Dia: 19 de janeiro de 2011

Ainda sou eu que escolho as imagens... Ha!Este é um texto LEIGO. Não deve ser usado para diagnosticar ou tratar ninguém, apenas para avaliar se vale a pena agendar uma consulta com um médico especializado. Cerca de 20% da população mundial já sofreu algum episódio de depressão ao longo da vida e boa parte destas pessoas sofreram além do necessário pela falta de diagnóstico ou tratamento adequado. Não é demérito ter depressão. Não é escolha, não é fraqueza, não é frescura. É uma doença, como outra qualque. Como tal, precisa de tratamento adequado.

Como já discutimos nos comentários do Desfavor Explica sobre DDA, está na moda imputar a si mesmo alguma doença neurológica. Todo mundo acha que tem TOC, todo mundo se acha bipolar e todo mundo se diz deprimido. Um grande desfavor. Depressão não é tristeza. Todos nós passamos por momentos ou fases de tristeza na vida e isso em nada se confunde com o que é uma depressão de verdade. Não passe adiante este desfavor, não seja leviano de dizer que está deprimido quando na verdade está apenas triste. Depressão não é tristeza, depressão não é dor de cotovelo, depressão não é saudade. Depressão é depressão.

Porque tanta confusão de terminologia? Bem, em parte as pessoas gostam de exagerar e valorizar o que sentem e se dizem “deprimidas” para dar ênfase à tristeza que estão sentindo. A palavra tristeza virou pouca coisa, tristeza é para os fracos, os fortes ficam é deprimidos! Uma merda, as pessoas querem ser mais do que as outras até mesmo na hora de se foder. Medonho! Em parte, péssimos profissionais da área também tem culpa, pois transmitem informações equivocadas ou entopem pessoas de remédios sem necessidade. Lidar com a tristeza é necessário, mas hoje ninguém parece mais querer sofrer. Médicos empurram qualquer rivotril garganta abaixo de uma pessoa meramente angustiada e acham que de alguma forma estão ajudando. Lidar com a tristeza é essencial para a construção de um ser humano saudável.

Como diagnosticar uma pessoa deprimida? Bem, existem testes, existem algumas características, alguns padrões de comportamento listados, mas descrevê-los seria chover no molhado, pois isso o Dr. Google te diz com facilidade. O ser humanos não é matemática, existem inúmeras variáveis. É possível que apresente muitos desses sintomas típicos e não esteja deprimido ou ainda que apresente poucos sintomas e esteja em depressão. Qual é o pulo do gato? Desfavor recorre a um psiquiatra: “a tristeza da depressão é diferente, é especial. Não passa e vem acompanhada de uma perda de energia, de um desânimo”

Então, independente de outros sintomas, costuma haver um denominador comum: tristeza, desânimo e redução da energia. Vamos desenvolver. A pessoa deprimida costuma sentir um desinteresse, uma desesperança, sentimentos negativos que insistem em assolar a mente da pessoa, culpa, pensamentos de morte (sua ou de entes queridos), sensação de menos-valia e principalmente uma tristeza inexplicável. Não que ela não tenha causa, muitas vezes tem. O que é inexplicável é porque ela não vai embora, mesmo depois de semana, meses ou anos.

Não é qualquer tristeza. Ela é constante e dominante. A pessoa está triste a maior parte do seu dia, quase todos os dias. Quer dizer, tem muito mais momentos ruins do que bons. O que não quer dizer que os bons não existam, em alguns casos existem, o que leva a pessoa a crer que está melhorando sozinha e retardar a procura por ajuda. Muitas pessoas pensam “Se eu estivesse deprimido, não teria estes bons momentos, deve ser estresse mesmo” . Não. Não é normal passar a maior parte do seu tempo em um estado de desânimo e tristeza. Não é preciso que você esteja 100% do seu tempo emburacado para que seja necessário recorrer a ajuda. Infelizmente as pessoas vão se acostumando a viver assim e tendem a achar que isso é, de alguma forma, normal, o que as faz demorar para pedir ajuda, perdendo muito de sua qualidade de vida por longo período.

Inclusive em alguns casos a doença muda de nome e implica justamente nisso: fases de depressão alternadas com fases de excitação, o famoso transtorno bipolar ou PMD – Psicose Maníaco Depressiva, que também vem sendo muito imputado a pessoas perfeitamente normais. Na fase maníaca a pessoa está a mil, se sente incrível (o estado de excitação física é tamanho que a pessoa dificilmente adoece). Na fase depressiva vai do céu ao inferno e se emburaca. Acredite, dificilmente você vai dizer rindo que é bipolar se você realmente for. Mas isso é assunto para outro Desfavor Explica.

Não tem como mascarar, quando é depressão, é doença. Ou seja, independe da vontade (ou da força de vontade) da pessoa. Nesses casos, ficar “incentivando” a pessoa a retomar suas atividades e reagir é um comportamento sádico e não de ajuda muito. Pelo contrário, faz a pessoa se sentir mais merda e fracassada. É o mesmo que dizer a um paraplégico “Faz uma forcinha, vai! Sai dessa cadeira de rodas! Levanta e anda, tenho certeza que se você se esforçar vai conseguir, é tudo questão de querer!”. Não, não é. É uma DOENÇA que independe da vontade da pessoa. Esta pessoa precisa de medicamento e tratamento e não de cobrança. Se você quer ajudar, leve a pessoa a um médico. Porque sim, é um desequilíbrio bioquímico, não é culpa ou escolha da pessoa. Dependendo do grau da depressão, é impossível obter uma melhora sem o remédio e negar tratamento à pessoa pode culminar no seu suicídio.

“Mas Sally, minha filha ficou deprimida porque o namorado dela deu um fora nela, não tem nada de bioquímico nisso, ela que é otária mesmo!”. NÃO. Não confunda fator desencadeante com a depressão em si. Um fator externo psicológico que aos olhos de muitos pode ser uma besteira pode DESENCADEAR um processo depressivo. Mas uma vez que se instaura o desequilíbrio bioquímico, a coisa sai da esfera do “psicológico” (ou como se queira chamar) e passa a ser uma questão médica. É preciso reequilibrar algumas substâncias no cérebro da pessoa. Vamos comparar com gastrite nervosa. A pessoa fica tensa, fica estressada até que começa a ter uma gastrite. O fato que gerou essa gastrite foi sua tensão, mas agora que ela existe, ela está ali, independente de qualquer estado psicológico. E precisa ser tratada. Depressão é uma doença, uma doença real. Não é frescura, não é forma de chamar a atenção e não é má vontade. Merece o mesmo respeito que qualquer outra doença.

Vamos falar da tristeza que uma pessoa deprimida sente. Inicialmente, pode até ser uma tristeza justificável, como a perda de um ente querido um um grande trauma. Mas com a depressão, esta tristeza que deveria passar, se instaura e fica. Lembro de uma frase que um famoso médico me disse quando tive um tumor. Estava na cama do hospital com muita dor, muito chateada. Ele me disse (*momento Kodac) que eu tinha razão em ficar chateada porque o que tinha acontecido comigo era mesmo horrível mas completou dizendo o seguinte: “O vale da tristeza é para ser cruzado, não para montar acampamento”. É podrinho, eu sei, mas define bem a diferença entre uma pessoa triste e uma pessoa deprimida. Os deprimidos montam acampamento no vale da tristeza, os tristes apenas o cruzam. Joguem pedras, estou sentimental sem o Somir.

“Mas Sally, eventos estressantes todos nós passamos na vida! A tia da prima da cunhada de um amigo meu perdeu a família em um acidente e não ficou deprimida! Minha filha é que é uma fraca mesmo!”. NÃO. Existem mil fatores que combinados podem desencadear a depressão, inclusive a forma como VOCÊ criou sua filha. Algumas pessoas que tem uma propensão genética à depressão. Existem uma série de fatores genéticos e até mesmo ligados à história de vida da pessoa que se combinam de forma a desencadear uma depressão. Não se trata de ser forte ou fraco nem da vontade de ninguém. Genética não é tudo, mas influi. Estudos comprovam que gêmeos idênticos ficam mais deprimidos do que gêmeos não idênticos. É mais um fator a se levar em conta para ser somado a tantos outros. Fique atento à sua família, a hereditariedade é um fator de risco.

O fator genético é o mais badalado. Ele tornaria pessoas propensas a depressão, num resumo muito do sem vergonha por causa do meu limite de quatro páginas, consistiria na alteração dos níveis de alguns neurotransmissores (os mais populares são serotonina, acetilcolina, dopamina, epinefrina e norepinefrina). Também pode ter relação com algumas alterações hormonais ou até mesmo estar relacionada com um tipo de “atrofia” em uma região do cérebro chamada lobo pré-frontal.

Mas também existem outros fatores que se combinam ou não com a genética, como o chamado fator Psico-social como a perda de um ente querido, experiências traumáticas como catástrofes, problemas de relacionamento e até mesmo o grau de amparo e suporte da família quando um destes fatores se apresenta. Podem existir fatores físicos, os chamados Traumatismos, que vão desde uma pancada na cabeça até qualquer outra agressão ao organismo que seja traumática o bastante para desencadear depressão, como por exemplo, uma quimioterapia. Até mesmo alguns medicamentos tem o poder de desencadear depressão. Os mais famosinhos são betabloqueadores, corticosteróides, anti-histamínicos, analgésicos e antiparkinsonianos. Mas existem outros. Mais: as vezes a pessoa toma medicamentos a longo prazo e tira onda de que não ficou deprimida mas é na hora da supressão destes medicamentos que a depressão bate! Existem as causas mais improváveis, até mesmo o tempo pode ser responsável por deprimir uma pessoa, é a chamada “depressão sazonal”, constatada em países onde há diminuição de luminosidade em alguns períodos do ano (inverno e outono). Até parto pode desencadear depressão – em homens! Sério mesmo. Existe depressão pós parto masculina. O ser humano é fascinante.

Tal qual roupas, a depressão também tem medidas. Tal qual roupas, normalmente ela tem três classificações: P, M e G. Lógico que não é este o termo técnico, mas minha intenção aqui é ser didática, e não técnica.

A Depressão P, que é a menorzinha, também é chamada de “leve”, tem sintomas mais discretos. A pessoa se sente incomodada, mais cansada e até mesmo triste, mas continua tocando sua vida. Inclusive, acaba se acostumando a viver assim. A pessoa até vai trabalhar, mas vai com menos energia e vontade do que antes. Rende menos., se sente exausta sem razão aparente. Mas atenção, seu Zé Ruela, se você dormiu mal é normal que esteja com menos energia, não vá se apressando e se classificando como deprimido! Quando falamos em “menos energia” é um “menos energia” sem uma causa externa que justifique! A pessoa com Depressão P ou leve consegue manter seus relacionamentos, porém não parece ser a mesma pessoa que era antes. Há sentimentos ruins sempre rondando, como a falta de esperança, inadequação, perda gradual de prazer em atividades que antes eram prazerosas. Podem ocorrer alterações no apetite e no sono (ou 8 ou 80, come pouco ou come muito, dorme pouco ou dorme muito). Em alguns casos (mais comum em crianças) essa tristeza pode ser substituída por um grau de impaciência e irritabilidade exacerbados. Como não é incapacitante, a pessoa dificilmente procura ajuda. Quem costuma perceber este tipo de depressão são amigos próximos, namorados e familiares, que conhecem a pessoa bem e sabem que este não é o seu normal.

A Depressão M, chamada tecnicamente de “Moderada” a concentração e capacidade de trabalho começa a ficar comprometida. A pessoa já não rende o que deveria e não consegue disfarçar. Não tem energia para trabalhar nem mesmo vontade ou prazer. Também há uma indisponibilidade para manter seus relacionamentos afetivos. Não há mais interesse/paciência para amigos e a pessoa prefere ficar em casa do que sair e ver gente. As alterações de sono e apetite se intensificam. Geralmente o maior indicativo são as relações afetivas. É mais fácil “diagnosticar “a P e a G, aquilo que ficar no meio termo é a M.

A Depressão G, chamada tecnicamente de “Grave” é incapacitante. A pessoa não só não consegue mais trabalhar, como também não consegue desempenhar atividades corriqueiras de seu dia a dia. A pessoa não quer sair de casa. Muitas vezes o desleixo consigo mesma é tamanho que abandona até hábitos básicos de higiene. Evita contato, até mesmo por telefone. Existe risco de suicídio, se a pessoa tiver forças para isso, porque muitas vezes nem para se matar ela consegue sair da cama. É preciso cautela no tratamento da Depressão G, pois muitas vezes se você der um remédio a um paciente que está inerte na cama, ele aproveita esse rompante de energia e o usa para se matar em vez de usar para tomar um banho.

“Mas Sally, eu acho que isso é frescura moderna e falta de um tanque cheio de roupa suja para lavar. Minha avó trabalhava feito um camelo e não tinha depressão nem ninguém naquela época tinha depressão”. Tinham sim, só não tinham o DIAGNÓSTICO. Na época da sua avó a ciência era atrasada, mulheres morriam de câncer de mama, de parto e até de indigestão! DISSO ninguém lembra, né? Diagnóstico é algo que só um MÉDICO pode te dar. Desfavor, Google, um colega, um amigo, sua mãe… são todos curiosos. Está na dúvida? Procure um médico. Aliás, procure MAIS DE UM médico, e de preferência recomendado por pelo menos três pessoas, porque vou te contar, o que tem de médico socando remédio em pessoas que apenas estão tristes… Um horror. É um tal de justificar tudo com “estresse” e sair medicando a pessoa. Não posso com isso!

Aliás, muito se engana quem pensa que um comprimido resolve a vida de um deprimido. É necessário ma maior parte dos casos (até porque, quando as pessoas se mexem, para procurar um médico é porque a coisa está séria), mas também é indispensável um acompanhamento para cuidar do lado psicológico do paciente. E este é um processo demorado, e por demorado, estamos falando de ANOS, ok? A pessoa deprimida costuma ter uma imagem alterada dela mesma (para pior) e costuma ver o mundo com um filtro pessimista, sem conseguir usufruir das coisas boas ou se alegrar com elas. É preciso mudar esse padrão de funcionamento, recuperar a auto-estima e se fortalecer para que na eventualidade de outro fator desencadeante se apresentar, a pessoa não caia mais uma vez em depressão. Não adianta tirar uma criança que está se afogando da piscina e não ensiná-la a nadar e sair sozinha, se ela vai passar o resto da vida correndo em volta da piscina. Fatalmente, um dia ela pode cair novamente.

Um conselho de uma leiga: não importa o que esteja acontecendo com a sua vida, tristeza, desânimo e falta de energia prolongados não são coisas normais e não se justificam. Você não precisa viver assim. Existem pessoas que podem te ajudar. Não se limite a explicar e se justificar seu estado com eventos de sua vida quando o mal estar é duradouro. Se não está passando, é hora de procurar um médico. Que mal pode fazer? Na pior (ou seria melhor?) das hipóteses ele dirá que você não está deprimido. Ótimo! Não se acomode, as pessoas se acomodam nesta situação e aprendem a funcionar assim, com tristeza e falta de energia diários, com desinteresse, desânimo. Não espere que isso se torne incapacitante, pois perder qualidade de vida é perder muito. Se é possível viver melhor, porque não? Admitindo ou não, diagnosticando ou não, o problema vai continuar ali.

Eu queria explicar as alterações que a depressão provoca no cérebro e como atuam os medicamentos, como convencer um deprimido a procurar ajuda, tratamentos alternativos e outras coisas, mas considerando que estou na sexta página, devo parar por aqui.

Para dizer que duvida que eu realmente esteja escrevendo todos esses textos todo santo dia e me acusar de ter ghostwriter, para fazer algum trocadilho loser com o tema e o blog ou ainda para dizer que prefere comentar na postagem de segunda pois o assunto é mais interessante: sally@desfavor.com