Desfavor Explica: Comunicação Quântica.

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Sim, chegou a hora de falar sobre algo que todas as crianças legais estão comentando: Mecânica Quântica! Seja para se inteirar com os assuntos do momento ou mesmo para impressionar aquela gatinha, entender um pouco mais sobre as propriedades das escalas mais ínfimas da matéria sempre vai ser popular!

Só que não.

Mesmo assim, boa parte das sonhos futuristas que vemos na ficção estão de alguma forma baseados nas possibilidades únicas desse importante campo da física. Desde computadores incrivelmente poderosos até mesmo viagens pelo espaço sideral, quase tudo pode ser traçado de volta para a ideia de transmitir informação através de interação com as menores escalas conhecidas da matéria. O caminho vai ler ser tortuoso, por isso precisamos estabelecer algumas informações…

INFORMAÇÃO

Informação nos ilumina, informação nos constrói. E não, não estou tentando começar um culto ou te vender um livro, é que informação num conceito mais generalista é um conjunto de elementos que podem ser compreendidos como uma mensagem. Este texto é informação, assim como o seu DNA também é. Para a Física, informação é tudo. E não ache que isso é uma figura de linguagem, quando dizem tudo, é tudo mesmo: Tudo é informação. Oras, faz sentido… resultados de medições não deixam de ser mensagens.

Quando você acende a luz de uma sala, recebe uma mensagem baseada num conjunto de elementos. E sem antropocentrismo: uma partícula recebe informação de outras partículas da mesma forma, só não tem uma consciência capaz de abstraí-la. Se um átomo de hidrogênio pudesse falar, te diria que é composto da união estável de um próton, de um nêutron e de um elétron antissocial girando por aí. Mas não se anime em começar a conversar com átomos, eles não falariam nada além disso. Como efetivamente falam cada vez que outro passa perto o suficiente.

E se você resolvesse ir mais a fundo nessa história e bater um papo com quem forma as partículas que por sua vez formam esse átomo, os quarks, o papo seria ainda mais chato: Só dois tipos deles formam átomos, o “up” e o “down”. Por pura fanfarronice, digamos que eles dizem “sobe” ou “desce” como um ascensorista entediado. Tudo bem, eles tem que passar informação consistente… se um quark “mudar de ideia” e resolver mudar de direção, o átomo decai e acaba tendo que mudar seu discurso!

Mas, ei, informação demais… Temos muitos bits à disposição, mas pouco espaço para tergiversar.

BITS

Bit vem do inglês “pouquinho” (mandei bem, não?) e é basicamente isso que é: uma unidade básica de informação usada na computação e comunicação digital. Um bit de informação só pode ter dois valores, ligado ou desligado ou mesmo os já famosos zeros e uns. Já deve ser de conhecimento quase geral, mas não deixemos ninguém para trás; o que o seu computador faz é transformar zeros e uns em informações mais complexas. No fundo no fundo os computadores que ocupavam salas e penavam para fazer contas simples usam o mesmo método para lidar com informação do que o seu iPobre caríssimo! O mundo mudou, os bits não.

Tanto que a evolução dos computadores acabou mudando um pouco de rumo nos últimos anos. Seja o tamanho do processador em questão, ele ainda tem que lidar com essa forma de analisar informações. Há um limite físico de quantos transistores podem ser enfiados num único chip antes de tudo terminar em dados corrompidos ou mesmo chamas. Os bits nos colocaram onde estamos, mas não conseguirão acompanhar nossas ambições na área da comunicação.

E é aí que o pedacinho fica ainda menor.

QUBIT

O qubit é um bit quântico. Não parece grandes coisas à princípio, mas a unidade básica da informação quântica é bem falastrona. Um qubit é medido de acordo com seu estado, ainda sim dividido em zero ou um, mas podendo ser visto de diversos ângulos diferentes, falando diversas coisas ao mesmo tempo para interlocutores diferentes (isso está tecnicamente errado, mas é uma das formas mais simples de explicar a ideia…). Bits são homens, qubits são mulheres. E se alguma mulher me chamar de machista depois de escrever isso, não é merecedora do elogio que acabou de receber.

Ah, lembram quando eu disse que um qubit só poderia ser medido em zeros ou uns? Eu menti. Eles ainda podem ser medidos com um suposto estado onde zero e um estão sobrepostos, só que não é tão prático assim: Os estados estão sobrepostos em tese, quando você mede de verdade você encontra um resultado bem menos ambíguo. De qualquer forma, mentes mais brilhantes que as nossas podem acabar tirando vantagem disso.

E outra para foder a cabeça de quem estiver lendo… bits TEM que ser zero ou um, qubits PODEM ser zero, um ou ambos. Não se sinta sozinho, todo mundo mexendo com computação quântica nesse mundo também está tentando entender essa confusão toda. A palavra-chave aqui é medição. Os valores potenciais do qubit acabam definidos quando algo ou alguém pergunta. O segredo da velocidade potencial da computação quântica está na capacidade de tomar “atalhos” ao calcular uma coisa ou transmitir informação.

Explicando de um jeito que não fica muito chato e que talvez traga físicos raivosos com tochas em mãos até a porta da minha casa: Um computador normal tem que analisar todas as possibilidades dos dados que tem que calcular, uma por vez. Mesmo que seja feito em paralelo por processadores distintos, ainda sim cada um deles tem que esgotar uma possibilidade antes de tentar outra. Na computação quântica, é possível tomar esses caminhos diferentes dentro de uma mesma operação, mesmo nessa maluquice toda do gato estar vivo ou morto ao mesmo tempo, há uma coerência “maior” na interação entre a matéria nessa escala. Assim que um desses computadores for montado e estiver funcionando, os processadores mais modernos vão parecer uma calculadora mecânica em comparação. Até porque essa é a escala real de diferença.

Mas a mecânica quântica tem mais uma carta na manga para a comunicação, uma que quase todos os estudiosos da área batem o pé que não funciona, mas é bem divertida: Comunicação mais rápida que a velocidade da luz (e não se esqueçam que informação é tudo!).

ENROSCADOS

Dependendo da forma como são gerados ou como acabam interagindo, partículas podem acabar entrelaçadas. Essa parte é a mais bem aceita, o fenômeno do entrelaçamento quântico faz parte dos princípios mais básicos da mecânica quântica. Partículas entrelaçadas, assim que medidas, entregam resultados confiáveis e inversos umas às outras. Se uma partícula enroscada diz “sobe”, a outra SEMPRE vai dizer “desce”. E aí o mais interessante: Não importa a distância.

Duas partículas entrelaçadas fazem isso sem necessariamente saber o que a outra está dizendo. Não é mágica, é lógica: Os processos pelos quais essas partículas tem que passar para ficarem presas definem seus próximos passos. Se elas não estivessem fazendo esse jogo “do contra” para começo de conversa, nem estariam entrelaçadas.

Pelo princípio da incerteza, quando você vai medir uma dessas partículas enroscadas pela primeira vez, não tem como saber o que ela vai dizer. Teoricamente ela é tudo o que pode ser ao mesmo tempo. Devidamente medida, ela informa o que é. Mas na outra partícula o princípio da incerteza perde a força: Você já sabe que ela está dizendo o exato oposto da que você mediu. Não porque elas conversaram, mas porque calha de nesse caso sempre ser o inverso. Por isso pode acontecer a um mícron de distância e à milhões de anos luz da mesma forma. É instantâneo por lógica, não por comunicação.

Já estraguei a graça da ideia a seguir, mas não custa mencionar: Se uma partícula sempre vai ser “zero” quando a outra for “um” e vice-versa, muita gente achou possível transformar essa desavença em bits. Faça a partícula A dizer “sim” e do outro lado da galáxia quem estiver observando a B vai ler “não”. Por um simples jogo de inversão, seria possível mandar informação mais rápido que a velocidade da luz.

Só que não. Assim que você mexe com a partícula A, o enrosco torna-se inválido e cada uma segue seu rumo. (não é BEM isso, mas nunca foi transmissão de informação entre as duas para começo de conversa)

A NÃO SER QUE… Vocês acharam que eu ia ser pessimista puro? Se quem estivesse de um dos lados dessa comunicação fosse capaz de definir exatamente cada um dos estados dessas partículas antes de começar a transmissão, seria até simples mandar a mensagem. Pena que o simples ato de ler a mensagem já muda a mensagem de forma imprevisível. É, não disse que teria uma solução.

Mas numa nota mais feliz: Teletransporte de átomos respeitando a velocidade da luz já é uma realidade. Não que a matéria corra esse caminho, mas o estado do qubit baseado nela sim. Explicando mongamente: Não é o corpo que vai, é a alma. Ainda precisa ter um corpo válido do outro lado.

ENTÃO?

Então. Nossas melhores chances estão na esperança que os inúmeros cientistas da área tenham feito uma besteira tirando conclusões precipitadas. O que, feliz ou infelizmente, não é raro. Stephen Hawking veio a público recentemente dizer que algumas de suas ideias principais sobre buracos negros provavelmente estavam erradas (achei dramático). Não cabe discorrer sobre isso aqui em detalhes, mas basicamente podemos dizer que novos estudos dizem que a informação (tudo) não se perde dentro de um deles. Ela bate numa parede e acaba sendo devolvida para o universo mesmo que em pedaços bem menores e mais queimados que os originais… Isso pode virar quase tudo que sabemos e prevemos sobre o Universo de cabeça para baixo.

Pra mim essa sempre foi a beleza da Ciência: não ter pudor de errar. Sempre vai ter espaço para quem tentar furar as certezas atuais com boas ideias e experimentos sérios. Mesmo que não possamos bater a velocidade da luz, talvez dê para imaginar. E imaginar já pode dar conta do recado, um qubit por vez.

Para dizer que estava com saudade desses textos sobre ciênça, para reclamar que não entendeu nada, ou mesmo para reclamar porque entendeu tudo: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • O Somir abordou de forma bem breve e básica o que seria o pontapé inicial na compreensão do computador de da mecânica quântica. Atualmente há uma disparidade na ciência, mais precisamente na física, onde você tem de um lado a física clássica e a sua capacidade de explicar o universo a partir do átomo até o universo inteiro e mecânica quântica que tenta (e ainda está longe de conseguir) explicar o que acontece em níveis inferiores aos átomos. Por um lado temos a física clássica e a gravidade agindo sobre tudo e todos e determinando o comportamento de tudo no universo visível e por outro lado a mecânica quântica é meio “independente” da ação da gravidade e tem suas prórpias leis e seu modo de funcionar. Qunado você tenta aplicar equações da física clássica em objetos quânticos, os resultados tendem ao infinito e você não tem uma resposta conclusiva sobre eles, ou quando você precisa saber a posição de um objeto e ela está em outro devido ao poder da observação que muda completamente o estado no qual tal objeto está, partículas teóricas (que acabam sendo explicações para variações que ocorrem e corre-se atrás de prová-las) que existem ou existiram em algum momento do universo, e quem não lembra do famosíssimo bóson de higgs? A mecânica quântica é vista como a resposta, ou meio para tal, na chave da compreensão completa do universo e da razão de ele ser como é!

  • Somir, pelo que me lembro, o termo “bit” vem da abreviação de “binary digit”. Não seria o termo inglês para “pouquinho” que veio da informática, ao contrário do que você afirmou?

  • Texto show! O tema é realmente sensacional. Mas eu acho que computadores quanticos vao demorar mesmo para chegar aos seres humanos comuns. Viagens espaciais e celulas tronco em orgaos artificiais 3D virão primeiro. Imprima seu fígado novo em casa e vá para Marte.

    • Os mais otimistas sobre o assunto falam em décadas, então o negócio é esperar e tentar estar vivo até esse dia chegar, pois nem que eu esteja com 90 anos quero poder pessoalmente testar um computador quantico e comprovar a sua superioridade sobre os antigos PCs.

  • Opa, eu sempre gosto dos textos do Somir sobre “ciênça”! Principalmente os relacionados a informática.

    Mas Somir, tem uma coisa que eu li a algum tempo atrás que me desanimou um pouco, dizia que a computação quântica levara alguns anos, ou até décadas para substituir os PC’s caseiros, e por enquanto os pouquissimos PC’s quanticos existentes são pra uso muito especifico em pesquisas.

    Eu li aqui -> http://www.tecmundo.com.br/computacao-quantica/26352-o-que-existe-dentro-de-um-processador-quantico-.htm

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