Somir Surtado: O futuro no passado.

Pegava...

 Escala de nerdice: Retrógrada.

Da primeira vez que assisti Metropolis (sim, aquele de 1927), ainda era muito novo para reparar em algo a mais do que as atuações exageradas dos atores do cinema mudo e Maria, “a” robô que estampa os pôsteres do filme. Recentemente tive a oportunidade de vê-lo de novo. Se você tem algum interesse em trabalhar com cinema, design ou alguma dessas viadagens, sugiro que veja também, porque é uma das obras de arte do cinema. (Mesmo que chatinho às vezes…)

Desta vez, eu já tinha um pouco mais de capacidade de entender a crítica social feroz que o filme já fazia na época, com a sociedade dividida fisicamente entre opressores e oprimidos num “futuro distante” (que de acordo com algumas versões, seriam os dias atuais) e toda aquela mistureba “manifesto comunista encontra a bíblia” que define a história.

Mas eu não pretendo falar sobre isso hoje. Afinal, eu transformei minha coluna “surtada” num antro de nerdice e pretendo mantê-la assim. Sempre que eu vejo um filme antigo de ficção científica, gosto de reparar na forma como se demonstra a suposta tecnologia futurista presente nas cenas. No caso de Metropolis, o diretor decidiu apostar na via da grandiosidade. Uma tecnologia basicamente igual à presente na época em proporções absurdas.

Afinal, o filme foi feito num tempo onde o desafio era tornar as máquinas tão gigantescas quanto possível. Era de se esperar que o futuro fosse imaginado de forma a conquistar esse objetivo. Vemos cenas onde engrenagens e pistões movidos a vapor movem equipamentos tão grandes quanto os locais que os abrigam, constantemente vigiados e regulados por trabalhadores praticamente em estado de escravidão. Alavancas, roldanas e outros mecanismos de controle mecânico completam a identidade visual futurista apresentada ali.

Faltava o conhecimento que criaríamos uma forma mais eficiente de lidar com a parte “engraxada” do trabalho. Faltava a noção de eletrônica e computação que causaria o fim da revolução industrial algumas décadas mais tarde. (Sim, ela acabou. Acordem para o presente e coloquem seus manifestos comunistas na seção de livros de história.)

Claro que temos tantos outros elementos “modernos” como robótica no filme, mas com a tecnologia apresentada ali, Maria (a robô, seus desmemoriados) parecia mais resultado de mágica do que qualquer outra coisa. Para este texto, estou considerando apenas avanços plausíveis de acordo com o cenário geral apresentado. No caso aqui, toda a tecnologia apresentada parecia só funcionar em grandes escalas. Se precisa de uma máquina do tamanho de uma sala para não conseguir nem estabilizar sua própria temperatura e pressão, não dá pra ter um robô em escala humana, que precisaria de micro-manutenção constante.

Metropolis acena com um futuro onde as tensões sociais da época assim como a tecnologia já presente são elevadas à última potência. O mundo muda tanto, e tão rápido, que várias previsões plausíveis do filme não são nem sombra da realidade atual. A disparidade incrível entre classes sociais é uma constante histórica, mas a forma pela qual ela ocorre muda, e muito, de acordo com o avanço da tecnologia. Saímos de uma previsão pessimista sobre sub-empregos para a realidade atual da falta deles. As máquinas de Fritz Lang (diretor do filme, bandigentesemcustume) precisavam de uma “engrenagem humana” para funcionar. As nossas de hoje, nem sempre.

Mas mesmo depois que os avanços da vida real começaram a colocar em xeque a necessidade de trabalhadores girando manivelas e puxando alavancas para manter máquinas funcionando, a ficção continuou a trabalhar com a idéia da indispensabilidade da supervisão humana. Um dos clichês mais famosos da área é o painel com um zilhão de botões coloridos, piscando (e sem nenhuma função clara). Não era só uma decisão estética (duvidosa), era mais uma previsão meio furada sobre a função humana em maquinário avançado.

Quando alavancas e manivelas começaram a ser controladas por outros mecanismos, começou a era dos botões. O desafio era delegar o máximo possível de tarefas para eles. Fazia sentido imaginar que no futuro teríamos sucesso nisso e botões estariam em todos os lugares possíveis.

Já temos tecnologia para isso. Mas a tendência é justamente a oposta. Aquelas paredes cheias de pedaços de plástico iluminados fazem parte da ficção antiga. Hoje em dia o que vende é tela touch-screen. Função e controle integrados na mesma interface. E o próximo pulo tecnológico é o holográfico “táctil”, onde até mesmo a superfície de visualização se torna supérflua.

E quanto aos robôs dessa época brega da multiplicação dos botões? Mágica, de novo. As tecnologias apresentadas ainda não explicavam a existência de robôs imitando o funcionamento da mente humana de forma minimamente satisfatória. Novamente, eles estavam num patamar completamente diferente de todo o resto. Se máquinas precisam de botões para TODAS suas funções, é de se imaginar que ainda não seriam capazes de tomar decisões.

(P.S.: O que não quer dizer que eu não ache o HAL um dos melhores personagens da história do cinema… Pouca gente acerta a mão ao falar de inteligência artificial.)

Cheguemos então ao presente. A mania dos milhares de botões ainda se faz presente em algumas obras de ficção, mas pelo menos perceberam que fazer um de cada cor era cafona. E com a era da comunicação (alimentada pelos computadores e satélites), o foco é grande em máquinas substituindo humanos que consideram ineficientes ou perigosos para si mesmos. Quando finalmente sacaram que o futuro não era “nosso”, trataram de demonizar a evolução da espécie (pois é) para tornar as histórias mais apelativas para o grande público.

A inteligência artificial é um dos assuntos recorrentes nas nossas visões do futuro, mas temos mais um importantíssimo: A conquista do espaço. E como nossas “esperanças” enxergam o assunto? Naves tripuladas. O dia em que estivermos navegando pelo universo em busca de novos planetas e civilizações sempre aparece como uma tarefa para seres humanos controlando uma máquina. Eu sei que seria um pé no saco fazer um filme sobre uma missão não tripulada, mas a realidade está aí para nos dizer que as chances de colocar seres humanos em missões espaciais mais longas que uma viagem à Lua são mínimas.

Quem entende um pouco do assunto já sabe que para colocar numa história futura uma viagem interestelar (pelo menos tripulada), a única forma de ser razoavelmente realista é situá-la vários séculos no futuro. E olhe lá. Atualmente é mágica e precisamos vencer algumas barreiras sérias para sequer sonhar com isso.

Assim como seria mais correto que as grandes máquinas de Metropolis não dependessem de funcionários para funcionar, e assim como seria mais correto que as máquinas cheias de botões da ficção comum não precisassem de tantas decisões humanas para funcionar, seria mais correto imaginar o futuro da exploração espacial feito por inteligência artificial.

Mas nós queremos as mesmas histórias de sempre (amor proibido, vingança, redenção, blá blá blá…) onde nós somos os heróis. Normalmente quando eu digo que ficção científica me interessa tanto quanto qualquer outro tipo de história, colocam em dúvida minha nerdice. Já cansei de explicar que nerd não combina com escapismo… Continuo na minha luta para limpar a ficha dos meus “semelhantes” e nunca mais ser comparado com algum fã incondicional de Guerra nas Estrelas. (Que é razoavelmente interessante pelas imagens, mas terrível pela história e tecnologia…)

A forma como cada geração enxerga o futuro imaginado explica muito sobre a forma de pensar e o alcance do conhecimento humano naquele momento, mas na maioria absoluta dos casos não passa de um exercício de projeção da própria importância no universo. Por que vocês acham que grande parte das máquinas e tecnologias mostradas em filmes futuristas nunca chegam nem perto de virar verdade? Elas nem sentido fazem.

Como eu imagino o futuro?

Nós seremos as máquinas. Não porque é mais eficiente, mas simplesmente para ter algo o que fazer. Acabando a era da comunicação, começa a da bio-engenharia. Só quando pudermos tripular as naves espaciais que teremos vontade de sair deste planeta. Para viver as mesmas histórias que sempre gostamos de viver em outros ambientes.

A tecnologia avança. Nós, nem tanto.

Para saber que eu atrasei porque meu cachorro comeu meu trabalho, para me chamar de traidor do movimento, ou mesmo para dizer que Metropolis é uma merda e eu sou um pretensioso (o que é uma meia-verdade): somir@desfavor.com

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