Dia: 24 de outubro de 2011

Estava escuro...Uma vida normal deixa para trás um rastro com pelo menos alguns relacionamentos terminados, seja lá quais forem os motivos, essas pessoas fazem parte de nossa história. Mas a forma de olhar para essas pessoas é ponto de debate entre Sally e Somir. Tirem os esqueletos do armário, leitores, é hora de entrar na discussão e tomar partido.

Tema de hoje: É possível olhar para um(a) ex como se fosse uma pessoa qualquer?

SOMIR

Sim, até porque a não ser que você seja zoófilo(a), é uma pessoa qualquer. Existem mais de seis bilhões delas e os valores relativos somos nós que definimos, relação a relação. Para a esmagadora maioria da humanidade, suas ex são pessoas genéricas. (Vou usar tudo no feminino para simplificar, mas vale para ambos os casos…)

Mas é claro que eu não vou basear minha argumentação num jogo de palavras, o que me importa agora é que concordemos que o quanto uma pessoa importa para você não é uma medida imposta pelo universo, é uma decisão pessoal (e isso não significa racional).

Mesmo sabendo que eu estou mais uma vez usando a “argumentação perdida” de que nos iludimos com muita coisa para manter a presunção de que somos diferentes e especiais, prefiro ser honesto com minha linha de pensamento do que puxar saco de leitor feito minha CARA.

Sua ex pode ser importante por uma série de fatores, mas existe uma ilusão de importância que fica impregnada até nas pessoas mais irrelevantes com as quais já tivemos alguma coisa: A nossa ilusão de importância.

Reconhecer que uma ex pode ser uma pessoa genérica novamente gera algumas ideias desconfortáveis: “Eu escolhi essa pessoa só porque estava carente?”, “Eu também sou insignificante assim para outras pessoas?”, “Eu desperdicei tempo da minha curta vida com ela?”… E por aí vai.

A resposta para todas essas perguntas é: É POSSÍVEL. Mesmo que no momento parecesse diferente, algumas relações de nossa vida não tem maiores significados. São pessoas a que demos um valor momentâneo, mas que atualmente já são pouco identificáveis na multidão. E isso não quer dizer que a pessoa seja uma merda (é possível que você seja), quer dizer que a vida segue e as coisas mudam, e isso não precisa ser culpa de ninguém. Quantas coisas do seu passado já não parecem bobagens hoje em dia?

Não podemos deixar o medo de que não tenhamos deixado uma marca duradoura na vida de outras pessoas anuviar nosso julgamento sobre a realidade. Mais do que possível, ver uma ex como alguém qualquer é provável. Em alguns casos, a pessoa deixa mesmo uma impressão duradoura, é a forma como vejo Sally, por exemplo. Eu nunca mais vou enxergá-la como uma pessoa qualquer, até porque a nossa relação sobreviveu ao fim do namoro como uma grande amizade. Mas pergunta se ela não ficou atacada quando eu disse que “era possível” e tentou usar o próprio exemplo para me colocar contra a parede? Eu não costumo negociar com terrorista, por isso disse para ela tentar resolver esse mistério sozinha.

Acreditar que somos todos reféns de uma regra universal que torna IMPOSSÍVEL enxergar ex-namoradas como qualquer outra pessoa nada mais é do que um refúgio para a noção de que sim, talvez algum dos seus ex-relacionamentos te ache grandes bostas.

Isso é vender a vontade de encarar a realidade barato demais, por causa de uma insegurança boba. E se você precisar conviver com uma dessas ex, no trabalho ou em qualquer outra situação social? Vai ficar encanando por causa de alguém que na verdade não quer te dizer mais nada? Isso é dar murro em ponta de faca.

Relacionamentos acabam. Pessoas se afastam e os valores que nos demos durante a relação podem ser irrelevantes depois de encarar uma distância prolongada. QUALQUE relacionamento amoroso que você teve, tem ou terá é uma possibilidade dentre inúmeras. Vai dizer que acredita mesmo que cada pessoa com a qual você se relacionou era a única pessoa certa no mundo? O prefixo “ex” está aí para te provar que esse valor é relativo sim, pode ter fim.

Tudo bem que você já foi muito íntimo, já fez sexo, já a chifrou com a irmã mais nova… Mas isso não te obriga a viver eternamente modificado pela presença dela. Ainda é você que decide o quanto cada pessoa pesa na sua balança de prioridades, não sei quanto a vocês, mas não sou pinguim ou arara para ficar biologicamente amarrado em alguém o resto da vida.

E se você olha para ela e vê apenas alguém que te passou a ilusão de importância em outra fase da sua vida, não é insensível ou “horrível” ser honesto consigo mesmo. É a verdade!

Convenhamos, alguns namoros nada mais são do que um quebra-galho (inconsciente). Não precisa ser promíscuo para isso, basta um dos inúmeros enganos que cometemos na vida para acabar amarrado com alguém que nem fazia tanta diferença assim. Às vezes é confortável, e só. Vai dizer que uma ex-namorada oriunda de uma dessas relações “preguiçosas” vai MESMO te causar um olhar diferente pelo resto da vida?

Fazemos mesmo muita coisa sem sentido, gastamos anos da vida com bobagens, ficamos com pessoas mesmo sem a certeza que é uma boa ideia… E sinceramente? Foda-se. Encanar com isso também é perder tempo. Olhar para uma ex que não te diz mais nada é uma prova de que você estava desperdiçando tempo, mas não é como se você pudesse mudar o passado.

Se você não tem ninguém em sua história que enxergue de forma indiferente, pode estar tentando se convencer que não comete erros ou projetando seu ego em outras pessoas. É tão possível quanto realmente ter memórias e relações mais fortes com cada pessoa do seu passado amoroso.

Para dizer que olhou para meu texto como um texto qualquer, para fazer alguma argumentação emocional que sabe que vou ignorar solenemente, ou mesmo para fazer como na maioria das vezes e boiar completamente na discussão: somir@desfavor.com

SALLY

Eu gosto sempre de reforçar a exata pergunta que está sendo discutida, porque a Madame aqui de cima tem a mania de embolar a argumentação em premissas falsas e chegar às conclusões que lhe convém. Foco na controvérsia de hoje: É POSSÍVEL OLHAR PARA UM(A) EX COMO SE FOSSE UMA PESSOA QUALQUER?

NÃO. E estou falando de ex-namorado, uma pessoa importante para sua vida, e não essas versões genéricas de relacionamentos rápidos e superficiais que estão na moda hoje em dia. Para facilitar o texto, vou usar os termos no feminino. Os homens que ainda gostam de mulher favor inverter mentalmente ao ler.

Não é possível olhar para um ex como se olha para uma pessoa que nunca foi nada sua. É uma pessoa que já foi parte importante na sua vida, que já te viu sem roupa, que já fez sexo com você, que já compartilhou segredos e projetos de vida, que provavelmente, em determinado momento da sua vida, foi a pessoa que melhor te conheceu e uma das mais importantes para você.

Atentem para o fato de que eu disse que não acho possível olhar para um ex como se fosse uma pessoa qualquer. Só isso. Não quero dizer que você necessariamente deva nutrir sentimentos (sejam de amor, sejam de ódio). Também não quero dizer que isso te impeça de ser amiga do ex, de ter respeito, admiração ou qualquer tipo de convívio e sentimento. Nada disso é excluído pelo fato de que não dá para olhar para um ex como se fosse uma pessoa qualquer. O que eu quero dizer é justamente o que eu disse: É IMPOSSÍVEL OLHAR PARA UM EX COMO SE OLHA PARA UMA PESSOA QUALQUER. Só isso.

Não sei se sou e essa minha mania ultrapassada de só ter relações duradouras e profundas, mas não consigo conceber alguém olhando para um ex com a mesma indiferença que se olha para uma pessoa com a qual nunca se teve nenhum relacionamento afetivo. Sempre sobra algum resquício da relação, algum “resto emocional” que deixa aquele cheiro estranho no ar, aquela sensação que é um misto de constrangimento com resignação quando você é colocada frente a frente com um ex. Uma pessoa que um dia teve toda a intimidade do mundo com você agora demanda um tratamento formal. Isso dá curto-circuito no cérebro, gera um estranhamento, uma inadequação.

Na minha opinião, ex é sempre EX, antes de mais nada. Ok, você pode ser amiga do seu ex, mas antes de ser seu amigo ele é EX. É um marco tão forte na vida de uma pessoa que qualquer outra relação que se suceda não terá forças para eclipsar (a menos que você descubra que seu ex é seu pai, seu irmão ou seu filho, mas isso não deve acontecer na vida real). Em todo caso, eu não conseguiria ser amigona do ex e esquecer completamente que aquela pessoa já me viu nua, já fez sexo comigo e já pensou no nome dos nossos filhos. Até acho que pode eventualmente, dependendo dos envolvidos, existir uma amizade, mas não venham me dizer que é uma amizade como qualquer outra, porque não é. Não quando seu ex foi importante de verdade na sua vida.

É difícil classificar essa diferença de sentimento. Quem está lendo pode ter a impressão errada de que eu estou insinuando que sempre vamos gostar de um ex e não é verdade. O que quero dizer é que quando se está lado a lado socialmente com alguém que já foi um namorado importante, não acho possível existir a NATURALIDADE que há nos demais relacionamentos de convivência e amizade, onde nunca houve o fator namoro envolvido. Difícil apagar as memórias de tudo que foi vivido. O excesso de intimidade no passado acaba por interferir em reações, conselhos e opiniões que serão verbalizadas.

Devo dizer que minha afirmativa não é meramente teórica. Já tentei me forçar a ser amiga de ex, acreditando que “gente normal” conseguia apagar esse estranhamento, esse bloqueio e, com o passar do tempo, ver o ex como uma pessoa qualquer. Tentei. Não dá. Nunca vai ser uma pessoa qualquer, não dá para desfazer nem apagar toda a convivência e intimidade que fizeram dessa pessoa alguém especial na sua vida. Pode ser que HOJE ela não seja mais especial, mas já foi, e muito, e isso não se desfaz com o tempo. Logo, essa pessoa nunca será como outra qualquer. Ao menos enquanto não começarem a apagar a memória das pessoas em um esquema “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Do jeito que o mundo anda, não duvido nada.

É inegável que em relacionamentos de verdade seu parceiro acaba mudando o que você é. Não me refiro a pressão ou chantagem e sim a aquelas coisas boas que aprendemos com a pessoa que admiramos e que nos tornam uma pessoa melhor. Como olhar para esta pessoa, que contribuiu para que você seja o que você é hoje em dia, como se olha para qualquer outra? Só sendo um tremendo dum filho da puta insensível e mal agradecido que descarta as pessoas que nem fralda suja (Somir? Oi?). Para ser sincera, eu duvido que Somir olhe para as ex (dos relacionamentos de verdade) como se fossem uma qualquer. Duvido mesmo. Mas é muito orgulhoso para admitir. Ele não atribuiria (oficialmente) tanta importância a alguém que não fosse ele mesmo.

O fato das pessoas conseguirem disfarçar socialmente esta diferença que sentem no trato com seus ex não quer dizer que ela não exista. Acho difícil que alguém olhe para um ex que foi muito importante na sua vida como olha para outra pessoa qualquer, ainda que tenha aprendido mecanismos sociais para disfarçar muito bem. Dificilmente uma pessoa assume isso que eu estou dizendo, porque ao assumir pode perder o privilégio de conviver com seu ex, já que pode se tornar insuportável para o seu atual saber que ela não consegue olhar para o ex como olha para uma pessoa qualquer.

Relacionamentos verdadeiros, duradouros e profundos deixam marcas, mudam o que você é e criam um vínculo tão especial com o parceiro que este vínculo não se rompe, mesmo terminado o relacionamento. Ele nunca mais vai ser “uma pessoa qualquer” para você. Talvez você tenha mais carinho por ele do que pelas outras pessoas, talvez tenha mais ódio, enfim, sempre existirá um diferencial. Não é a toa que existe o termo “ex-namorado” ou “ex-marido”, que é para sempre.

Para dizer que eu sou uma babaca que dá muita importância para as pessoas com as quais me relaciono, para dizer que se o Somir me vê como uma qualquer eu posso postar uma foto minha aqui sem problemas ou ainda para dizer que não vai poder expressar sua opinião sincera se não apanha em casa: sally@desfavor.com