Des Contos: Ozon – Parte 5

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O chiado alcançava notas cada vez mais agudas, dificultando muito a compreensão de Heitor sobre as palavras preferidas pela sôfrega voz do Piloto.

HEITOR: Onde você está?
PILOTO: …escuro …tún… rad… ão… cabine…
HEITOR: Está muito ruim… fala o setor. O setor! Olha na parede!
PILOTO: …dor …e… e… um… túnel…
HEITOR: E1? Você está no E1? Piloto?

Estática. Heitor tenta mais algumas vezes, mas do outro lado não há mais nenhuma resposta. Desorientado pelo nervosismo, busca com o olhar por algo que ao menos sugira um plano de ação. Encontra um armário sinalizado por um mapa estilizado, o qual não demora para abrir. Lá dentro plantas impressas do local, especialmente ilustradas com rotas de fuga e áreas de interesse em caso de panes generalizadas.

Logo consegue perceber que a única alternativa ao íngreme túnel de dezenas de quilômetros de extensão que separava a área de entrada de onde estava era uma longínqua cápsula de escape vertical que desembocava na superfície do planeta. Mesmo que conseguisse chegar até ela rapidamente, ainda sim precisaria percorrer vários quilômetros no incrivelmente inóspito solo ozone e arrombar um portão de centenas de toneladas de aço reforçado para chegar até o Piloto. Não havia alternativa de ação além de tentar reiniciar o sistema geral manualmente.

E isso significava descer até o reator, na borda da área de mineração. Um abismo de mais de vinte quilômetros de circunferência e dois de profundidade. Nenhum metro dessas dimensões superlativas projetado para suportar vida humana. Ou qualquer tipo de vida… Heitor calcula suas probabilidades de sobrevivência escondido na caixa-forte, poderia se acovardar por lá durante um ou dois anos caso economizasse seus recursos, mas nada nem próximo do necessário para esperar seu sucessor. Envergonhado por sequer considerar a possibilidade de abandonar um homem ferido numa situação calamitosa dessas, Heitor chacoalha a cabeça em desaprovação e resolve preparar-se para sair.

Baterias e tanque de oxigênio do traje recarregados, ele coloca o ouvido no metal da porta. Parece tudo silencioso do lado de fora. Uma das mãos digita o código de abertura, a outra segura firmemente o rifle. A porta se abre rapidamente, pegando Heitor de surpresa com o vulto do outro lado. O dedo no gatilho – típico de amadores – retesa-se instintivamente, disparando um pulso de energia em direção ao robô que esperava lá fora.

O andróide médico, firme em sua ordem de escoltar o humano, recebe um tiro certeiro num dos braços, que brilha e derrete com a energia liberada. Mesmo assim, ele mantém o equilíbrio. Sua cabeça procura pelo membro perdido, ligando sua poderosa lanterna no processo. A iluminação extra mostra a Heitor a extensão dos danos sofridos pelo autômato durante sua batalha recente. Não fosse um refugo de guerras antigas, jamais teria aguentado tanta punição e ficado funcional para contar a história. Fiação exposta, placas de proteção derretidas, faíscas constantes…

HEITOR: Desculpa…
ANDRÓIDE MÉDICO: Ameaça primária eeeeeeeeee…. liminada. Znap. Modo de emergência aaaaaaaaaaaaaaaaa… tivado. Brrrt. Aguardando ordens.
HEITOR: Preciso ir até a área do computador central. C-9. Escolte-me.
ANDRÓIDE MÉDICO: Confiiiiiir… mado. Znap. Favor seguir.
HEITOR: Ah… obrigado.

Heitor e seu acompanhante avariado seguem novamente pelos labirínticos corredores do setor administrativo, dessa vez Heitor segurando o passo para não deixar o andróide para trás. De tempos em termos Heitor escuta passos metálicos nas adjacências, esperando nervosamente pelo afastamento da fonte para voltar a se movimentar. São quase vinte minutos de caminhada, descendo degrau a degrau pela impressionantemente vasta Mina Ozon-C. Nenhum dos elevadores funciona, muitas portas precisam ser arrombadas no trajeto.

Finalmente os dois chegam até às imediações da Fábrica. Setor C-8, onde são construídos e reparados os robôs de mineração. Contrastando com a escuridão do caminho até ali, a Fábrica parece muito bem iluminada. Heitor observa a movimentação no local através de uma diminuta janela na área que separa os setores, visão privilegiada do alto. A Fábrica estende-se por centenas de metros, pé-direito igualmente grandioso, lá dentro uma enorme linha de produção parece funcionar como se nada de anormal acontecesse. Os robôs de mineração vão sendo expelidos um após o outro, impressionantes eles mesmos pelas suas dimensões.

Ao contrário dos robôs médicos, militares e de manutenção, os mineradores em nada lembravam formas humanas. Pintados com uma berrante camada de tinta vermelha, assemelhavam-se mais à veículos militares com braços. Uma perfuratriz de pulso energético num deles e um pistão de ferro cristalizado no outro. No final da linha de produção, dezenas deles movimentavam-se lentamente sobre suas esteiras criando uma espécie de formação diante da saída para a área de mineração.

HEITOR: Tem outro caminho para o C-9?
ANDRÓIDE MÉDICO: Neeeeeeee… gativo.
HEITOR: Se essas coisas estiverem contra a gente, não temos a menor chance de escapar. Eu já vi o que os canhões deles fazem com a rocha…
ANDRÓIDE MÉDICO: Deseja conhecer mais sobre Mineradores… Znap! Conquest A99?
HEITOR: Eles tem algum ponto fraco?
ANDRÓIDE MÉDICO: Armadura frontal 95% maaaaaaaaa… is resistente que a traseira.
HEITOR: Faz sentido… eles não foram feitos esperando ataques. Só pedras voando mesmo. Bom, chega de pensar, vamos agir!

Heitor dispara seu rifle contra a trava da porta. A falta de ar no local ajuda bastante para mantê-los disfarçados. Há apenas um caminho possível para humanos na longa descida até o chão da Fábrica. Heitor manda o andróide médico descer na frente pelo elevador energético, enquanto pisa mansamente no chão gradeado, dezenas de lances de escada à sua frente. Em poucos segundos o robô está no chão, sem chamar atenção de nenhum dos mineradores.

Heitor suspira aliviado, mas tem sua paz prontamente eliminada pelo começo da movimentação das grandes máquinas paradas em frente à entrada principal do poço de mineração. Elas começam a rugir seus motores e o distinto som do carregamento de pulsos energéticos toma conta do ambiente. Antes que pudesse pedir o status da situação para seu companheiro metálico, os sistemas de comunicação de seu traje começam a falhar. O aviso de níveis de radiação perigosos pisca intermitentemente diante de seus olhos.

Heitor observa impressionado quando inúmeros andróides começam a adentrar a Fábrica pela enorme boca da mina. Os robôs mineradores não vacilam: disparam seus pulsos energéticos contra os invasores, eliminando-os de forma explosiva e barulhenta. Disparos da força invasora começam a chegar perigosamente perto de Heitor, que decide acelerar o passo rumo ao fim da escadaria. Entre um susto energético e outro, percebe que a vantagem numérica dos andróides aparentemente do tipo militar começa a equilibrar a batalha. Logo eles conseguem atravessar a barreira inicial e atiram na parte mais vulnerável da proteção dos grandes robôs mineradores.

O pouco oxigênio disponível não permite que as máquinas peguem fogo, mas mesmo assim a luz oriunda da troca de tiros chega a ser cegante em alguns momentos. Num desses flashes, Heitor pisa em falso e rola um lance inteiro de degraus. O traje absorve boa parte do impacto, mas não o suficiente para que seu tornozelo deixe de enviar um urgente sinal de dor para o cérebro. Com alguma dificuldade, ele continua a descida mesmo mancando. Logo pode ver o andróide médico fazendo o caminho oposto, em sua direção.

Incapaz de enviar ordens à distância, Heitor acena desesperadamente para seu companheiro. Um dos andróides militares havia desgarrado do grupo e parecia concentrado no avariado autômato. Talvez pelas suas rígidas diretrizes de proteção de humanos, o robô não parecia interessado em olhar para a direção que Heitor apontava. Assim, ele decide resolver o problema por conta própria: cinco disparos rápidos de seu rifle voam em direção ao andróide militar. Apenas um deles conecta com o alvo, mas suficientemente bem apontado para destruir sua cabeça; ele desaba no final da escada.

O andróide médico finalmente encontra Heitor no meio do caminho.

HEITOR: Estamos quites!
ANDRÓIDE MÉDICO: Caaaaaaaaaaaaal… culando probabilidades. Pronto. Níveis de carga do rifle exauridos. 2% de chances de sucesso sem carga, 3,5% de chances de sucesso com carga. Tomando decisão autônoma de acordo com diretriz primária.
HEITOR: Hã?

O andróide encaixa um pino de metal saído de seu pulso diretamente na lateral do rifle de Heitor. A carga do rifle começa a preencher. Heitor percebe o que está acontecendo e puxa a arma.

HEITOR: Você não vai me deixar sozinho!
ANDRÓIDE MÉDICO: Decisão autônoma neeeeeeeeee… cessária. Níveis de estresse do gerente incompatíveis com tomada de decisão.
HEITOR: Eu tenho um tiro agora. Já está suficiente. Sua bateria já está fraca… E… CUIDADO!

Mais um dos andróides militares aproxima-se. O médico posta-se na frente de Heitor. Mesmo assim ele consegue perceber que o andróide tinha algo de diferente dos que vira anteriormente. Em várias partes de sua estrutura, um estranho metal escuro parecia remendar buracos e rachaduras em suas placas de armadura. Um suave pulso esverdeado emanava intermitentemente de pequenas ranhuras no material. O militar segue com seu rifle apontado, mas sua cabeça mexe-se de forma curiosa. É como se ele estivesse… pensando?

ANDRÓIDE MILITAR: Você pretende religar o sistema?
HEITOR: S… sim.
ANDRÓIDE MILITAR: Confirmado. Aguarde.

Heitor fica sem reação. Ainda mais quando outros cinco dos andróides militares – todos com o mesmo padrão estranho do metal escuro em suas estruturas – saltam em sua direção. Eles parecem formar um cordão de isolamento ao redor de Heitor.

ANDRÓIDE MILITAR: Favor seguir.

Após descer os últimos lances de escada até o chão da Fábrica, os militares continuam ao redor de Heitor. O médico segue logo atrás. Assim que chegam perto da linha de produção, chamam a atenção de um recém-construído grupo de mineradores. Com poderosos tiros de suas perfuratrizes, eles eliminam quatro dos protetores de Heitor, que grita insistentemente o Código de Controle. Logo outros aparecem para ocupar seus lugares. Com grande dificuldade, mas intacto, Heitor é finalmente deixado numa área mais segura, na entrada de um corredor secundário longe do fogo cruzado. Incrivelmente, o andróide médico também consegue fazer o caminho com o que lhe restava de intacto.

ANDRÓIDE MILITAR: O setor C-9 fica logo à frente por este corredor. Não podemos te acompanhar, mas vamos proteger essa entrada para te ganhar o tempo necessário.
HEITOR: Obrigado!
ANDRÓIDE MILITAR: Boa sorte!
HEITOR:

Continua na parte 6.

Para dizer que agora finalmente aconteceu alguma coisa, para reclamar que mesmo assim foi chato, ou mesmo paaaaaaaa… ra… Znap!: somir@desfavor.com

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