Falso vácuo.

Quando falamos de vácuo, provavelmente você deve pensar numa daquelas embalagens seladas. Os mais inclinados a pensar “fora da esfera” vão imaginar os arredores de nosso planeta, onde não há ar nenhum para se respirar. Na vida cotidiana vácuo é sinônimo de ausência de ar… Mas quanto mais de perto a ciência observa o vazio, mais coisas parece encontrar. Algumas delas… assustadoras.

VAZIO?

Vamos situar melhor as coisas para não te deixar no vácuo… (pronto, já fiz o trocadilho!) Vácuo vem do latim vazio (ou vago). Apesar da ideia de vácuo como ausência ter lá seus méritos, o buraco é um pouco mais embaixo, aliás, bem lá embaixo: lá na escala quântica das coisas.

Como a história nos prova, essa coisa de relacionar o que vemos com o que realmente está lá tende a nos pegar de calças curtas. A física quântica está aí para nos mostrar que “esvaziar” qualquer coisa é bem mais um exercício de imaginação do que qualquer outra coisa. Não bastassem partículas como o neutrino, que não interagem eficientemente com nada que conhecemos, ainda temos toda a ideia de partículas virtuais energizadas “aparecendo e desaparecendo” da nossa realidade, aniquilando-se no processo.

O nome disso é flutuação quântica. Do “nada” surge um par de partícula e antipartícula (com cargas opostas), eles se encontram e desaparecem. Não, sério… elas aparecem e desaparecem, sabe-se lá de onde. Mas não deve ser uma falha na nossa Matrix: segundo o princípio da incerteza de Heisenberg (não o que vende drogas), quando se chega nessa escala da matéria/energia, fica impossível medir coisas como velocidade e carga de uma partícula ao mesmo tempo. Ou se sabe uma coisa, ou outra. Essas partículas “mágicas” que aparecem e desaparecem na verdade não precisam vir de uma cartola universal: se estão se aniquilando, podemos medir, se não estão, não daria mesmo para vê-las para começo de conversa.

EFEITO CASIMIR

Ah é, se elas se aniquilam e não podem ser vistas em outras situações, como então sabem que elas estão lá? Oras, como é de costume na ciência, alguma outra coisa denuncia: neste caso, placas de metal.

Cientistas se amarram em criar um vácuo perfeito. Razoável, afinal, quanto menos coisas interagindo num experimento, mais fácil identificar os resultados dele. Num deles, tiraram tudo o que dava do sistema (ar e correntes elétricas) e colocaram duas placas de metal MUITO próximas uma da outra. Mas bota MUITO nisso: nanômetros de distância (um nanômetro = um bilionésimo de metro). Em tese, não tinha nada para interagir entre as duas placas.

Na prática, surgia uma forma de atração ou repulsão (varia de acordo com a configuração das placas) entre elas, como se fossem imãs, e sem nenhuma outra explicação lógica. A não ser, é claro, que tivéssemos mais coisas acontecendo naquele “vazio” entre elas. As partículas virtuais estavam à toda naquele micro espaço, aniquilando-se alegremente para confundir os pesquisadores. A interação delas com as placas gerava a reação medida. Movimentar as placas, mesmo que só mais alguns nanômetros, arruína o efeito.

Mesmo quando conseguiram tirar tudo o que imaginaram de um lugar, descobriram que tinha mais coisas. Ou seja: o vácuo como ausência de tudo não é um conceito muito prático. Alguma coisa vai estar lá. Mesmo que “virtualmente”.

EQUILÍBRIO

Ok. Vazio VAZIO mesmo não é muito realista. Mas mesmo assim o vácuo (o melhor que conseguimos produzir) é importante para criar um lugar-comum para a ciência. A velocidade da luz é contada no vácuo. Não no vazio, mas no vácuo.

Ficou mais lógico considerar vácuo “prático” um sistema onde as coisas estão bem calmas. Vácuo é uma estrada tranquila, o resto é a Marginal na hora do rush. Mesmo que na estrada ainda existam coisas que possam interagir com seu carro, é bem mais fácil planejar o horário de chegada ao passar por ela.

O bom do vácuo é que ele é mais previsível. Chegar no ponto de não ter nenhuma perturbação nele significaria um (até agora) impossível estado de energia zerada. Impossível pelo princípio de Walt… Heisenberg! Se tem energia zero, saberíamos onde está e sua velocidade. E isso é crime. Ou uma coisa, ou outra, sem exceções.

Não pode zerar, mas pode chegar bem perto. Quando uma partícula chega no seu limite mínimo de energia, dizemos que ela está em seu estado fundamental. Sossegou. Não tem como ficar com menos energia. Tipo um baiano dormindo. Se um sistema chegar no estado fundamental, temos o vácuo mais perfeito possível. Na prática nos contentamos com bem menos do que perfeição, mas esta explicação não é só encheção de linguiça.

Você tem que entender que o vácuo é um sistema estável com o mínimo possível de energia para perder para poder entender como isso pode destruir o Universo.

Hã?

MEU UNIVERSO, MINHA VIDA

Tirando alguns pontos muito excitados (como nós), o Universo é um lugar muito calmo. Trilhões de quilômetros de silêncio gélido pontilhados por matéria e energia identificável. E essa calma toda é uma das bases das nossas leis da física. As coisas funcionam como funcionam baseadas nesse limite mínimo do vácuo.

Em mais um exemplo fanfarrão e simplista: o vácuo é mais ou menos como a fundação de uma casa. Um terreno liso e estável que vai conseguir segurar você e as paredes. Você só constrói a casa ali porque ela não vai afundar no solo, certo? (claro, a não ser que você seja um arquiteto em Veneza) A casa e tudo o que está nela depende dessa fundação, todo o projeto se baseia nela para continuar de pé.

Considerando que o vácuo é essa fundação, o Universo foi se construindo com a “certeza” que dali não desceria mais. O limite mínimo de energia é aquele e disso não passa. Nossas leis da física são o projeto da casa. E até agora o projeto vem se mostrando bem confiável… conseguimos prever relativamente bem como as coisas vão acontecer no futuro.

O BURACO É MAIS EMBAIXO?

O problema disso tudo é que não temos certeza se o chão é de rocha ou de areia… O vácuo é muito estável e pode mesmo ser o limite mínimo no qual basear as leis da física, mas como a matemática nos ensina, existem infinitas casas decimais entre 99,999% de certeza e 100% de certeza.

O vácuo pode ser real do jeito que o conhecemos, sim. Mas ele também pode ser um pouquinho menos energético ainda. E o que esse pouquinho pode fazer vai te pegar de surpresa. Consideremos que ao invés de estar no fundo do poço, o vácuo esteja na verdade sentado numa pedrinha no fundo do poço. Está estável, mas um pouco mais alto do que seu limite mínimo real.

Pode ser que ele nunca saia de cima dessa pedrinha, mas nada impede que saia. O vácuo fica mais vácuo? Grandes coisas! É… grandes coisas mesmo. Se estivermos vivendo num Universo com um falso vácuo e por algum motivo qualquer um desses incontáveis pontos onde ele predomina descer da pedrinha e sentar o traseiro no fundo do poço de verdade… game over.

Aquele pedacinho do espaço que finalmente chegou ao próximo estágio de estabilidade do vácuo começa a expandir. A energia “a mais” que ele estava carregando é expulsa, e é como se ele virasse um buraco na fábrica do espaço. O vácuo falso próximo dele vai escorregar, aumentando o buraco. E assim sucessivamente, sem NADA no Universo para parar a reação em cadeia.

O vácuo verdadeiro se expande numa bolha, próximo à velocidade da luz. Repetindo: NADA vai parar essa bolha de crescer. E dentro dessa bolha, as leis da física mudaram… o mínimo é outro. Matéria e energia dependem de um equilíbrio pra lá de tênue para existirem da forma como conhecemos. Mude um bilionésimo na fórmula e o Universo vira uma fundação de areia.

O vácuo como conhecemos está num estado chamado de “metaestável”. Não podemos saber se ele pode ter valores ainda mais estáveis, por enquanto serve. O vácuo que conhecemos é verdadeiro até a natureza provar o contrário.

CIÊNCIA!

Esse evento teórico de destruição de tudo o que conhecemos pode acontecer a qualquer momento, em basicamente qualquer lugar deste Universo absurdamente “vazio”. Aliás, já pode ter acontecido: quando olhamos para nossos arredores no Universo, vemos o passado. Como essa bolha aumentaria na velocidade da luz, provavelmente nos mataríamos por mil outros motivos antes de sermos tocados pelo vácuo verdadeiro.

E nada de clima de velório! Na natureza tudo se transforma: seríamos transformados em algo muito diferente (sem dor, não daria tempo) e talvez até numa cagada cósmica as novas leis da física permitam um arranjo parecido com o que temos. A probabilidade maior é de virarmos uma bagunça de matéria e energia, mas ei, não custa imaginar!

Um episódio de falso vácuo seria provavelmente o evento mais grandioso do Universo desde o Big Bang. E seria fruto do “nada” virando “menos ainda”. Ah sim, talvez nós mesmos façamos isso num experimento azarado. Não daria tempo de perceber a cagada, mas é uma possibilidade. Toma essa, deus!

E se você é muito impressionável: azar. Eu deveria ter avisado antes de escrever… eu sei. Mas só para te acalmar: pode ser que nosso vácuo não seja falso, pode ser que ele dure trilhões e trilhões de anos… E se acontecer, você nem perc

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Comments (11)

  • Márcio Paes Gomes

    Já passou pela sua cabeça a possibilidade da quarta dimensão estar numa bolha? Além de explicar o desaparecimento/aparecimento das partículas interage com a Teoria de Cordas. Imagine a bolha sendo irradiada por… (Não sei)

  • Fica tranquilo, Somir. O vácuo é na verdade muita coisa. Tanta coisa, que tem quase infinitos antípodas que se anulam. Quando falta a anulação é que algo aparece, porque não zerou. Pode não ser bem assim a Física, mas a Matemática é. No fundo, Sociologia é Psicologia, Psicologia é Biologia, Biologia é Química, Química é Física, Física é Matemática, Matemática é Filosofia. Aí temos a encruzilhada: ou Filosofia é Psicologia e o ciclo se fecha, ou Filosofia é Religião, Religião é Magia e Magia é Superstição. De onde chegamos à seguinte conclusão: no primeiro caso, tudo é tudo, no segundo, tudo é nada. O vácuo. Hoje eu acordei sofista… de novo!

  • O texto é excelente, mas cai na esparrela (que permeia toda a ciência ocidental moderna) de não considerar a progressão temporal. Na verdade nós nem temos muito como fazer isso (se bem que em termos de evolução do universo e chances de aparecimento de falsos vácuos, usando os parâmetros conhecidos do universo, sim), pois partimos do princípio que as características fundamentais do universo são as mesmas desde o seu surgimento.

  • É, mais um texto interessante. Uma coisa que me chama aatenção é esse “mito” (se é que também o posso chamar assim) de que o mundo vai acabar, de que tudo vai explodir e vai restar o nada, etc etc. Ok, a morte é realmente um mistério intrigante para todos nós, mas nem por isso acho que devamos entrar em paranoia em relação à ciência. Como bem dito no texto, se acontecer mesmo um “falso vacuo” ou qualquer coisa do tipo, bem capaz que nem vá doer, então, não há com que se preocupar com isso tão loucamente assim.

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