Desfavor Explica: No fundo do poço.

Belos PelicanosNão, não é um texto sobre depressão. Ainda lidando com um dos piores vazamentos de petróleo da história, o grupo britânico BP (Beatles Petroleum) anunciou nos últimos dias que está vendendo tudo o que não estiver (bem) aparafusado no chão para pagar pela limpeza das áreas atingidas pelos bilhões de litros de óleo que um poço defeituoso derramou na costa norte-americana após explodir.

Hoje o desfavor explica vai falar sobre o processo de extração de petróleo em grandes profundidades, além, claro, da divertida parte onde as coisas explodem e tingem pelicanos de preto pelos meses seguintes.

O assunto pode até não te interessar se você for uma pessoa de bem que não dá a mínima para a natureza, mas há de se convir que a ciência envolvida no processo seja interessante por si só. Além disso, nos próximos anos teremos vários desses poços ameaçando tornar boa parte das praias do sudeste brasileiro em nojeiras AINDA maiores. O que é um feito, definitivamente…

PRETO JÓIA

A humanidade tem contato com o petróleo há milhares de anos, os primeiros registros da utilização da substância vem do Oriente Médio, milênios antes do nascimento do Zumbi Judeu. Naqueles tempos, utilizava-se apenas o que brotava naturalmente do solo. (E com alguns usos estranhos como… laxante!?)

O que significava uma quantidade irrisória se comparada com a extração moderna. O petróleo se forma naturalmente por um agradável processo de decomposição orgânica cozinhada lentamente pelo calor proveniente das camadas inferiores da crosta terrestre. E quando eu digo lentamente, bota lentamente nisso: Centenas de milhões de anos.

Mesmo que o petróleo possa ser encontrado em reservatórios rasos ou mesmo jorrar do chão depois de uma picaretada num desenho animado, ele só se forma mesmo em grandes profundidades. O que acontece é que por pura chance alguns desses depósitos são empurrados para perto da superfície por movimentos da crosta terrestre.

Mas uma sociedade com motores para alimentar e sacolas plásticas para produzir não poderia ficar esperando uma oportunidade dessas. Tínhamos que ir buscar o petróleo onde quer que ele estivesse, vulgo “fundo pra caralho”. Para ajudar, o petróleo não fica em reservatórios como um bolsão de líquido entre as pedras, o petróleo fica DENTRO das pedras mais porosas. Numa comparação simples, é como derramar água numa esponja e tentar bebê-la usando um canudinho…

Onde há lucro, há resultados. Não precisou de muito tempo para desenvolvermos os mais diversos métodos de perfuração e extração do petróleo encontrado em terra firme. Por mais que ainda tenhamos grandes estoques nessas reservas, elas tem a péssima mania de ficarem justamente em regiões governadas por malucos de pedra. A tal da maldição do ouro negro. (Ou: Pobre com dinheiro.)

Sem contar que o petróleo acaba e não temos centenas de milhões de anos para esperar pela próxima “fornada”. Estava na hora de achar outra fonte.

LINDO MÁR

Com a evolução da tecnologia, começamos a descobrir reservatórios de petróleo no fundo do oceano. Não que fosse uma surpresa descobrir que lá também havia a substância, mas não dava para sair cavando e torcer para dar sorte…

A idéia ainda é a mesma: Cave um poço, chegue até o depósito, extraia o petróleo. Mas obviamente o fato desse depósito estar debaixo de MUITA água torna tudo incrivelmente mais complicado.

É importante lembrar (ou mesmo aprender, se você é usuário do Twitter) que quanto mais fundo se desce no oceano, maior a pressão exercida sobre você ou seus equipamentos. Água… pesa!

Para realizar a extração, é necessária uma plataforma marítima. E esses trecos estão entre as maiores estruturas móveis feitas pelo homem até hoje. Algumas são fixadas no leito oceânico, mas as mais legais (aquelas que derramam óleo) são mesmo as que flutuam. E se você estava se perguntando como diabos uma plataforma flutuante fica no lugar, a resposta é um complexo sistema de cabos amarrados no chão. (Ok, nem tão complexo assim, mas são uns cabos de responsa!)

Bem ProfundoCom a plataforma no lugar, basta afundar a broca e começar a cavar o poço! Mas, novamente, tentar fazer um buraco profundo com incontáveis toneladas de água criando uma pressão equivalente à de centenas de atmosferas terrestres pode se provar um tanto quanto mais desafiador do que o previsto.

Os tubos que buscam o petróleo podem chegar a quilômetros de extensão, água abaixo. E depois de chegar no leito, ainda tem que ultrapassar alguns quilômetros de pedra, sal e outras substâncias tão práticas quanto para finalmente chegar até o ouro negro. (Ou, afro-descendente, nesses tempos modernos…)

Um tubo desses tem que agüentar temperaturas baixíssimas, correntes marítimas e pressão enorme até chegar ao solo, e depois disso… temperaturas altíssimas e pressão ainda mais enorme para chegar até os reservatórios. Quais as chances de algo dar errado, não é mesmo?

Boom! Pow!

BROTANDO PETRÓLEO

A plataforma “Horizonte ÁguaFunda” (tradução fanfarrona) pertence à Transocean, empresa especializada na construção desses monstros flutuantes. Como é uma das plataformas flutuantes, pode ser levada de poço em poço de acordo com a necessidade do cliente.

Sim, essas plataformas são “alugadas” (na verdade é leasing). Não é lucrativo ter que se especializar em duas áreas tão desgraçadas como produção de plataformas oceânicas e exploração de petróleo. A BP estava no controle, não a Transocean.

Numa explicação simples: A Transocean está para a Boeing assim como a BP está para a TAM. Uma produz, a outra faz a cagada.

Pois bem, a plataforma estava utilizando um poço a 1,5 quilômetros de profundidade, mais ou menos a 50 quilômetros de distância da costa americana, quando alguns funcionários começaram a perceber instabilidade no poço. Isso mais ou menos um mês antes do incidente que causaria o vazamento. Depois de serem avisados por seus supervisores para largarem de ser viadinhos e continuarem a produção, bastaram semanas para que a merda realmente viesse à tona. E por merda eu quero dizer peido.

Wat?

O petróleo é uma receita bem específica, se cozinhar numa temperatura um pouco maior do que a ideal, ele acaba virando gás natural. E como a mãe natureza não é lá uma cozinheira muito atenciosa, quase sempre temos grandes concentrações de gás nos poços de petróleo. As empresas perfuradoras, que não são otárias, também exploram e vendem esse recurso natural altamente inflamável.

E foi o gás, o peido da Terra, que causou a explosão no poço. O metano (o gás natural) não foi contido por um problema nos equipamentos e subiu numa velocidade incrível pelo tubo. E alguém sabe dizer o que acontece com vazamentos enormes de gases altamente inflamáveis?

“Ah, larga de frescura, só vou fumar um cigarrinho!”

Depois da inevitável explosão, com dezenas de pessoas se juntando à matéria-prima do petróleo do futuro, a plataforma continuou pegando fogo por 36 horas apesar dos esforços das equipes de contenção. Imagine apagar uma fogueira de São João com um conta-gotas para ter noção da trolha enfrentada pelos bombeiros marítimos.

Também inevitável foi o afundamento da plataforma, o que por sua vez destruiu o tubo e deixou o poço arreganhado a uma profundidade de mil e quinhentos metros. A desgraça estava só começando.

A BP não é uma empresa amadora, pelo menos não na escolha de poços de petróleo. A produção continuou excelente, pena que o mercado escolhido para receber o produto tenha sido o sub-aquático. Nos dias seguintes uma quantidade COLOSSAL de petróleo vazou e começou a subir em direção à superfície.

Desesperada para resolver, a BP tentou várias técnicas avançadas para parar de desperdiçar dinheiro com o vazamento. Técnicas, é claro, que visavam capturar todo aquele doce, doce petróleo que continuava fluindo.

Infelizmente para o gigante petrolífero, o mundo já tinha voltado sua atenção para o caso. Não dava mais para ficar enrolando e fingindo que não sabiam o que fazer: Tiveram que construir um “blocão” de cimento e tacar em cima do buraco. Bacana que contrataram a Halliburton (a empresa amigona que faz tudo para o governo americano nas guerras do Oriente Médio) para resolver o problema de vez com o tal “blocão”. Talvez uma troca pela leniência com o vazamento até que a pressão popular se tornasse grande demais.

Agora tem até webcam 24hs provando que não está vazando mais nadinha dali. Preocupação total com o meio-ambiente!

Sim, existe a possibilidade de fechar o poço de vez, mas com bilhões de dólares em jogo, não podemos considerar essa bobagem, certo?

Boa, Pessoal!

PARA INGLÊS VER

Uma quantidade incrível de petróleo já pinta as praias americanas de preto. O vazamento no oceano pode ser visto do espaço (grandes merdas, hoje em dia eu vejo até a minha casa) e ocupa uma área de 6.500 quilômetros quadrados. E não estou nem falando sobre as bolhas gigantescas de petróleo viajando pelo oceano agora mesmo.

E para a turma do “natural faz bem”, uma dica: Petróleo está dentre as coisas mais “orgânicas” jamais criadas no planeta. É natureza pura. Mas além de ser cancerígeno e inflamável, tem um potencial de poluição com poucos rivais na Terra. O famoso vazamento do Exxon Valdéz, em 1989, só foi considerado satisfatoriamente limpo há alguns anos atrás.

A BP não decidiu se virar para limpar porque ama os pelicanos, é questão de vida ou morte empresarial ir até o limiar da falência para recuperar a sua própria imagem. Tem muita gente entrando no mercado e uma multinacional-estatal brasileira doidinha para pegar alguns contratos que possam vir a boiar depois dessa confusão.

Até por cagar e andar para o meio-ambiente, alguns desses métodos de limpeza são, na melhor das hipóteses, controversos: Mesmo usando bóias de contenção e sugando o excesso com grandes navios, ainda sobre uma quantidade de petróleo absurda solta no oceano.

Petróleo dispersa e “some” com o passar dos anos, sendo consumido por processos naturais. Mas ficar esperando não é bom para os negócios, por isso começaram a usar dispersantes artificiais, numa espécie de varrida para debaixo do tapete oceânica. O solvente da marca Corexit (associada com a BP, que bacana!) está sendo usado para quebrar o petróleo na superfície da água antes que ele chegue às costas ianques. O problema é que esse solvente tem o péssimo hábito de formar as tais bolhas de petróleo que ficam escondidas e é composto de substâncias levemente mais saudáveis que o Césio 137. Porém, totalmente biodegráveis, dizem os representantes do produto!

O petróleo também é biodegradável. Isso não quer dizer muita coisa, na verdade. Esses termos eco-publicitários são carregados de subjetividade.

Bom, o que importa é que agora é hora da BP e do governo americano fazerem pose para tentar limpar a forma preguiçosa como lidaram com o assunto antes de ser tarde demais.

A nossa sorte é que aqui no Brasil estamos longe de tudo isso, não?

Para dizer que não sabe se me chama de reaça ou de hippie, para dizer que se acontecer com a Petrobrás vai ser só uma marolinha, ou mesmo para concordar que o Rio de Janeiro merece todos os frutos da exploração do pré-sal: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Não entendo nada de petróleo. E como a grande maioria da população não sei exatamente como isso funciona. Mas fiquei curiosa em saber o que acontece com a terra numa escavação de petróleo. E pelo que li era o que eu imaginava. Uma grande ganância que move esses exploradores. Só tenho pena dos pelicanos!

  • Não esquecer que:

    Vendas de ações da BP em enorme quantidade dias e semanas de antes do vazamento

    Aquisição de empresa de limpeza de petróleo pela Halliburton dias antes da explosão

    Relatório cita BP em situação irregular com a adulteração de equipamentos de selagem poços de petróleo

    Parece que o pessoal não aprendeu nada com o 11 de Setembro

  • "Ai, que sono!…
    Tu sabe postar troço chato, né nerd?"

    Da próxima vez eu coloco um gif animado de um objeto brilhante pulando na tela para alcançar seus elevados padrões de interesse, ok?

    Ah, e as cortinas não servem para isso. Agradeceria se você parasse.

    Aquele abraço!

  • Jacinto Pinto Aquino Rego

    Somir, já trabalhei fazendo projetos para a Petrobrás.
    Cara, eles são muito pentelhos. E isso que eu corto meu ovo se a empresa que eu trabalhava não pagava um "por fora" pra nego de influência, estamos no Brasil, sejamos realistas.
    Os caras são bizonhamente exigentes, tem patamares MUITO rigorosos. No meu primeiro projeto com eles nem acreditei o nível de pentelhismo deles. Mas no ramo petroquímico isso realmente se explica. Acho muito pouco provável que algo como o que aconteceu com essa plataforma da BP aconteça com a Petrobras, nas investigações estão aparecendo trocentas cagadas em ANOS de operação dessa bosta de plataforma. E pelo que eu tive contato de petrobras, essas "cagadinhas" não passariam mas NENFODENDO.

    • Mano, acontece coisa muito parecida no ramo da aviação. Todos os requisitos de projeto, construção e certificação são extremamente rígidos. O que fode, geralmente, é a operação da bagaça.

  • Primeiro, não conseguir tirar as tropas do Iraque nem do Afeganistão, depois a Crise em Wall Street, seguido do parto para aprovar o Plano de Saúde…e, agora, o maior desastre natural da história…e nem chegou ao segundo ano de mandato.

    Talvez ele devesse se chamar BADLUCK Obama…

    Suellen

  • "A BP não deixou de tapar o poço por causa do lucro do petróleo jorrando. É que fechar um poço que explodiu (em blow out) é extremamente difícil, mesmo em terra, devido à pressão com que o petróleo e gás saem lá de dentro."

    Sim. É difícil.

    Mas as primeiras tentativas foram voltadas para a manutenção do poço e a redução dos danos financeiros com uma retomada de produção a curto prazo (assim que conseguissem estacionar outra plataforma ali).

    Quando a merda estancou e eles perceberam que disfarçar o vazamento de um Exxon Valdéz por dia seria impossível, veio o bloco de cimento certo.

    "Se esse band-aid estancar o sangramento na jugular do paciente, vamos economizar a conta do médico… Não custa tentar!"

  • Concordo que o Rio de Janeiro merece todos os frutos da exploração do pré-sal. :)

    E os pelicanos ficaram muito bem de preto. Elegantes.

  • A BP não deixou de tapar o poço por causa do lucro do petróleo jorrando. É que fechar um poço que explodiu (em blow out) é extremamente difícil, mesmo em terra, devido à pressão com que o petróleo e gás saem lá de dentro. Imagina a 1500m de profundidade. É tarefa complicada mesmo. O que eles vão fazer agora é cimentar esse poço pra fechá-lo definitivamente, já que a cabeça do poço está estragada, o que o torna inútil para produzir (mas não para poluir).
    Não… eles não vão deixar os bilhões de dólares em ouro negro definitivamente enterrados. O que eles vão fazer é afretar outra plataforma (desta vez uma que bóie), mover ela uns 500m distante do poço podre e meter outro furo até achar a rocha que contém o petróleo lá nas profundezas da terra (o chamado campo de petróleo). Daí vão dizer que vão esvaziar o campo para ter certeza que nunca mais vai vazar. Hehehe
    Abs

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