Dia: 5 de março de 2011

A melhor parte do Carnaval.Já foi desfavor da semana ano passado, é neste e será nos próximos.

SOMIR

Começou a temporada de caça ao respeito-próprio. Numa previsão otimista, milhões serão abatidos em bebedeiras, promiscuidade e comportamento animalesco em geral. No fim, latinhas amassadas, camisinhas usadas, pilhas de excremento e várias penas espalhadas pelo chão marcarão mais uma bem sucedida redução da população pensante nacional.

Não quero parecer eco-chato, mas pessoas que não se entregam a baixaria hipócrita do carnaval são uma espécie em extinção. E olha que meu problema nem é exatamente a parte da baixaria… Se a pessoa quer beber, trepar e vomitar pelos cantos como numa típica orgia romana, tem todo o direito. O corpo é dela, não meu. Buscar o prazer me parece uma coisa óbvia.

Mas as coisas ficam complicadas quando se considera o condicionamento irracional ao qual tanta gente se submeteu: “É carnaval? Então eu tenho “obrigação cívica” de me esbaldar em todos os prazeres típicos da data.” Parece que não estão buscando apenas gratificação, estão buscando conformidade. E é esse o tipo de gente que eu desprezo, profundamente.

E é essa merda de condicionamento que mantém o Brasil um país tão reprimido e hipócrita. O Carnaval moderno é uma invenção religiosa, feita para premiar o povo que aguentava o jejum da Quaresma. A Igreja Católica só ficou burra recentemente, eles sabiam como segurar o povo no lugar usando a culpa como poucos na história. O período de liberdade para putarias e bebedeiras caía como uma luva na proposta de chantagear o povo pelos pecados que eles mesmo inventaram.

Como em todo relacionamento, o segredo é não prender demais e não soltar demais. Se a Igreja pressionasse demais pelo cumprimento de suas regras absurdas, seria alvo de revolta. Se deixasse o povo livre demais para tomar suas próprias decisões, perderia poder e dinheiro.

E qual a jogada de gênio? Liberar tudo alguns dias por ano, fazendo as pessoas esperarem por essa data e se manterem relativamente na linha (sentindo-se culpadas por qualquer merda) no resto do tempo.

Hoje em dia a Igreja Católica ainda tem sua força por aqui, mas não é uma fração do poder inquestionável que já foi. Não pode ser a pressão de meia dúzia de velhos virgens (cu não conta para católico) que ainda faz este país agir dessa forma primitiva e ignorante. A questão é que nosso povo está adestrado. Muito bem adestrado.

O manipulador vive na mente do manipulado. O brasileiro segue a tradição histórica do carnaval à risca, e ainda pressiona quem não participa da festa. Um dos melhores jeitos de passar uma ferramenta de controle para frente é fazer um dos controlados se sentir fortalecido por ela. Donos de escravos costumavam dar um pouco de poder como capataz para os que se diferenciavam do grupo, seja por rebeldia ou por bom comportamento. Isso ferrava a ordem de opressor e oprimido, facilitando a vida de quem queria mantê-los na linha.

O escravo-capataz brasileiro é o cidadão médio que não faz as baixarias que faz no carnaval no resto do ano. É o babaca que se rebela contra um beijo gay numa novela, mas fica bêbado de não ligar para o sexo da “coisa peituda” que agarrou num beco escuro durante a folia.

Não existe explicação lógica para fazer uma coisa meia semana por ano e reprová-la nas outras do ano. Se você acha nojento enfiar a língua na boca de uma mulher que acabou de chupar o pinto de um cara que nem se deu ao trabalho de balançar depois de mijar, por que não acha mais no carnaval?

A pessoa não fica imune aos riscos do comportamento inconsequente, e pode muito bem se foder por causa do abuso de bebida, burrice e sexo. Sempre morrem vários nas estradas, sempre aumenta o número de portadores de DST’s. Os possíveis resultados negativos ainda estão ali. Será que a pessoa acredita em proteção divina?

“Meu filho, eu passo o ano todo te mandando parar com essas coisas, mas como é Carnaval, pode cair de boca na buceta dessa mulher que você pegou semi-desmaiada na rua há meia hora enquanto dirige bêbado sem medo. Vou te proteger…”

“Obrigado, Deus!”

E não me entendam mal, se o cidadão faz essas coisas porque quer, porque gosta, problema dele. Não quero viver numa sociedade castradora. E é justamente por isso que o Carnaval me incomoda.

Voltando à base religiosa/ferramenta de controle da festa, contava-se justamente com o medo das pessoas de assumirem seus desejos para forçá-las a jogar pedras em quem não se adaptava à conformidade. Se elas demonstrassem naturalidade com escolhas diferentes alheias, poderiam ser taxadas como simpatizantes. E povinho SE CAGA de medo de ser excluído da “normalidade”. Se o cidadão não fizesse o que condena pelo menos uma vez por ano, esse mecanismo de defesa que é a hipocrisia não funcionaria tão bem.

Esse papo que o Brasil é um país bem receptivo e bem resolvido é balela. Somos uma nação machista, reprimida e ignorante. O tempo pode resolver isso, mas enquanto o Carnaval existir para manter a mão pesada dos “sinhozinhos” sobre nossa capacidade de evolução social, vai ser um processo estupidamente lento.

É como um vício em drogas: Cada carnaval é uma dose, cada resto de ano é uma crise de abstinência. E como drogas funcionam tornando os momentos de abstinência cada vez mais miseráveis (você não vicia exatamente na sensação da droga, você abomina o momento que não está usando), o país vai ficando cada vez mais babaca com o passar do tempo. Ei, não tivemos uma discussão RIDÍCULA sobre o aborto nas últimas eleições?

Se você tira o Carnaval para fazer o que gosta e se segura o resto do ano, você está sendo controlado. Se você faz o que os outros gostam no Carnaval apenas para não sentir isolado, você também está sendo controlado. Chega dessa festa cretina, chega dessa hipocrisia que só nos atrasa social e intelectualmente.

Enfia o Carnaval no cu! (Porque assim continua virgem… Amém!)

Para dizer que eu não sei me divertir, para dizer que eu devo ter é ENVEJA de quem aproveita a vida, ou mesmo para dizer qualquer outra merda que me fará ter certeza que sua função no mundo é puxar carroças: somir@desfavor.com

SALLY

Chegou mais uma vez esta época nojenta do ano onde as pessoas acham que podem esquecer impunemente códigos de conduta, ética, moral e até mesmo as leis. É época de inversão de valores, de baixaria e de abuso de substâncias que entorpecem o organismo. Sorriam, é carnaval. Foi desfavor da Semana no ano passado, será neste e pelo visto será nos muitos anos que virão.

Tudo aquilo que normalmente seria condenado o resto do ano é permitido, porque afinal, “é carnaval”. Até mesmo os ditos adeptos de religião perdem a linha, mas Deus deve entender, afinal, “é carnaval”. As amarras da fidelidade ficam mais frouxas, o respeito à lei fica mais brando e o bom senso e o bom gosto são arquivados até o primeiro dia útil subseqüente.

Sabe o que mais me aborrece? Se as pessoas ao menos ADMITISSEM tudo isto, não seria tão grave. Tipo, “sou um hipócrita de merda porque prego tais e tais coisas, aponto o dedo na cara dos outros para criticar tais e tais coisas e chegou no carnaval e fiz isso, isso e aquilo que contradisse tudo que eu pregava – sou um merda”. Não. As pessoas se acham bonitas, bacanas e ovelhas do Senhor quando o carnaval acaba. Será que ressaca causa esse auto-perdão todo?

Quando eu me entoco, como disse no ano passado, para não ser arrastada para um deprimente bloco de rua cheio de homem bêbado tentando me agarrar, mijando nas ruas e cantando “olha a cabeleira do Zezé” sempre tem um idiota de plantão que solta frases pejorativas do tipo “Tem que aproveitar a vida, a vida é muito curta!”. Sentiram a imposição social? PARA aproveitar a vida, tem que fazer O QUE EU acho legal, se não é jogar a sua vida fora.

Me poupe! Eu não fico batendo na porta da casa alheia e dizendo “Vamos em um museu? Vamos ao ballet? Vamos ler um fuckin´ livro? Tem que se instruir, você é muito burrinho”. Eu não fico batendo na porta dos meus amigos e falando “Vamos dançar axé? Tem que aproveitar a vida, a vida é muito curta! Se você não dançar axé não vai ter aproveitado a vida!” e muito menos paunocuzando eles com julgamentos envolvendo todas as merdas, vexames e crimes cometidos durante o carnaval. Porque as pessoas se sentem no direito de vir ME paunocuzar, quando na verdade eles é que deveriam ser o objeto de crítica?

Sabe porque? Porque em toda festa, se tem um sóbrio, acaba fedendo para os bêbados. Se tem alguém que não faz merda, não faz vexame, não caga no pau, acaba servindo de comparação para aqueles que o fizeram. Acaba comprovando que fazer estas bostas todas não são inerentes e inevitáveis ao carnaval e sim escolha. Se todo mundo fizer, fica menos grave. Se um não fizer, quebra a corrente. Por isso desvalorizam quem não enche a cara, vomita, faz merda e dá para geral. “Não seja tão correta, isso vai me fazer ficar mal na fita”. Desvalorizar aquilo que realmente tem valor é uma prática tão banal no Brasil que eu estou QUASE me conformando.

O dia que eu receber um elogio porque leio, porque falo vários idiomas, porque tive uma tese publicada, periga ter um desmaio. Eu juro pra vocês que eu sou muito estudiosa, me arrebento de estudar MESMO, estou sempre me atualizando e ainda assim, qualquer elogio que eu tenha recebido nos últimos cinco anos está diretamente relacionado a meu físico. Brasil, um país de tolos. As pessoas sequer sabem IDENTIFICAR uma pessoa inteligente ou com cultura para ser elogiada. São tão burras e medíocres que nem mesmo sabem quando outra pessoa tem inteligência ou cultura digna de elogio.

Carnaval simboliza isso. Uma ode à ignorância, à baixaria. Mas vai dizer isso para alguém! HÁ! Ou é inveja, ou você não sabe curtir a sua vida ou você é fresca e chata. Total intolerância com qualquer pessoa que pense diferente desse pacto tácito de putaria e excessos. Gente, vocês sabem que eu posso ser tudo nessa vida menos puritana, isto não é um discurso moralista. Uma coisa é moralismo outra é fazer pacto com baixaria, na concepção ampla da palavra. Minha ética é a mesma os 365 dias do ano, não é o calendário que me autoriza a beber e mijar na rua, a trair meu parceiro ou a sair beijando bocas de desconhecidos. Eu tenho meus valores.

Quem flexibiliza seus valores em função do calendário, bem, vai desculpar, mas é provável que, lá no fundo, quisesse ser assim o ano todo. E o grande problema nem é o “ser assim”. As pessoas tem o sagrado direito de “ser assim”, o que não pode é 1) achar que isso é bonito, motivo de ostentação, motivo para tirar onda e 2) achar que quem não faz é panacão. Todos nós fazemos coisas erradas. Eu, por exemplo, danço axé. Mas sou uma pessoa com senso crítico, sei que isso é uma merda e que eu seria uma panaca se começasse a apontar para os outros e atribuir-lhes qualidades negativas por não dançarem axé. Dançar axé é um cu, uma bosta, uma vergonha alheia do caralho. Eu faço porque gosto mas sei bem do que é composto o mundo do axé: gente burra, baixo nível e promíscua em 99,99% dos casos.

É isso. Não tem autocrítica. Nem senso crítico com terceiros, vide Prefeito do Rio dando MILHÕES para escola de samba cujo barracão pegou fogo enquanto os desabrigados das chuvas continuam com fome, doentes e sem casa. Mas é carnaval! Então pode tudo, e qualquer pessoa que fizer uma crítica, por mais embasada e pertinente que seja, é baixo astral, tá de mal com a vida. Como diz a música: quem não gosta de samba, bom sujeito não é / É RUIM DA CABEÇA OU É DOENTE DO PÉ”. Muito democrático. São esses mesmos fascista tupiniquins que acham Hitler um horror por impor seu ponto de vista e trucidar quem discorda. Se você não gosta de samba tem problemas na cabeça ou no pé. Esse problema na cabeça eu chamo de CÉREBRO.

Sério, gente. Tô puta. RUIM DA CABEÇA são vocês, seus panacas que pulam carnaval ganhando MERDA, sem ter acesso a bons hospitais atendimento médico de qualidade, sem ter transporte público adequado, sem ter escolas públicas apresentáveis, sem ter qualificação, valorização e reconhecimento profissional, sem o mínimo do mínimo. Tá comemorando O QUE? Conta pra mim? Daí vem aquelas frases de gente IGNORANTE, tipo “a alegria de viver” ou “a vida”. Comemorar uma vida DE MERDA se chama conformismo.

Quem não sabe aproveitar a vida são vocês, seus panacas que pulam carnaval feito um bando de símios descontrolados, perdendo sua dignidade e saúde, abusando de bebida e outras substâncias, se metendo em atividades promíscuas e em locais que muitas vezes podem representar um risco para sua saúde ou suas vidas. Até o ano passado eu não apontava o dedo para vocês, mas de tanto vocês apontarem o dedo para mim, vão ouvir de volta.

Comem merda o ano todo, ganham merda o ano todo, moram na merda o ano todo e em vez de utilizar sua energia para algo produtivo, que os faça melhorar de vida, vão comemorar carnaval. E ainda julgam e menosprezam quem discorda. Sinceramente… tem todo mundo é que se foder redondo.

É por essas e outras que a Tia Sally tá arrumando as malinhas, bem devagarinho, tentando fugir desta cidade nefasta. Até o final do ano espero ter saído do Hell de Janeiro.

Para me fazer propostas de emprego em outros estados, para me fazer propostas de emprego em outros países ou ainda para me fazer propostas de emprego: sally@desfavor.com