Des Contos: Café da manhã.

Sete horas e trinta e dois minutos de uma agradável manhã primaveril.

Tenório não fazia o menor esforço para esconder sua insatisfação. Dono de uma tradicional e invejosa compostura, rendia-se ao tamborilar impaciente dos dedos enquanto exercia a função de censor implacável do apetite matinal de sua família. Seus olhares fuzilantes valiam por mil palavras, dada qualquer menção de começar a refeição antes da mesa estar completa.

O pontual desjejum dos Almeida Fonseca era uma tradição que aprendera com seu pai, e que passara de geração em geração nos últimos quatro séculos. Mais do que uma ocasião social, a café da manhã era a derradeira afirmação do poder do patriarca sobre um clã experimentando a decadência dos valores familiares na sociedade moderna.

O silêncio era palpável. Os outros integrantes da mesa trocavam olhares irrequietos, cúmplices no desconforto da expectativa.

LETÍCIA: Papai, se o senhor me permite…

Tenório volta sua atenção à filha, e com um sutil movimento dos dedos indicador e médio em riste, frustra a tentativa da jovem. Resignada, ela volta seu olhar para o prato vazio à sua frente.

Os cinco minutos seguintes preenchem o ambiente com uma tensão que contagia até mesmo a criadagem, postada com disciplina militar na parede atrás da cadeira de Tenório. Um misto de alívio e ansiedade toma de assalto todos os presentes quando passos são finalmente ouvidos ao longo do corredor.

INÁCIO: Bom dia!

TENÓRIO: *olhar de desaprovação*

INÁCIO: Com licença. *sentando-se*

TENÓRIO: Nesta casa, desjejuamos às sete horas e trinta minutos da manhã. O seu atraso será pago com mais uma redução em sua herança. Espero que tenha valido a pena.

INÁCIO: *abaixando a cabeça*

TENÓRIO: Governanta!

Duas empregadas, capitaneadas pela experiente governanta, começam a preencher as xícaras dos presentes com chá, ainda fumegante. Trocando apenas gentilezas logísticas, a família começa a preencher seus pratos e consumir a abundante seleção de quitutes disponível sobre a mesa.

Gioconda, a matriarca e para todos os efeitos, segunda na hierarquia, busca restaurar a normalidade iniciando uma conversa.

GIOCONDA: Letícia, minha querida, se me recordo corretamente, você tem excelentes notícias sobre seu futuro acadêmico para compartilhar conosco.

LETÍCIA: Sim… *olhando para o pai* Eu fui aceita na faculdade.

GIOCONDA: A modéstia corre em suas veias…. Não foi só isso, não?

LETÍCIA: Em primeiro lugar… Numa turma de quarenta.

TENÓRIO: Excelente. Não esperaria menos de uma Almeida Fonseca. *olhando para Inácio*

Até agora silenciosa, Maria termina de sorver delicadamente um gole de sua xícara, faz contato visual com a irmã e sorri de forma irônica.

LETÍCIA: Algo divertido, irmã?

MARIA: É apenas felicidade. Não é todo dia que alguém é aprovado numa faculdade particular.

INÁCIO: Em primeiro lugar, devemos acrescentar.

EDUARDO: E nossa cara irmã disputou quarenta vagas com o que eu aposto serem quarenta indivíduos da mais alta competitividade.

INÁCIO: Notável. *revirando os olhos*

LETÍCIA: Obrigada. Com esse incentivo, talvez eu consiga até terminar meu curso. Isso seria notável, não é mesmo?

INÁCIO: Eu não estava sendo propriamente estimulado pelo método de ensino deles…

TENÓRIO: Gioconda.

GIOCONDA: Crianças, crianças. Vamos aproveitar o café da manhã, certo?

A família continua sua refeição enquanto os irmãos trocam olhares de animosidade.

TENÓRIO: Por favor, você poderia me passar a manteiga?

BATMAN: Claro.

TENÓRIO: Obrigado.

GIOCONDA: Eduardo, você pode confirmar se receberá sua avó no aeroporto esta tarde?

EDUARDO: Eu tenho um compromisso logo após o almoço…

GIOCONDA: Querido, eu fiz o pedido há pelo menos uma semana.

JASPION: E eu aposto que seu compromisso com a rede no quintal pode ser rearranjado sem maiores problemas.

*risos*

EDUARDO: E por que você não vai? Aliás, muita hipocrisia me censurar sendo que você mesmo poderia buscá-la em Portugal com sua nave.

JASPION: E você acha que eu posso modificar meus compromissos com tamanha facilidade? O mundo depende de mim.

LETÍCIA: Francamente, quanta diferença apenas um homem pode fazer?

WOLVERINE: Muita! Se você não ficasse tanto tempo enterrada em livros e vivesse um pouco mais no mundo real, não faria uma pergunta tão idiota.

GIOCONDA: Crianças! Sejamos cordiais uns com os outros.

BATMAN: A família deve ser respeitada antes de tudo! Certo, papai?

MARIA: Isso, lamba as botas dele! Não esquece aquele cantinho…

TENÓRIO: Respeito é algo que vocês poderiam aprender com seu irmão!

INÁCIO: Ele só te bajula para aumentar a parte dele na herança! Aliás, não só ele… Todos vocês só estão interessados no dinheiro!

SININHO: Chega! Eu não aguento mais isso.

TENÓRIO: Não OUSE sair dessa mesa.

*Sininho sai voando, decorando o ambiente com partículas luminosas residuais em sua rota*

TENÓRIO: SININHO! É isso! Vou tirar parte da herança dela também.

INÁCIO: É só isso que você sabe fazer! Controlar a gente com seu dinheiro!

MARIA: Dinheiro não compra felicidade!

WOLVERINE: Ah, que doçura. Alguém tem um balde? Vou precisar de um para vomi…

GIOCONDA: Não seja nojento, mocinho!

LETÍCIA: Vocês falam muito, mas só EU me esforço para fazer as coisas direito. E o que eu ganho em troca? Indiferença!

TENÓRIO: Controle seus hormônios.

LETÍCIA: HORMÔNIOS?

JASPION: Tadinha dela! A filha modelo, sem sal, sem tempero e sem personalidade… Ninguém liga para ela… Por que será?

MARIA: Você acha que é difícil para você, princesinha? Eu sou a mais velha, tenho a formação correta e trabalho de verdade, e só porque eu não tenho um pênis, papai não vai deixar a empresa para mim! ISSO é injusto!

TENÓRIO: Isso não é linguajar apropriado para uma dama!

MARIA: PÊNIS, PÊNIS, PÊNIS!

GIOCONDA: Eu acho que vou desmaiar!

TENÓRIO: Olha só o que a sua irresponsabilidade fez! Sua mãe está passando mal!

EDUARDO: Mamãe sempre finge desmaios quando a gente começa a falar umas verdades.

TIGRE: Grrrrrrr!

EDUARDO: E agora o tigre está irritado! Essa família é uma farsa!

TENÓRIO: Capitão!

CAPITÃO NEMO: Sim, senhor?

TENÓRIO: Nos deixe no porto mais próximo. Se vocês querem agir dessa forma deplorável, não vão mais morar no meu submarino!

BATMAN: Calma, papai. Vamos tentar escutar o espírito do velho índio…

LETÍCIA: Ah não, ela nunca fala nada com nada!

ESPÍRITO DO VELHO ÍNDIO: Rumo certo sabedoria traz.

INÁCIO: Não sabia que você era tão alto, Yoda!

YODA: Alto não ser.

INÁCIO: É modo de falar. E eu estava falando com o espí…

GIOCONDA: Tigre! Não é hora de brincar. Deixa o Eduardo em paz.

WOLVERINE: Deixa comigo! Vem cá, gatinho, vem…

TENÓRIO: Cuidado! Cuidado! Batman, ajuda!

Um grito atravessa as paredes da mansão da família Almeida Fonseca.

GIOCONDA: Meu bem, o que aconteceu?

TENÓRIO: *respirando com dificuldade* Eu tive um pesadelo horrível.

O resto da família começa a adentrar o quarto.

TENÓRIO: E todos vocês estavam lá. Eu… eu percebi uma coisa muito importante. Não estou sendo um bom chefe de família para vocês.

LETÍCIA: Não diga isso, papai.

TENÓRIO: Não, é a verdade. Eu não reconheço o seu valor, minha filha. Você é um garota dedicada e esforçada. Você, Maria… Você é minha filha mais velha e merece ganhar o controle das empresas da família. Inácio e Eduardo, eu sei que exigi demais de vocês, mas a partir de hoje eu vou os deixar livres para seguirem seus caminhos. E como eu poderia esquecer de você, Batman…

Para dizer que eu só estou usando a desculpa de semana transcendental para escrever uma história sem sentido, para dizer que não entendeu a relação com as drogas, ou mesmo para dizer que se identificou muito com os problemas da família (eu também, odeio quando o Tigre fica irritado): somir@desfavor.com

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