Dia: 5 de abril de 2011

KKK!Tive receio em escrever este Flertando com o Desastre porque o Somir abordou o tema de forma tão brilhante neste texto, na minha opinião, um dos melhores de todo o blog, que durante muito tempo fique achando que não teria mais o que dizer. Mas agora quero dizer algumas coisas sim e adianto que minha intenção não é ofender nem chocar ninguém. Desde já me desculpo se o fizer.

Eu acho que todos deveríamos poder contar piadas de negros, ou, como se dizia nos anos 80, “piada de preto”. Ou então, deveríamos proibir qualquer piada com qualquer outra raça: judeus, baianos, paraíbas, portugueses, ARGENTINOS, etc. Incoerência esse pavor todo de brincar, brincadeira de mau gosto que seja, com a raça negra. Por mim, podia liberar geral. Piada para todos os gostos. Como diz o Deja, poder usar uma camiseta escrito 100% branco na rua sem ser ofendida ou conduzida a uma delegacia, já que eles podem usar uma camiseta escrito 100% preto.

Porque esse terrorismo todo com as “piadas de preto”? Porque tanto excesso de zelo e proteção? Tem aquele discurso que o negro foi menosprezado durante séculos enfeitado por todas aquelas frases de contexto histórico e antropológico que provam como esta raça foi afetada e subjugada pelos brancos. Ok. Concordo. A solução para isso é proibir que os brancos contem “piadas de preto” por medo de responder a um processo? O que parece proteção está na verdade desmerecendo os negros: “melhor não brincar com isso, tem um fundo de verdade”. Eu não acho que tenha, por isso gostaria de poder brincar. Contamos piadas de humor negro sobre deficiências físicas, condições realmente incapacitantes e limitantes, porque não contar “piada de preto”, já que “ser preto” não é nenhum demérito?

O que estão dizendo é que se um branco contar uma “piada de preto” isso pode ser visto como verdade pela sociedade? Isso pode prejudicar um negro? Porque dói tanto? Será que não existe a certeza de que de fato seja uma piada? Como bem disse o Somir na postagem sobre racismo, nos permitimos rir de uma piada de argentino mas não nos permitimos rir da mesma piada quando protagonizada por um negro porque “(…) aposto que ninguém que está lendo este blog tomaria mais cuidado com a carteira se visse um argentino passando na rua.”

Não contar a “piada de preto” é que configura racismo. Se você está convicto de que a pessoa não é filha da puta, nem ladra, nem suja, nem o que quer que seja, pode brincar com isso. A coisa perde a graça e cria constrangimento apenas quando tem um fundo de verdade. Eu tolero sem o menor problema as piadas de argentinos.

Mas daí alguém pode dizer que eu só as tolero porque nunca fui massacrada como os negros foram (coisa que não é verdade, eu os convido a viver uma infância em um colégio sendo a única argentina, especialmente em época de Copa do Mundo. Teriam que criar uma nova palavra porque bullying seria insuficiente). E eu respondo: que tal os judeus, que passaram pelo Holocausto, e toleram piadas a seu respeito? Por mais que eles não gostem ou que se sintam desconfortáveis, você não vai ver um judeu fazendo um escarcéu e querendo te levar para a delegacia porque você perguntou ao seu colega na mesa de um restaurante como se faz para colocar 500 judeus dentro de um carro. Não com freqüência, não com escândalo, não com orgulho.

Vejam bem, não estou entrando no mérito de ser legal ou não ser legal contar piadas estereotipando raças, crenças ou nacionalidades. Acho inclusive de gosto duvidoso. O foco da discussão é: DEVE SER PROIBIDO que se contem estas piadas? Não temos o sagrado direito de rir daquilo que muitos não acham engraçado? Não existem piadas sacaneando deficientes físicos, idosos, deficientes mentais e até mesmo crianças? Ora, deixa falar! Quem quiser que conte piadas! Sobre qualquer tema! Ou então deixemos de hipocrisia e vamos passar a proibir qualquer piada com qualquer raça. Inclusive com argentinos. Da mesma forma que não são inferiores, Negros não são mais especiais que ninguém. Não quero necessariamente contar uma “piada de preto” e sim viver em um país onde se possa contar uma “piada de preto”.

Se eu fosse negra eu ficaria particularmente ofendida em saber que as pessoas não contam piadas por medo de processo e não por consciência. Não é assim que se resolve. Não pode falar? Não pode contar piada? Não faz mal, o racismo continua, só que graças a esta proibição, continua de forma mais velada, perigosa e difícil de combater.

Não demora muito, os demais membros do grupo dos Intocáveis vão começar a reivindicar o mesmo direito: não querem ser alvo de piadas. Pessoas babacas existem em todos os cantos do mundo e gostando vocês ou não, elas tem direito de voz. Infelizmente é assim na democracia e democracia é uma merda, mas dentre todas as merdas, é merda menos merda, ainda não inventaram coisa melhor. Vai dizer que você nunca teve que entubar alguma piadinha ofensiva a qualquer título? Todos nós passamos por isso e todos nós sobrevivemos.

Tem quem diga que a proibição das “piadas de preto” se justifica para proteger as crianças em idade escolar. Vamos encarar a realidade: seus filhos vão sofrer bullying na escola, por um motivo ou por outro, serão atacados e ridicularizados e vão sobreviver. E crianças não podem ser punidas criminalmente por contar uma piada, logo, isto não vai impedi-las. Todos nós sofremos algum tipo de massacre na escola e sobrevivemos. Se você quer proteger seus filhos, a melhor forma não é calar a boca dos outros através de ameaças e sim dar armas (peloamordedeus, no sentido figurado, ok?) para que seus filhos mantenham a auto-estima e saibam lidar com isso. Se uma criança SABE que não é inferior em nada por ser negra, uma “piada de preto” não vai fazer estrago, como não fez em mim crescer ouvindo que argentino é tudo safado, filho da puta, desonesto e escroto.

Correndo o risco de transformar isto em um Processa Eu, afirmo que os mais preconceituosos nessa história toda tem sido os próprios negros, que vem usando histericamente uma lei que protege todas as raças, credos e nacionalidades. VERGONHA de vocês, viu? Vocês foram os únicos a promover essa caça às bruxas, a censurar a sociedade inteira dessa forma desmedida. Vê se homossexual se importa com piada sobre sua sexualidade a ponto de processar alguém? Vê se argentino liga para ser chamado de sem caráter filho da puta? Vê se português se ofende mortalmente e para o que está fazendo para te levar a uma delegacia por causa de uma piada pejorativa? Ao menos estudem, para parar de passar vergonha, porque uma mera “piada de preto” NÃO CONFIGURA crime de racismo, apenas (se tanto) injuria.

Ninguém tem mais preconceito contra o negro do que o próprio negro. Sinto muito que os anos de massacre físico e psicológico que vocês sofreram tenham deixado esta seqüela. Sinto muito mesmo. Se eu pudesse apagar esta página vergonhosa da nossa história, com negros sendo vendidos como animais em praças, eu apagaria. Mas não posso, ninguém pode. E cada vez que um negro reage de uma forma histérica a uma “piada de preto” está vestindo a carapuça e deixando transparecer o quanto aquilo doeu, o quanto ele tem medo que aquilo seja verdade, o quanto ele se sente inseguro em relação a aquilo, o quanto ele teme que os outros acreditem naquilo. Existem Negros que tem preconceito consigo mesmo e com outros negros também. Garanto que todo mundo aqui já viu um caso desses.

Estava estudando alguns fatos curiosos sobre o direito nos EUA. Eles também tiveram um boom de histeria com piadas alguns anos atrás, mas não era com “piada de preto”, era com piadas que poderiam ser consideradas ofensivas às mulheres. Se dois homens estivessem conversando e fizessem piadas ou comentários que deixassem alguma mulher ofendida, esta mulher poderia processá-los, em alguns casos até mesmo por assédio. Conclusão: criou-se um pavor social de falar sobre certos assuntos, dentre eles, flertar com as mulheres, principalmente no ambiente de trabalho. Muitos anos depois, vendo a merda que fizeram, as mulheres reclamam que os homens não tomam mais a iniciativa, não se aproximam e não as tratam com a mesma descontração e naturalidade que tratam outros homens e até mesmo de serem excluídas de programas sociais. Claro, vocês passaram VINTE ANOS processando quem o fez!

Eu não gosto de levar cantada no trabalho. Você não gosta. Mas eu não gosto muito mais de viver em um mundo onde as pessoas não passem cantada porque estão proibidas e amedrontadas com processos. Eu não gosto de ser chamada de filha da puta, mas sei que é um preço que se paga por poder falar o que quero; ouvir de volta. Eu não gosto de ouvir piadas onde argentinos são tratados de forma pejorativa, mas sinceramente, me sentiria RIDÍCULA de mobilizar o judiciário por causa de uma bobagem dessas. É um excesso, um paternalismo.

As pessoas tem o sagrado direito de fazer piada da minha nacionalidade, do meu tamanho, da cor do meu cabelo e de tudo mais que quiserem. SE houver um abuso muito grande, prejudicial à sociedade toda, isto eventualmente pode ser avaliado judicialmente. SE. As coisas tem a importância que a gente dá para elas. Uma pena que alguns negros dêem tanta importância para piadas bobas “de preto”. Nós brancos não somos assim tão importantes, caso vocês não tenham percebido. E vocês também não são tão mais vítimas históricas que outras raças que passaram por maus bocados e nem por isso se sentem no direito de proibir que se faça piada delas.

Sei que muita gente vai achar que eu estou passando recibo e que estou me justificando demais, mas mesmo assim eu vou falar. Apesar do argentino ser considerado um povo racista (não é de todo verdade), eu não tenho preconceito algum quanto à cor da pele da pessoa. Tenho outros preconceitos assumidos: evangélicos por exemplo. Tenho pavor, por puro preconceito, sem nem ao menos conhecer. Feio. Sei disso. Mas não tenho preconceito com negros, já tive namorados negros com os quais saia na rua de mãos dadas com muito orgulho, tenho grandes amigos negros e teria filhos com um negro sem problemas se eu não tivesse essa aversão doentia a crianças que me faz não querer ter filhos nem com o Eike Batista (e olha que filho com o Eike resolve a vida de qualquer um). Então, por favor, não tentem fazer parecer que eu escrevi isto movida por preconceito. Muito pelo contrário, se eu fosse preconceituosa jamais viria aqui me expor e dar esporro na raça negra com essa intimidade, ficaria encolhida no meu canto deixando vocês continuarem se queimando.

A sociedade TEM o direito de contar piadas. A sociedade NÃO TEM o direito de recusar a matrícula de uma criança em uma escola por ela ser negra, de proibir que se utilize o elevador social pela cor da pele ou de proibir o ingresso de negros em concursos públicos, mas piadas, FUCKIN´ PIADAS, por favor, isso nós deveríamos podemos contar. Todas as outras “vítimas” destas piadas toleram, ainda que não gostem muito, porque os negros não podem tolerar? Porque em vocês dói tanto? Reflitam.

Se vocês, negros que fazem escarcéu por causa de uma “piada de preto” não pararem com isso, dentro de vinte anos estarão como as mulheres dos EUA: segregados, mas desta vez pelo medo. Excluídos porque as pessoas não se sentem confortáveis de falar sobre determinados assuntos e contar determinadas piadas e fazer determinadas brincadeiras na sua presença por medo de um processo. As pessoas querem se sentir confortáveis para usar expressões como “a coisa tá preta” sem serem ameaçadas ou taxadas de racistas. Sério mesmo, reflitam. Esse terrorismo social, no final das contas, vai se voltar contra vocês.

Tô aqui dando esporro porque me importo, porque não quero ver isso acontecendo. Vai chegar a um ponto (se é que não chegou) que a má utilização da lei e a histeria com as “piadas de preto” terminará minando a credibilidade desse tipo de reclamação em delegacias e em processos judiciais. Uma arma que foi concebida para ser usada em casos extremos, de desrespeito que fira a dignidade de um ser humano, está sendo usada como revanchismo social, como forma de dar o troco, como forma de intimidação e canalização de raiva e revolta. Conclusão: vai perder seu poder. Lembram da fábula do menino que gritava “lobo”? Pois é, em 2020 vai ser a fábula do menino que gritava “racismo”.

E um recadinho para alguns homossexuais: cuidado, vocês estão indo pelo mesmo caminho. Se importem menos com gente que vale pouco.

Obs: De forma alguma quero livrar a cara do Bolsonaro. Acho ele desprezível, incorreto e digno de uma punição exemplar. Ele não faz piadas, faz discurso nazista.

Para dizer que vai levar chocolates para mim quando eu for presa, para dizer que o movimento negro parou de ler na segunda linha e já está enviando notas de repúdio ao Desfavor para os jornais ou ainda para dizer que tem medo de concordar e ser processado também: sally@desfavor.com