Futebol for dummies II – A jornada.

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Desfavor Convidado: Futebol for dummies II – A jornada

Dando continuidade ao nosso “passeio turístico guiado” no esporte das multidões, vamos em frente. Já vimos que um jogo de Futebol (de Campo) – ou seja, não é Futsal, Futebol Suíço, Futebol Society, Futebol de Praia, Futebol de Rua, pelada ou qualquer outra variação – funciona com as regras descritas na primeira postagem desta série e envolve papéis diferenciados – por isso a analogia com um RPG. Como o lado competitivo e o lado estético dos lances atraem espectadores, muitos dispostos a pagar para assistir aos jogos, há todo um negócio – os administradores médios adoram empregar o estrangeirismo business – que gira em torno da transmissão dos jogos, venda de camisetas, divulgação de notícias, publicidade e por aí vai.

Isso faz com que os jogos e a vida particular dos jogadores e treinadores se torne alvo do interesse do público, daí o lado reality show, uma vez que implica na participação do torcedor no destino destas celebridades e sub-celebridades. Tirando os boleiros de final de semana, se formos pensar no futebol profissional, os jogadores se agrupam em clubes ou agremiações de futebol (times), que pagam os seus salários com dinheiro das fontes já comentadas. Além de remunerá-los, os clubes pagam um técnico e mais uma porção de profissionais que contribuem para a preparação física, técnica, tática e de comunicação desta rapaziada (melhorar os atributos das personagens). Como ninguém quer torcer para quem perde ou vincular seu produto a uma marca sem sucesso, é preciso fazer as vitórias valerem muito, criando uma espécie de ranking dos clubes, que passam a competir entre si. Para isto são criados torneios, federações e seleções destas federações, estatutos, Justiça Desportiva e toda uma burocracia. Assim sendo, para que se saiba qual time é “o melhor”, os clubes embarcam em jornadas chamadas torneios, cada um recebendo um tipo de título, por ex.: “Torneio Rio-São Paulo”, “Copa do Brasil”, “Campeonato Brasileiro”, etc. Dependendo do jogo fazer parte ou não de um torneio, seguirá regras adicionais às do jogo para determinar quem passará de fase, quem será campeão, quais as medidas para assegurar a disciplina dos jogadores e moderar a violência durante a competição, entre outras coisas. Vamos aos tipos de jogo e às regras mais comuns das jornadas:

Jogos de exibição: há jogos que não valem nada, são uma espécie de “café-com-leite” no mundo futebolístico, tendo por finalidade promover um espetáculo/ confraternização, destinando-se o dinheiro arrecadado à filantropia (por vezes pilantropia também). São aqueles jogos do tipo “Amigos da onça vs Amigos do alheio” que ocorrem no meio ou no fim do ano, nas férias dos jogadores, com participação de celebridades. Estes jogos são pura diversão e é mal visto dar porrada ou reclamar dos outros, então o juiz fica meio figurativo na brincadeira. Como não há pressão por resultados, os jogadores arriscam lances mais bonitos, sem medo de reclamações, e aí está a graça para quem vai assistir. Geralmente o número de substituições é livre e todo mundo é posto para jogar, muitas vezes misturando-se gente de dezesseis anos com gente de cinquenta. Gols marcados em jogos de exibição normalmente não são computados para o currículo dos jogadores, pois são jogos extraoficiais. O melhor jogo de exibição que eu assisti foi “Europa vs Resto do Mundo” em 1982, depois da Copa realizada na Espanha.

Jogos amistosos: não fazem parte de campeonatos, servindo para preparação dos times/ seleções e para fazer caixa. Como o nome já sugere, nos campeonatos vale a máxima “amigos, amigos, negócios à parte”. Porém, os “amistosos” nem sempre são tão amistosos assim, dependendo da rivalidade entre os clubes ou seleções. Por isso, nos dois lados da fronteira vale a máxima de que não existe jogo amistoso entre aquele time de verde e amarelo e aquele do solzinho nas listas celestes e brancas. Atualmente, como a agenda de campeonatos dos clubes é apertadíssima, geralmente os jogos amistosos são disputados por seleções nacionais ou por clubes que não se classificaram para as competições importantes. O número de substituições é acordado antes do jogo, a porrada e a reclamação ocorrem em grau moderado e o Juiz tem que botar ordem na casa. Geralmente são considerados jogos oficiais e os gols marcados valem para o currículo dos jogadores.

Jogos de campeonato: são levados a sério por todo mundo que pertence ao universo futebolístico. Se bobear, o pau come dentro e fora de campo, por isso tem policiamento e o Juiz tem que ter pulso firme. Já morreu jogador da Colômbia por ter feito gol contra em Copa do Mundo, só pra dar uma ideia do naipe das torcidas. É preciso muito mais colhões para tentar uma jogada arriscada, porém de efeito plástico, por isso jogadores que unem o espetáculo à competitividade são tão valorizados, dado o risco que correm em caso de erro. Há campeonatos mais valorizados e outros mais mixurucas. Como o mundo tem muitos clubes e seleções, a disputa para entrar nos torneios importantes é enorme, sendo as vagas disputadas em outros torneios. As regras de cada campeonato são fixadas antes das inscrições dos jogadores e nelas ficam estabelecidos o formato (número de fases ou turnos, jogos classificatórios e/ou eliminatórios), critérios de desempate e medidas disciplinares previstas (suspensão de jogos, perda do mando de campo, etc.). Em torno dos vacilos dos clubes quanto ao cumprimento do regulamento é que giram aquelas decisões na Justiça Desportiva (vulgo Tapetão), como a que jogou o Fluminense de volta para a “série A” em 2014. Em jogos de campeonato, normalmente são permitidasa cada time três substituições por partida. O número de reservas inscritos para cada jogo depende do campeonato, ficando entre seis e onze.

O caminho para ser campeão: as diretorias de clubes e os representantes da federação se reúnem e pensam no formato que o torneio deverá ter para dar mais renda, ou seja, atrair mais público nos estádios, dar mais audiência na TV, captar mais recursos dos patrocinadores. Normalmente os campeonatos se dividem em fases, podendo estas ter os clubes divididos em chaves onde todos jogam entre si, sendo eliminados os de pior classificação (ex.: primeira fase da Copa do Mundo), ou ser emparelhados em duelos eliminatórios (vulgo “mata-mata”; ex. jogos da Copa do Mundo das quartas de final em diante). Isso dá origem diferentes esquemas básicos para campeonatos, sendo os mais comuns apontados a seguir:

a) Todo mundo contra todo mundo em turno e returno: é a forma mais comum de disputa dos campeonatos nacionais. Cada time joga duas vezes contra cada oponente, um em sua casa (entra como time “local”), outro na do adversário (entra como time “visitante”). No fim do campeonato, somam-se os pontos obtidos (3 por vitória, 1 por empate, 0 por derrota). Quem terminar com mais pontos é o campeão. Se dois ou mais empatarem nesse quesito, são apresentados outros critérios, por ordem, até que se desempate: número de vitórias, saldo de gols, ataque mais positivo, etc. Sempre são categorias quantitativas, para evitar aquelas coisas subjetivas de desfile de escola de samba. Então não entram critérios como “melhor uniforme”, “torcida mais animada”, “melhor coreografia de comemoração de gols”, “melhor penteado”, “pernas mais bonitas” enquanto o Jean Wyllys e o Luíz Mott não entrarem para a CBF (pausa para as vaias e gritos raivosos de “homofóbico!”). Não tem prorrogação, nem disputa de pênaltis ao final das partidas. Vantagens: é simples de entender e acompanhar; é justo, pois vale a melhor campanha, contrabalançando bons e maus momentos. Desvantagens: chega uma hora em que o campeonato fica praticamente definido, então a maioria dos jogos fica sem grande interesse, ocorrendo só para cumprir tabela. Falta de interesse = pouca audiência = pouco retorno financeiro. Para sanar este problema, como normalmente existem clubes de futebol de sobra, há diversos campeonatos paralelos. Assim, ao final os times da rabeira da “série A” descem para a “série B”, trocando de lugar com os primeiros colocados da “série B”, e assim vai alfabeto afora. Além disso, como há campeonatos internacionais de maior ou menor importância, a classificação no campeonato nacional garante ingresso nestas competições. Daí, ao final do campeonato não está valendo só a briga pelo título, mas também para não ser rebaixado ou para se classificar para torneios importantes. Aquelas contas que seu namorado faz para saber de quanto seu time precisa vencer ou pode perder se devem aos já mencionados critérios de desempate.

b) Mata-mata: os times são emparelhados (em + par = de dois em dois) e jogam de modo eliminatório, geralmente em duas partidas (em casa e na casa do outro). Se for só um jogo, quem perder sai. Se o jogo empatar, em seguida tem um minijogo chamado “prorrogação”, com dois tempos de quinze minutos, sem intervalo. Se permanecer empatado, ocorre a famigerada disputa de pênaltis: cinco cobranças para cada time, de forma alternada, sem poder repetir cobrador. Se continuar empatada, prosseguem as cobranças alternadas, uma para cada time até desempatar. Caso o empate persista até o último cobrador, começa-se novamente pelos que já cobraram, na ordem. Porém, sempre alguém erra uma cobrança porque neguinho já está com as pernas duras, os nervos em frangalhos e cansado demais para o corpo obedecer. Quando são dois jogos, o regulamento pode ou não estabelecer critérios de desempate em função de gols marcados fora de casa. Isso é um jeito de evitar que os visitantes coloquem todo mundo parado na frente do próprio gol e fazer com que tenham ímpeto para atacar. Aí, só tem prorrogação, pênaltis e essa novela se os times empatarem também em número de gols marcados fora de casa. Como o torcedor gosta de emoções fortes, por mais injusto que seja, mata-mata dá a maior empolgação. O grande “senão” é que os mortos não faturam, então dá prejuízo para os eliminados, que precisam virar zumbis e jogar amistosos para fazer caixa.

c) Formatos mistos: para ter emoção e minimizar o prejuízo dos menos vitoriosos, há campeonatos que juntam uma fase com chaves (todos da chave jogam entre si, os de maior pontuação avançam, os demais são eliminados) e outras de mata-mata, até sobrar o campeão.

Dos suspensos e pendurados: embora no léxico os termos sejam sinônimos, no jargão futebolístico um jogador está “suspenso” quando não poderá jogar um ou mais jogos em função de ter recebido um cartão vermelho na partida anterior ou um somatório pré-determinado de amarelos nas partidas anteriores. O jogador está “pendurado” quando falta um cartão amarelo para ele ser suspenso.

Parte da graça do futebol está em vencer, parte em zoar quem perdeu, principalmente se for um arqui-rival. Afinal de contas, se o Batman só prendessse bandidos comuns, não daria mais do que três gibis. Quem é da literatura sabe que um grande antagonista é fundamental. Em cada cidade onde morei, adotei um dos times locais só para participar da parte mais divertida de ser torcedor: a schadenfreude (palavra alemã que significa se alegrar com a desgraça alheia). Pena que o Hitler acabou com a possibilidade dos alemães desfrutarem a schadenfreude. Por um deboche minúsculo – em que diziam que eles podiam andar empertigados, enquando os rivais estavam curvados com o fracasso – foram tachados de racistas. Eu admiro a literatura e o cinema argentinos, acho o Piazzolla genial, gostaria de todo coração que os “hermanos” se reerguessem dessa situação econômica lamentável. Digo mais: admiro o futebol argentino, de garra e ótimo toque de bola. Torci por eles em uma final de Copa do Mundo (1986) e contra eles em duas (1990 e 2014). O único motivo de ter torcido contra foi que eles estavam chegando perto do nosso número de títulos e porque estavam em nossa casa. Não é xenofobia, é vencer o jogo da zoação. Se os argentinos já encheram nosso saco em 2014 com uma vitória de 1990 – a única que o Maradona teve contra o Brasil nos seis jogos que disputou – cantando o “Decime qué se siente” durante a Copa inteira, vencerem em nossa casa seria mil vezes mais vexatório que perder de 7 X 1 para a Alemanha.

Agora que vocês já sabem das regras do RPG e dos objetivos mais comuns das jornadas, poderão entrar no maravilhoso mundo da construção das personagens. Quem quiser, levante a mão!

J. M. de S.

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Comments (9)

  • Com “texto claro que nao precisa de comentarios” me referi aos comentarios que agregam informacao e nao áqueles “marca presença”, tipo este meu. Óbvio que a clareza do post nao excluira a possibilidade de comentarios.

  • Manda a parte tres sim. Seu texto é bastante claro. Por isso, pode acontecer de muitos lerem e nao comentarem. Seria o meu caso, que li ate o fim, caso nao visse o seu comentario sobre a audiencia. Quanto à construcao das personagens, optei pelos que ja estao prontos: Fantasma(Fred), Desincrivel Hulk(identificacao obvia), Kaníba Suarez(tipo o Blanka do Street Fighter) e Zuniga Quebra-lombo(esse tem golpes legais) …tem mais ai, que me fugiram da lembrança.

  • “Gols marcados em jogos de exibição normalmente não são computados para o currículo dos jogadores, pois são jogos extraoficiais.” Mas com todo mundo querendo chegar aos 1000 gols deve ter gente contando até os que fez na hora do recreio na escola.
    “(pausa para as vaias e gritos raivosos de “homofóbico!”).” hahahaha!
    Emoção vamos ter se o Flamengo cair para 2a divisão. Vai descer o morro e incendiar a sede. Eu ia achar muito engraçado uma vitória da Argentina no Maracanã.

    Aguardando a parte III.

    • Sem dúvida, tem gente computando os que fez no futebol de botão e no pebolim, se duvidar. Acho que, depois deste comentário, o pessoal do Cirque du Soleil não te vende mais ingresso com medo de comportamento incendiário. ;-)

  • viado muito dado

    Eu jogo futebol no video gay me. Uma duvida de leiga: Eu tb adoto times nas minhas cidades, sou Flamengo no Rio e Sao Paulo em Sampa, Inter no RS, qual a babaquice de dizer, ah sou tricolor? Como se fosse obrigatorio torcer pelos tricolores Flu/SP/Gremio?

    • Aí entra uma parte de cunho antropológico, que tem a ver com a adoção de cores tribais e de um totem. O Corinthians e o Figueirense, por exemplo, são times irmãos e adotam o gavião como totem, então as duas torcidas organizadas têm uma espécie de simpatia, dentro do possível. O mesmo ocorre com o Palmeiras e o Avaí, que têm as organizadas Mancha Verde e Mancha Azul, com o Mancha Negra da Disney como ícone. Coisa do lado primitivo do ser, com necessidade de afirmação da própria virilidade. Para mim, isso de ser macho demais é coisa de viado.

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