a morte pode deixar de ser um medo para ser um alívio. “Mas Sally, você descobre novas formas de se divertir”. Foi o que me disseram quando tive que passar seis meses de cama. Não, você não descobre não. Mentira para fazer os outros se sentirem menos desesperados.

Não vejo graça em sobreviver, na terceira idade, à morte de um parceiro. Muitos acabam inclusive morrendo pouco tempo depois, em função do baque. Se eu já estivesse na terceira idade, não vejo prejuízo em ir antes, porque sinceramente, a vida na terceira idade não me seduz o suficiente para me fazer passar pelo sofrimento de enterrar meu parceiro.

Não estou falando aqui em me matar, em querer morrer. Estou apenas dizendo que, SE pudesse escolher, preferia morrer primeiro para não ter que passar por esse sofrimento.

Para dizer que a terceira idade é a melhor idade e que eu não sei nada da vida, para dizer que se eu fosse casada saberia que quando o parceiro morre se sente alívio e não sofrimento e para dizer que espera mesmo que eu morra primeiro porque o mundo vai ficar bem melhor sem mim: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Prefiro morrer depois.

    O ateísmo cobra seu preço diante da morte. Seria infinitamente mais simples acreditar que a vida continua, mas eu desconfio que nem mesmo o mais fervoroso dos crentes tem, realmente, certeza absoluta disso. Se tivessem, não sofreriam tanto, não se desesperariam tanto, pois ficariam felizes pelas pessoas queridas estarem em um lugar melhor, um lindo e pacífico paraíso…

  • Sally, estou meio surpresa por você já ter sido noiva MAIS DE UMA VEZ! Isso quer dizer que, quando era mais jovem, você acreditava na instituição do casamento?

  • Eu já tive um namorado que morreu e eu sinto falta dele até hoje. Tenho outros namorados, mas morrer é uma merda! Nunca mais morram antes de mim!

  • Eu tenho 33 e o amor da minha vida 39. Eu guero morrer antes dele. Não posso ficar longe agora, imagina depois de velhinha. Não quero ficar sozinha.

  • Phill, ter filhos não é ruim para todos, mas para mim, até a presente data, seria um horror.

    Até segunda ordem, não quero.

  • Confesso nunca ter pensado no assunto, mas o texto do Somir me fez pensar mais, pela primeira vez ele consegue ser mais humano do que a Sally.

    Visto que é um sofrimento tão grande perder um parceiro, acho que não me sentiria muito bem em causar tamanha tristeza à quem eu amo.

    Fico imaginando o que deve ser pior: ficar e sofrer ou saber que morrer irá deixar de herança anos de sofrimento?

  • Bem, antes de ler a argumentação de cada um, meu ponto de vista de acordo com duas situações próximas a mim é:
    Quando a mulher morre, o homem se entrega, entra em depressão fica um bagaço dependendo dos filhos ou de qq pessoa próxima, mas logo (tipo no máximo uns 2 anos) já arruma uma mulher para substituir sua falecida mulher.

    Agora, quando é a mulher que perde o marido, ela sofre é claro, mas consegue tocar sua vida devagar, suportando tudo aquilo. E das viúvas que eu conheço, nenhuma delas colocou outro homem para dentro de casa, e passou a sair depois de um tempo de luto maior que o dos homens.

  • Bom, não sei quanto à vida de fato, mas com relação a discursos… o do Somir chegou até a ser quase amável e carinhoso.

    Sinceramente, não sei o que é pior; ter que suportar a barra por seu ente mais querido morrer, ou saber que seu ente mais querido está suportando a barra por você morrer… mas a opção do Somir parece, ao menos, mais altruísta. Ah, e Sally? Ter filhos não é tão ruim assim. Afinal, você deve saber MAIS do que ninguém: desde quando que uma coisa é ruim só porque é absolutamente exaustiva e estressante? Geralmente, elas acabam valendo à pena.

  • "Depois que eu morrer, nada me garante que minha companheira não vá perder a capacidade de viver o resto de sua vida de forma satisfatória."

    Gezuiz!

    "Não é apenas questão de orgulho masculino, é também um medo de não estar lá quando uma pessoa da qual eu gosto precisar de mim."

    Esse medo "tão forte" não basta para você parar de fumar, comer mal e dormir pouco, né Madame "em tese"? Ficar só no discurso é fácil…

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