Dia: 1 de março de 2011

Usei essa foto de novo! Estou morrendo de orgulho!Morte é o término da vida de um organismo. Porque temos que morrer? Acredita-se que quando a mãe natureza estipula prazo de validade para suas criaturas, o faz pensando na evolução, é a morte que nos permite evoluir. O ramo da ciência que estuda a morte se chama Tanatologia. Existe até um ramo da psicologia dedicado ao tema, a Psicologia da Morte (recomendo a leitura de Ernest Becker). Morte é que nem chifre: a gente sabe que uma hora ou outra vai acontecer com a gente mas prefere viver sem pensar no assunto se não a gente vai viver angustiado.

Quando exatamente se morre? Quando é que um ser humanos pode ser considerado como morto? Essa pergunta já teve diferentes respostas ao longo dos tempos. Por exemplo, já houve um tempo onde se considerava morta uma pessoa com parada cardíaca, pois se acreditava que no coração estava o centro de todas nossas emoções, tudo aquilo que nos tornava humanos. Coração parou de bater? A pessoa está morta! Mas, como a evolução da medicina e da ciência, percebeu-se que não era bem assim e os limites para a morte mudaram. Hoje é possível reanimar pessoas com parada cardíaca e respiratória. Hoje é possível que uma pessoa seja mantida viva SEM CORAÇÃO, ligada a máquinas que desempenham sua função enquanto aguarda um transplante. Um novo critério teve que ser adotado.

Menos mal, porque o critério anterior era tão falho que no século XIX existia, além dos hospitais para vivos, “hospitais para mortos”, onde os corpos eram deixados aguardando os primeiros sinais de putrefação para só depois se realizar o enterro. E pelo visto não adiantou, porque no começo do século XX chegou a ser desenvolvido um alarme para ser instalado dentro de caixões, para que o morto pudesse avisar que estava vivo, de tanto que isso acontecia. Uma porcentagem assustadora dos caixões abertos tinha arranhões e marcas que indicavam que o morto tinha “acordado” e tentado sair dali por dias. Graças a esse tipo de incidente desagradável, vem sendo criados, ao longo dos séculos, mecanismos para tentar impedir que enterremos pessoas vivas: prazos para realização de necrópsia, prazos para realização de sepultamentos e uma revisão nos critérios que determinam a morte de alguém. (cremação rules, menos se você tiver implantes de silicone, pois eles explodem violentamente se o corpo for cremado)

Hoje, a única função vital que ainda não pode ser substituída ou mantida por meios artificiais, sendo assim “irrecuperável”, é a atividade neurológica. Por isso, ela foi o critério adotado para classificar uma pessoa como oficialmente morta. Uma vez que cessa a atividade neurológica, não há mais esperanças. Mesmo chegando ao consenso de que o critério neurológico é o mais correto, ainda existem algumas controvérsias e falhas. Vez por outra um paciente declarado morto “volta”. Ocorre que a vida humana não é matemática. Existe uma zona cinzenta que algumas vezes pode enganar até mesmo os médicos. Estágios intermediários entre o coma e a morte, os chamados “estados fronteiriços” como os “comas ultrapassados” ou a “morte aparente” podem gerar equívocos. É por essas e outras que eu quero ser cremada, não quero o risco de acordar viva no caixão.

Todo médico se borra de medo que um paciente seu declarado morto “acorde”. Uma série de procedimentos são necessários para declarar uma pessoa morta, todos eles descritos na Resolução nº 1480 do Conselho Federal de Medicina. Estes exames devem ser feitos por mais de uma vez, em determinados intervalos de tempo que variam conforme a idade do paciente.

Legalmente, no Brasil, uma pessoa é considerada morta quando ocorre a morte encefálica total, ou seja, quando todo o cérebro, incluindo o tronco cerebral, perde irreversivelmente todas as suas funções. A morte encefálica se constata quando não há mais impulsos elétricos sendo enviados, ou seja, não há mais “atividade encefálica”. No momento em que os médicos constatam a ausência de atividade cerebral a pessoa é considerada morta e seus órgãos podem ser retirados para doação.

Percebam que TODOS morremos através da morte encefálica, pois mesmo que se “morra” em função de uma parada cardíaca, só se estará morto MESMO quando o cérebro apagar. O cérebro é o último que apaga a luz da casa antes de todo mundo ir dormir. Mesmo com um coração sem bater, mesmo com a pessoa afogada cheia de água nos pulmões, ele pode sobreviver um pouquinho mais. Mas calma, ele sobrevive porém ele te “apaga” se o sofrimento for muito intenso, não quer dizer que necessariamente você tenha que vivenciar o sofrimento só porque ele ainda não desligou.

“Mas Sally, como é então que tem gente com morte cerebral que fica meses em uma cama de hospital?”. Se o cérebro estiver morto, a pessoa não pode desempenhar nenhuma das funções vitais. Se a pessoa tem morte cerebral ela só pode ser mantida viva se máquinas desempenharem atividades vitais essenciais. Cuidado para não confundir morte cerebral com coma. Geralmente as pessoas que ainda são mantidas vivas por aparelhos estão em COMA, ou seja, seus cérebros não apagaram de vez.

Como saber quando uma pessoa está morta ou está apenas em coma? Bem, a regra geral diz que o cérebro de uma pessoa em coma emite impulsos elétricos, enquanto que um cérebro morto não emite. Além disso, pacientes em coma reagem a sinais externos, em maior ou menor grau, enquanto que pacientes com morte cerebral não esboçam qualquer reação. Por isso em todo seriado médico a primeira coisa que vemos é socarem uma luz nos olhos da pessoa e avaliar seu estado conforme a reação. A luz ativa o nervo ótico, que por sua vez envia uma mensagem ao cérebro. Se o cérebro estiver normal, mandará de volta um impulso ao olho para constringir a pupila. No cérebro morto, não será gerado nenhum impulso.

Aliás, os olhos são de grande valia na hora de tentar descobrir se uma pessoa está morta. Outro recurso é observar o reflexo oculocefálico: os olhos do paciente são abertos e a cabeça virada de um lado para o outro. O cérebro ativo permitirá um movimento dos olhos; no cérebro morto, os olhos ficam fixos. Também pode ser avaliado o reflexo córneo. Um cotonete de algodão é arrastado pela córnea (*agonia) enquanto o olho é segurado aberto. O cérebro funcional mandará o olho piscar. Este e outros testes físicos podem ser realizados de forma complementar para atestar ou confirmar a morte de alguém. Mas atenção, não teste isso em casa! Vovó está muito quieta? Nada de esfregar com cotonete em suas córneas!

Como se detecta a morte cerebral? Os exames mais comuns são o eletroencefalograma (EEG) e o estudo do fluxo sangüíneo cerebral. O EEG mede a “voltagem” (impulsos elétricos) do cérebro em microvolts e é utilizado para apurar se o cérebro está emitindo estes impulsos elétricos. A regra é: se há impulsos elétricos a pessoa está tecnicamente viva. Ele é tão sensível que até mesmo a eletricidade estática nas roupas de uma pessoa pode influenciar no resultado do EEG. Todas as respostas positivas sugerem função cerebral.

Já o estudo do fluxo sangüíneo cerebral é feito através da injeção de uma substância radioativa na corrente sangüínea para depois aferir o quanto ela se espalhou pelo cérebro através de um contador de radioatividade sobre a cabeça Se o exame não detectar fluxo sangüíneo no cérebro, ele está morto. Um estudo de fluxo cerebral negativo é uma evidência incontestável de morte cerebral. Não existe “princípio de morte cerebral” ou “morte cerebral parcial”. Ou está morto, ou está vivo. É como estar grávida: É “sim” ou “não”.

Além deste exame, também podem ser realizados exames complementares (como por exemplo o exame químico através de injeção de atropina) e exames físicos (lembra do cotonete na córnea e cia?). Sem o cérebro não reagimos ao mundo externo, por isso o paciente recebe estímulos luminosos, sonoros e até mesmo estímulos de dor. Um cérebro em coma, por mais profundo que seja, esboçará algum grau de reação. Daí vai neguinho e fica espetando mão e pé de paciente e a pessoa acorda numa vibe meio Kill Bill já sentando o cacete em todo mundo no hospital e não sabem porque…

Mas, nada na vida é tão simples. Uma série de fatores podem reduzir nossa resposta neurológica a ponto de dar uma falsa impressão de morte cerebral (desde o uso de algumas substâncias até mesmo a alteração da temperatura corporal). O inverso também pode acontecer: pacientes com morte cerebral podem apresentar reflexos como movimentos ao serem tocados nas mãos e nos pés graças aos chamados “reflexos medulares”. É preciso muito cuidado ao declarar a morte de alguém. Em resumo: nunca poderemos ter 100% de certeza. Pode dar merda. As chances são pequenas mas pode dar merda.

Estudos indicam que apenas uma em cada 200 mortes em leito hospitalar são por morte cerebral, o que explica as longas filas de espera por transplante de órgãos, que só podem ser retirados dos pacientes quando se constate a morte cerebral e se atenda a uma série de requisitos (Lei 9434/97). Dos pacientes com morte cerebral, cerca de metade são considerados não aptos a doar seus órgãos em função de problemas médicos como câncer ou infecções que comprometem seus órgãos. Dos pacientes com morte cerebral e órgãos aceitáveis, metade são excluídos porque os familiares se recusam a consentir a doação. Porque o doador decide em vida se quer doar mas, mesmo com seu consentimento, se a família quiser, pode impedir. ABSURDO! (observação rápida: eu acho que quem NÃO É DOADOR deveria ficar no final da fila na hora de RECEBER uma doação, e só receber quando todos os doadores tivessem recebido!)

Como salvar o cérebro? A causa mais comum de morte não-violenta são os problemas cardíacos. O cérebro, via de regra, pode sobreviver até SEIS MINUTOS sem seqüelas após uma parada cardíaca, por isso, é indispensável que se faça RCP (ressuscitação cardio-pulmonar) assim que a parada ocorrer (não dá para ensinar em poucas linhas, será tema de outro Desfavor Explica um dia desses). Outra causa comum de lesão cerebral é o Acidente Vascular Cerebral, o AVC (popularmente conhecido como “derrame”): se você constatar que alguém está sentindo fraqueza ou dormência súbita em um lado do corpo (peça para a pessoa sorrir, ela sorrirá involuntariamente de um lado só), dificuldade para falar, entender ou enxergar, tontura repentina e dor de cabeça muito forte sem motivo aparente, VOE para o hospital, porque minutos fazem a diferença entre a vida e a morte.

Qual é o pior tipo de morte? Bem difícil responder a esta pergunta, já que os que tem conhecimento de causa não costumam voltar para contar. Foi realizado um estudo onde se avaliou hipoteticamente as reações que o organismo sofreria, estimando-se o tempo da morte e as sensações que ela causaria e se concluiu que o pior tipo de morte deve ser por congelamento. Um dado interessante (que não tenho a menor idéia de como foi obtido) é que a maioria das pessoas que morre fica inconsciente antes de efetivamente morrer. Por exemplo, um avião que começa a despencar ou um suicida que se joga janela abaixo: é bem provável que eles apaguem antes de efetivamente tocar o solo. E isso vale para todos o tipos de morte. É um mecanismo de proteção do organismo que dispara em situações extremas.

Ok, a pessoa morreu. Fisicamente, o que acontece depois? As bactérias que já existiam dentro dela, majoritariamente no intestino, começam a comer as próprias celular do organismo, que estão entrando em decomposição. No terceiro dia, as bactérias podem liberar gás suficiente para inchar o corpo a ponto de fazer com que os olhos saltem das órbitas. Muitas vezes esse gás causa verdadeiras explosões dentro dos caixões, o que pode dar um baita susto em quem está em um cemitério na parte da noite. Pior: algumas vezes além da explosão aparece um brilho, uma chama: o fogo fátuo. As bactérias que metabolizam a matéria orgânica produzem gases que entram em combustão espontânea em contato com o ar. Ocorre uma pequena explosão e a chama azulada vem acompanhada de um estrondo. Dá para imaginar o número de lendas e histórias que devem ter surgido graças a esse fenômeno, né? Tem vídeos no Youtube para quem quiser ver.

Inicialmente o morto fica molinho, pois há relaxamento muscular, mas algumas horas após a morte (aproximadamente 12h) já podemos observar a chamada rigidez cadavérica. O morto endurece ao ponto de muitas vezes ser necessário fraturar seus ossos para colocá-lo na posição horizontal.

É possível prever a morte? Aparentemente, seres humanos não podem prever, mas ao que tudo indica, alguns animais teriam esse poder. Existem diversas histórias documentadas de animais que, de alguma forma, fizeram a “previsão” da morte de pacientes em um número tão significativo que fica descartada qualquer chance de coincidência. Só para ilustrar, cito um caso publicado no New England Journal of Medicine de um gato chamado Oscar, adotado por uma casa de saúde, que sentava no leito dos pacientes poucas horas antes de sua morte. Acertou mais de 25 casos. Quando começaram a perceber o que a presença de Oscar significava, muitos familiares o colocavam para fora do quarto e o gato permanecia na porta, miando, até o paciente morrer. Depois que ele morria, Oscar ia embora.

Funcionários contam como Oscar atua: todos os dias ele passeia pela casa de saúde, mas eventualmente algo atrai sua atenção em um quarto. Ele para, cheira, cheira e entra. Senta ao lado do paciente e este invariavelmente morre em poucas horas. Graças a este comportamento, acredita-se que exista uma espécie de “cheiro da morte” que alguns animais poderiam sentir. O processo da morte deve liberar alguma substância detectada pelo nariz de Oscar. Animais sentem cheiro de tumores e de câncer, não descarto que sintam cheiro de morte também.

Como o ser humano vem lidando com a morte através dos anos e culturas? Putz… essa resposta poderia gerar uma postagem autônoma! Alguns antropólogos afirmam que o costume do velório surgiu em função da incerteza da morte da pessoa. Quando não havia recursos médicos, frequentemente pessoas vivas eram dadas como mortas, por isso o hábito de velar o corpo para ter certeza de que a pessoa não iria acordar. Às vezes o corpo era velado por dias. Normalmente era colocado em um sofá ou em uma mesa da casa da pessoa e se fazia uma espécie de reunião chamando amigos, onde era servida comida e todos comiam ali, do lado do morto (ou suposto morto). Neguinho tirava fotinho com o corpo do morto, sentadinho no sofá como se nada. Uns mais sem noção até abriam o olho do morto para a hora da foto! O hábito que inicialmente surgiu para confirmar a morte, acabou virando um ritual de despedida. Eu odeio ir a velórios, mas os psicólogos insistem que ir ao velório é um ritual que auxilia no processo de luto.

Nós ocidentais lidamos muito mal com a morte. Somos apegados demais a tudo, em um misto de egoísmo e imaturidade. Filosofias orientais pregam o desapego e ensinam desde cedo sobre a “impermanêcia”, ou seja, tudo muda e é ok que tudo mude mesmo. Tudo é transitório e temos que aceitar esta verdade e aprender a ser feliz com ela. A morte não é vista necessariamente como uma coisa ruim ou fonte de sofrimento. Ruim pra porra mudar nosso pensamento depois de burro velho, pelo menos na minha cabeça, parece impossível. Mas vale uma leitura. Busquem conhecimento, já dizia Bilu. Simpatizo demais com o budismo, apesar de me sentir uma criança mimada quando leio a respeito. Sério, me sinto uma merda involuída.

Curiosidades inúteis sobre a morte: normalmente o último sentido que se apaga quando morremos é a audição. O primeiro que se vai é a visão. Homens mortos ejaculam, muitas vezes até mesmo horas depois de morrer, em função do relaxamento muscular profundo. Acreditem ou não, mas vem se constatando que hoje seres humanos demoram mais tempo para entrar em decomposição depois que morrem em função da grande quantidade de conservantes que comemos no nosso dia a dia.

Não posso deixar de recomendar um livrinho mórbido e de fácil leitura: “O Prêmio Darwin, a evolução em ação” (Wendy Northcutt), que conta as formas mais estúpidas de mortes já documentadas. Tem até uma envolvendo nosso mascote do coração, Tillikum. Pelo que me lembro, só existe uma que faz menção ao Brasil, onde um brilhante assaltante jogou o pino e ficou com a granada na mão em uma perseguição policial. Vale a leitura.

Sexta página. Paro por aqui ou o Somir me mata.

Para dizer que você é sádico de carteirinha e quer duas semana mórbidas, para dizer que prefere esse papo depressivo de morte do que a vibe oba-oba de carnaval ou ainda para dizer que vê gente morta: sally@desfavor.com