Somir Surtado: Lin… Fogo Cruzado.

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Mesmo quem não acompanha muito o que anda acontecendo nos EUA deve saber que depois de MAIS um tiroteio em escola, a discussão sobre uma maior regulamentação para venda de armas voltou com força total. Embora o tema em si já valha uma coluna, hoje eu pretendo falar sobre como a tecnologia atual pode tornar toda essa polêmica num grande exercício de futilidade. Você sabia que já pode baixar uma arma da internet?

Não sei quão ligados a maioria dos impopulares está nesse tipo de notícia, mas há alguns meses surgiu na internet um dos primeiros relatos (com vídeo) de pessoas usando impressoras 3D para literalmente imprimir partes de armas de fogo baixadas da internet. Se quiser conferir o site que mais gerou atenção e polêmica sobre o assunto, clique aqui. Em inglês, porque… sabe como é… americano é doido por armas.

Claro, ainda não é festa. Não dá para fazer tudo só com uma impressora 3D, algumas partes precisam ser de materiais mais sólidos, é necessária alguma habilidade para montar, conseguir a munição…

Mas toda tecnologia começa assim. Sempre tem a fase dos entusiastas sofrendo com as grandes dificuldades iniciais, até que eventualmente fica fácil o suficiente para o resto da humanidade. Computadores, celulares e todo o resto das máquinas da era da comunicação que usamos e descartamos como se fossem as coisas mais banais do mundo nos dias atuais já foram maluquices de meia dúzia de nerds.

Uma das tecnologias que já está saindo dessa fase inicial é a da impressão em 3D. Já está ficando barato (relativamente barato) comprar uma e começar a imprimir objetos a partir de modelos 3D facilmente adquiríveis pela internet. Para quem nunca ouviu falar disso, não é magia, é tecnologia! E nem tão nova assim… As primeiras impressoras 3D datam dos anos 80 do século passado (você está velho[a]!). Assim como os computadores, no começo eram máquinas gigantescas, absurdamente caras e pouco eficientes.

Mas o tempo passa. A tecnologia já é usada em algumas indústrias, com variados graus de especialização e custo por impressão. Impressoras 3D podem montar objetos a partir de cera, plástico… e algumas mais poderosas fazem isso até com titânio! Mesmo com materiais mais maleáveis, a qualidade e a resistência do objeto final tendem a ser muito boas, como imprime-se camada por camada, sobra pouco espaço para impurezas e imperfeições.

Para quem ainda não visualizou o processo, um vídeo e uma ideia simples: Imagine sua impressora preenchendo uma folha de papel com tinta, e começando tudo de novo por cima. As camadas vão empilhando, e o objeto aparecendo.

Apesar de limitações claras como a dificuldade de produzir objetos complexos com partes móveis (sozinha), a impressora 3D ainda vai evoluir e baratear demais nos próximos anos. Isso mexe consideravelmente com a forma como economia e instituições interagem com o cidadão médio. De uma certa forma, é um sonho comunista vindo à tona graças ao capitalismo: Os meios de produção vão ficar bem mais democráticos.

Evidente que ainda vai se cobrar por qualquer coisa que se possa cobrar, afinal, as pessoas mudam bem mais devagar que qualquer tecnologia, mas vai ficando cada vez mais difícil controlar o acesso das pessoas aos seus desejos de consumo. E numa sociedade baseada em “ter” ao invés de “ser”, pode apostar que a estrutura da economia como um todo vai ter que se adaptar… ou morrer. Imagine um mundo onde toda a noção de oferta e demanda de bens de consumo vira de ponta-cabeça… Se não quiser imaginar, espere. Você provavelmente vai viver nesse mundo.

É um negócio bom demais para ser ignorado. Principalmente se considerarmos as implicações da informalidade (vulgo piratão) nessa história. Não vai precisar muito mais do que conseguir imprimir material condutivo para tudo quanto é pobre ter seu iCrap. O modelo vaza… Segredos industriais tem o péssimo hábito de não se manter em segredo por muito tempo.

Até porque mesmo as grandes empresas vão querer entrar nessa jogada e se livrar da encheção de saco de mandar fábrica para a China. Um dos maiores motivos pelos quais robôs não fazem a maior parte do trabalho repetitivo neste planeta é porque eles são mais caros que um escravo oriental genérico. Sem contar que robôs tem um problema que as impressoras 3D resolvem: A liberação dessa obrigação social chata de fazer as coisas como os humanos fazem. Robôs simulam braços, mãos e ferramentas… Uma forma bem “orgânica” de resolver as coisas.

Agora, as impressoras 3D… ah, elas são computadores trabalhando de forma própria. Num processo que não deriva de formas de produção comuns aos seus criadores. Tem aquele cheirinho de “singularidade”, quando computadores começam a fazer as coisas do seu jeito. Humanos tem uma mentalidade bem… “Lego”… para construir as coisas. Juntando peças até formar uma estrutura maior. Impressão 3D (bem mais avançada que a vista atualmente) seria capaz de mudar essa forma de construir. Faz tudo de uma vez só.

Não sei se vamos estar vivos para ver isso acontecendo, mas eu apostaria muito que até mesmo grandes prédios e estruturas gigantescas serão feitas dessa forma. Recentemente conversei com um amigo sobre o assunto e ele pareceu bem cético sobre a escalada dessa tecnologia, talvez pela visão mais realista do estágio atual do processo. Concordo que ainda não parece algo que vá mudar o mundo, mas não podemos prestar atenção puramente na máquina, e sim no que ela está “desbloqueando” para a humanidade como um todo.

Os primeiros motores eram desgraças gigantescas, lentas, barulhentas e pouco confiáveis… mas eles mudaram o mundo. Liberamos o poder da força “não-animal” de uma forma jamais vista e começamos a Era Industrial. E quando esse surto industrial se estabilizou, começamos a nos comunicar como nunca. Os primeiros computadores também eram uma merda. Mudaram o mundo de novo. Não foram as máquinas em si, foi o potencial de transformação da sociedade humana que elas permitiram.

E é isso que me traz de volta ao assunto inicial: A ideia de proibição da comercialização de algo possível de ser impresso em casa e montado com um grau razoavelmente baixo de treinamento. Proíba as armas e uma sociedade como a americana vai começar a fazê-las em casa. Proíba a divulgação de modelos 3D de determinados objetos e uma sociedade como a brasileira vai distribuir isso até não poder mais. A não ser que deem um nó absurdo na internet, vai ser virtualmente impossível proibir qualquer objeto no mundo. E vou além…

Vai chegar o dia que cidadão vai baixar drogas da internet. Não é brincadeira. A tecnologia de produzir substâncias químicas complexas a partir de matérias primas básicas já é a base dessa indústria desde… sempre. Agora, a democratização do processo está chegando, a passos largos. Estudantes e entusiastas da área já tem acesso a moléculas que podem ser baixadas e produzidas em casa com equipamento especial. E melhor(pior), podem ser feitas a partir de substâncias completamente legais e insuspeitas.

E eu juro que não estou inventando: Logo logo surgem as primeiras impressoras de material orgânico, com trabalho escravo bacteriano… Já tem gente trabalhando nisso. Tem um episódio do Horizon da BBC que aborda o assunto de forma mais detalhada. Vale a pena. Não, não tem legenda ou dublado (que eu saiba).

O ponto aqui é que cada vez mais o valor se move do real para o virtual. Eventualmente você vai comprar projetos de produtos ao invés deles. E quanto mais abertos forem os projetos, mais eles vão avançar. O que tem de entusiastas de inúmeros assuntos “presos” em profissões que passam longe da sua área de interesse nesse mundo não é brincadeira. Gente sem oportunidade de participar do processo de evolução tecnológica humano vai começar a ter sua voz ouvida. E isso nem é exclusividade de um futuro com impressoras 3D por todos os lados… Vem aí um influxo de mais três BILHÕES de pessoas na internet até 2020. Gente que nunca foi ouvida pelo mundo… com todos os males da “maldita inclusão digital”, mas todas as benesses das “flores no esterco” que vão surgir.

Em menos de uma década, a grande maioria da humanidade vai estar conectada, em menos de uma década, impressoras 3D vão ser baratas. Em menos de uma década, projetos químicos e biológicos já vão estar sendo produzidos “em casa” por alguns entusiastas.

E aí, vai proibir o quê? Pensamento? Já passou da hora de perceber o que está acontecendo… Sob o risco das próximas décadas serem conhecidas como a era do “tapar o sol com a peneira”. Com uma humanidade cada vez mais incontrolável, começa a fazer cada vez menos sentido essa mentalidade de repressão e controle. Uma coisa é tratar as pessoas feito crianças quando elas tem dificuldades de se organizar contra o poder estabelecido. Agora… quando rifles de assalto forem mera questão de acesso à impressora mais próxima, as coisas não vão funcionar tão bem assim.

Como já vimos com todas as tecnologias prévias: Basta ficar barato e fácil de usar que o povo adere. Facebook e Twitter ajudaram a derrubar várias ditaduras em questão de meses. Vai dizer que o povo só não se rebelou em décadas anteriores porque se amarrava em uma repressão?

Continuem achando que proibir vai resolver alguma coisa, continuem…

Para dizer que essa postagem vai ser muito útil para os seus planos no carnaval, para dizer que para um cético eu me deslumbro muito fácil com tecnologia, ou mesmo para dizer que nada é mais poderoso que a estupidez humana: somir@desfavor.com

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Comments (46)

  • Não adianta nada proibir pq geral compra tudo assim mesmo e até fica mais gostoso!
    Mulherada anda na rua toda armada com aparelho de choque e spray de pimenta. Teve um dia que um tarado no metrô tava com a pica dura rossando na bunda duma mulher de repente ela mandou lhe o choque, o mané caiu pra trás em cima das pessoas, parecia ataque epilético com possessão demoníaca, metrô lotado mó barraco! Foi bem feito, ri pracaralho.
    Eu não imprimiria armas em 3D, já preferiria imprimir tetas, bundas e afins.

  • vai ser legal fabricar um 3 oitão todo personalizado em casa , mais acredito que isso ainda seja um coisa distante da realidade brasileira , talvez nos eua e na europa essa tecnologia chegue a população com mais facilidade

    • A questão do Brasil é que arma é barata e praticamente ninguém fiscaliza.

      Mas no quadro geral, esse componente meio “gambiarra” da impressão 3D tem toda a cara do brasileiro. Sites e mais sites com modelos piratas, adaptações “espertas” para economizar em matéria prima, gráficas 3D de esquina sem um pingo de supervisão do poder público…

  • Os processos básicos mais acessíveis são em plástico PLA (biodegradável) e ABS. A que eu tenho em casa é desse modelo. Você compra na Europa por umas 1,2 mil libras eu acho. Acho que foi isso que paguei na época.
    Já imprimi algumas peças para a própria máquina usando ela. Mas nunca pensei em usar esse tipo de material pra fazer peças de armas…

    • 1,2 mil libras? Além de caro, deve ser grande demais para meu diminuto apartamento. Que pena. Queria um para construir maquetes de guerra.

    • Ha He Hi Ho Hugo

      Tem a RepRap, vc monta em casa a impressora por uns 1500 reais, ou paga uns 2500 e pega montado.

      É um projeto opensource, e um bom inicio para o usuário domético.

      • O ultimaker tmb é open source e vc tmb monta o kit… não sei o pq da diferença de preço, mas a qualidade das impressões me impressionou. Foda é aprender uma ferramenta nova… nunca tinha usado esse solid works… e é um saco ter que ficar mudando de OS toda hora.

  • Ha He Hi Ho Hugo

    Tenho contato com impressoras 3d. Posso dizer que a coisa não será tão simples assim.

    Mesmo que se barateie mais ainda, que a velocidade de impressão aumente, etc, sempre haverá a necessidade de montagem de peças móveis que necessitam de vários materiais diferentes para se fazer uma estrutura mais complexa como uma arma ou gadgets como citou. E isso nunca será tão acessível assim.

    Mas é algo com bastante potencial com certeza.

      • Autocad não é mesmo animador e intuitivo. Vc poderia tentar o 3ds max, o Modo ou softimage.

        Se não tiver nenhuma noção de 3d, pode começar com o software da autodesk “123D”, poderá fazer modelos bem interessantes.

        • Achei que não dava para fazer coisas bem feitas para impressão com o 3ds Max… Com ele eu tenho um pouco mais de familiaridade. As funções 3D básicas do Photoshop/After acabaram me afastando dos programas 3D.

          Mas é certeza que a minha primeira impressão vai ser um teapot.

          • Aff, Somir, até EU uso o AutoCAD, não me decepcione.
            Eu sei que é contra os seus princípios, mas poderia fazer um curso de AutoCAD 3D for Dummies, ajuda bastante, se você não souber nada/pouca coisa. Pessoalmente, não tenho um pingo de paciência pra começar do zero em tutoriais, uma base sempre ajuda.

            • Eu também gosto muito do autocad embora não tenha conhecimento avançado sobre. Prefiro o photoshop + after + lightroom só p/brincar com fotos mesmo.

  • Mais itens de tecnologia existentes apenas na ficção virando realidade. Interessante.
    Hummm… He he he! Imaginando o que os suíços irão fazer com essa impressora.

    • O suíço, embora fanfarrão e esculachado por natureza, tem uma vocação impressionante para dar seu “jeitinho” nas coisas. Tenho a impressão que o centro da pirataria e da falsificação mundial vai mudar de continente…

    • Achei muito filosófico para entrar no texto, mas me passou pela cabeça que uma era de pouca ou nenhuma regulamentação pode até atrapalhar o desenvolvimento da tecnologia… As pessoas são realmente brilhantes e criativas quando PRECISAM contornar um problema.

  • Excelente texto.
    Ja e’ possivel ate encontrar empresas brasileiras fabricando essas impressoras a precos bem acessiveis.

    • A que eu vi vendendo uma pronta estava cobrando pouco mais de três mil reais… Tá bom que não é preço de banana, mas basta cair no gosto popular que desce fácil para menos de mil. Se pobralhada compra celular por esse preço…

      • Somir parece que é o núnico nerd que não é apaixonado por celulares modernos que fazem de tudo com aplicativos.
        Um colega meu importa celulares da China, mas não são aqueles xinglins merreca, são top com Android 4 atualizado, um puta processador e uma câmera poderosa. Paguei 400 dimas num desses aí que superam os Iphones. Tá certo que não tem garantia nem suporte no Brasil, mas que se dane, daqui a menos de 1 ano já tá desatualizado e vou querer comprar outro. Os chinas são foda!

      • Nunca vai cair no gosto popular, Somir. Dá trabalho fazer os modelos, aprender a trabalhar nas malhas. Aprendi no mestrado por causa do CFD da ansys *horas e horas esperando uma simulação que no final dá errado pq vc cometeu um erro idiota.*
        Dá trabalho de aprender, dá trabalho de usar. Brasileiro é vadio demais pra se dar o trabalho.

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