Em qualquer país onde o futebol é popular, ter um time preferido é a extremamente comum. Sally e Somir torcem por times relativamente parecidos pela fama (de pobre) e pela popularidade, mas as similaridades acabam quando as coisas começam a ficar ruins. Os impopulares saem das arquibancadas e vem jogar junto.

Tema de hoje: Deve-se apoiar seu time até quando joga mal?

SOMIR

Sim. Torcer para um time que sempre joga bem não é privilégio nem para torcedores do Barcelona ou do Real Madrid… ver seu time num momento merda meio que faz parte de todo o pacote de ter um time para torcer. Faz parte. E além disso, ninguém é obrigado a torcer por um time.

Mesmo num país onde o futebol é religião feito o Brasil, a maior torcida se chama “Não tenho time”, ganhando com folga mesmo de clubes populares como Corinthians e Flamengo. Até mesmo homens conseguem escapar ilesos da pataquada toda sem grandes arranhões em sua imagem. Muita gente se livra da pressão social de ter um time dizendo que torce por um pequeno da região.

Mais gente torce para um time do que não torce, mas é importante ressaltar que ninguém é obrigado a fazer isso. Ter um time é uma escolha, torcer por ele também não é exatamente um ritual lá muito específico: tem quem goste de torcer quando é final e passa na TV, tem quem gasta metade do salário para ver o time jogando campeonato estadual ao vivo.

Mas além dessa diferença óbvia de investimento de tempo e dinheiro no acompanhamento do time, ainda existe uma mais… sutil. É a diferença entre quem tem um “time de coração” e quem tem um “time decoração”. O time de coração é aquele que parece que te escolheu, do qual você gosta o suficiente até para sofrer junto quando for o caso.

O time decoração é naquele esquema gosta quando ganha e quando dá para tirar um sarro com os outros, ignora quando é conveniente. Está lá só por vaidade. Quem tem time decoração quer algo bonito para colocar na prateleira, sendo inclusive o demográfico mais propenso a virar casaca quando um adversário começa a ganhar mais.

Tenham isso em mente enquanto me esforço para desfazer a armadilha da Sally: ela é esperta, vai tentar fazer o assunto se parecer com algo do tipo “você tem direito de não gostar do seu time quando joga mal”, e infelizmente muitos de vocês ainda estão crus demais na arte da manipulação para perceber essa não é a discussão. Direito de não gostar é inalienável! Você pode concordar comigo achando que é feio abandonar o time quando ele passa por um momento ruim E AINDA SIM achar que os profissionais do futebol devem ouvir poucas e boas quando vão mal (literalmente) das pernas.

Perdoem-me se estou desconfiado da capacidade de compreensão de textos de alguns de vocês, mas tive motivos. Mesmo assim eu não vou abandonar o barco no primeiro sinal de problemas, é claro. Deve ter sido um lapso momentâneo e hoje eu terei uma prova disso, certo?

Certo!

Agora que sabemos que o direito de reclamar não é nem de longe o que se discute aqui, podemos continuar falando de torcer para um time. Deve-se abandonar um time quando ele está uma merda? O que você ganha com isso? Se seu time não é “decoração”, você vai ficar decepcionado ou mesmo irritado se ele estiver jogando mal, de qualquer forma.

Normalmente os times mais populares passam por fases de produtividade distintas em suas longas trajetórias. O meu time “de coração” passou 23 anos sem ganhar nem torneio de truco no bar, e recentemente ganhou uma Libertadores e um Mundial de Clubes pela primeira vez. A oscilação é normal, tirando casos onde o campeonato nacional é análogo a bater em bêbado (Espanhol e Alemão), vai ter uma variação normal entre vencedores e perdedores.

É infantilidade esperar que seu time ganhe sempre. Não é assim que funciona. Aliás, não é assim com quase tudo no esporte. Nem torcer para os EUA no basquete garante que você só vai torcer pelo time que ganha. Se você não entende que seu time VAI perder, não entende a graça do esporte em geral. Se fosse algo previsível, ninguém torceria por time algum.

Tudo bem que vivemos numa sociedade com uma fixação doentia em vitória, onde perder é sempre um desastre e a medalha de prata é menos comemorada que a de bronze, mas a maluquice ser norma não a impede de ser maluquice. Você torce por um time porque quer que ele ganhe, não porque ele VAI ganhar.

Há de se aceitar a derrota. A derrota é parte da vida, a derrota é o tempero da vitória. Se você abandona seu time quando ele perde, vai ter a mesma graça voltar a torcer quando ele ganhar? Sério que você não se sentiria completamente vazio nessa comemoração? Na hora em que virtualmente qualquer um acharia fácil torcer pelo seu time você volta volta a torcer por ele?

Porque sim, é DEIXAR de torcer abandonar time que está mal. Torcer compreende vitória e derrota, abandono só quer dizer abandono mesmo. E sim, eu entendo que dá mais raiva na derrota quando os jogadores do seu time ganham mais por jogo do que você ganha por mês, mas o ser humano tem seus limites por mais dinheiro que se jogue em cima deles.

Jogadores e técnicos de futebol ganham demais independentemente de sua performance. Ao invés de imaginar que Fulaninho Carioca ganha mil vezes mais que você, imagine que ele ganha no máximo 10% a mais que Sincraninho Gaúcho. Até os pernas de pau ganham fábulas perto da gente. O mercado do futebol é todo cagado nessa relação de valores, lavam dinheiro demais por lá. Se o jogador ganhasse um salário mínimo por mês, eu ainda ficaria puto com falta de raça, afinal, estou pensando no valor do time.

E é claro, acompanhar o time significa receitas para o time. Para se organizar melhor, para contratar melhores profissionais… Os dirigentes são burros ou mal intencionados demais para se mexer em caso de boicote da torcida. Abandonar o time significa tirar a receita dele e ninguém fazer nada a respeito MESMO assim. Você torce pelo time, mesmo ele sendo uma merda mal administrada como todos os clubes tupiniquins.

Não adianta abandonar. Nem pelo seu bem, nem pelo bem do clube. Lembre-se: você não é obrigado a torcer. Torce? Então se fode aí. Se vai fazer essa besteira, que faça direito!

Para dizer que vai discordar por ter lido (peço tão pouco), para dizer que vai discordar por não ter lido, ou mesmo para dizer que certo mesmo é não torcer: somir@desfavor.com

SALLY

Vale a pena continuar assistindo jogo e torcendo quando seu time está uma bosta? Não, desculpa, mas por uma questão de coerência, eu costumo exigir dedicação e empenho como requisito para minha admiração.

Sou uma torcedora, não sou uma fanática fundamentalista que segue cegamente uma bandeira. E para ter a minha torcida, tem que ter mérito, caso contrário eu me sentiria uma babaca. Eu me recuso a prestigiar jogador que não treina, jogador que foge da concentração e vai para a farra, jogador que ganha uma fortuna e não se esforça nem tem disciplina, técnico burro/escroto que só faz besteira etc.

Eu cobro isso de qualquer pessoa à qual eu dispense minha admiração, porque seria diferente com futebol? Porque eles teriam uma carta branca para se comportar de forma negligente, fazer um péssimo trabalho e ainda assim ganhar minha admiração incondicional? Negativo! Não faz por onde? Não ganha minha admiração.

Se o time está mal, certamente não é apenas azar ou fase, é o resultado de um somatório de fatores. Provavelmente um técnico que não está dando conta do recado, jogadores que não estão se esforçando o quanto poderiam e outros sabotadores de rendimento. Continuar dando apoio incondicional a quem está no caminho errado, além de ser otarice, é contraproducente. É por essas e outras que o futebol brasileiro está mais do que cagado: batem palma para maluco dançar.

São pessoas MUITO BEM PAGAS para desempenhar uma tarefa nada complexa: chutar uma porra de uma bola para dentro de uma trave. Então, desculpa se eu cobro que o façam. Tem neurocirurgião ganhando menos do que jogador de futebol e revertendo cegueira, salvando vidas e extirpando tumores no cérebro de seres humanos. Não tem desculpa, um time tem que se apresentar de uma forma decente. Mesmo que perca. Se apresentar bosta eu não vou prestigiar – e ainda torço para se foder.

No seu trabalho tem essa molezinha? Se você produz merda durante um bom período, seu chefe, seus colegas e seus clientes dizem que “é uma fase” e compreendem? Porque no meu não tem. Ninguém compreende quando qualquer profissional tem todos os subsídios para render bem e ainda assim rende bem abaixo do esperado. Porque essa permissividade com jogador de futebol?

Talvez porque no Brasil jogador de futebol não seja considerado um profissional. São heróis, mitos, ídolos. Bem, não para mim. Eu os vejo como profissionais (apesar de que a maioria não se comporte como tal) e os cobro como profissionais. Se não corresponderem a um mínimo que eu considere exigível, perdem meu apoio e não ganham meu dinheiro: não vou a estádio, não compro camisa e não defendo.

Sim, eles estão sendo muito bem remunerados para desempenhar um trabalho e se não o fazem direito, existem consequências. Dentre elas perder a minha admiração, meu apoio e meu dinheiro. Eu sou babaca de ficar pagando para ver gente não trabalhando direito? Você pagaria para ver um filme ruim sucessivas vezes? Pagaria para ter seu cabelo mal cortado sucessivas vezes? Se sim, você é um otário. Eu não sou.

Não são meus heróis, não são meus ídolos, não são intocáveis. Eu quero resultados, especialmente quando um ingresso para o Maracanã custa quase cem reais. Querer apoio incondicional de torcedor e colocar isso como sinônimo de “fidelidade” ou de “lealdade” é um retrato do típico jeitinho brasileiro, da vitimização, da manipulação incoerente que nos cerca. NÃO. Não vai jogar direito? Vai perder meu apoio, minha audiência e minha admiração, da exata mesma forma que qualquer outro profissional perderia.

Estou bem crescidinha para ficar alimentando essa passionalidade. Nutrir amor incondicional é coisa de mãe para filho, não de torcedor para time, vamos ser sensatos e parar com essa inversão de valores. São apenas onze semi-analfabetos desempenhando uma simples tarefa braçal, endeusar esses sujeitos e torna-los destinatários da sua admiração incondicional é vergonhoso. É quase que uma modalidade esportiva de religião.

Infelizmente no Brasil tem essa imposição social de não poder “virar as costas” para seu “ídolo” sob pena de ser considerado traíra. Não são ídolos, são uns fulanos contratados a peso de ouro para desempenhar um trabalho físico que me diverte. Se não o desempenham direito, eu não vou prestigiar. Qual é a dificuldade em ser racional? E, ainda que fossem ídolos, idolatria se revê. Ou por um acaso você tem a obrigação de idolatrar sempre a mesma pessoa não importa o que ela faça?

Esse “amor incondicional” por time parece ter um parentesco com aquele patriotismo vira-lata que muita gente gosta de ostentar: ame-o ou deixe-o. “O ________ (complete com seu país ou com seu time) está fazendo tudo errado mas como eu o amo vou apoiar”. Não, obrigada. Quando eu faço merda profissionalmente nascem consequências negativas para mim, logo, me sinto no direito de cobrar dos demais profissionais na mesma medida em que sou cobrada.

Pergunta se eu estou assistindo a jogos do Flamengo nos últimos tempos. Não. Não vale a pena. Não merecem. Admiração não é gratuita nem eterna, tem que fazer por merecer. Meu tempo e meu dinheiro são escassos, não vou gastá-los com quem não corresponde às minhas expectativas. E não vejo nada de “traidor” em pensar assim. Isso se chama autoestima.

Talvez porque eu seja uma torcedora racional. Talvez porque eu não sinta a necessidade de pertencer a um grupo, ao contrário de muitos que se inserem nos “clubes da vida” (religião, categoria profissional, time de futebol e outros) para se sentirem acolhidos em um grupo ou até se valerem da segurança que esse grupo lhes proporciona. Eu sou Team Sally, não gosto e não preciso dessa lógica do bando.

Acho uma inversão de valores prestigiar profissionais que, por um motivo ou por outro, estão desempenhando um péssimo trabalho. Em TODAS as áreas. Futebol é apenas uma delas. Se um restaurante me serve uma comida ruim sucessivas vezes, eu não volto mais nem o divulgo. Se um diretor faz sucessivos filmes ruins, eu não vou mais ao cinema prestigiá-lo. Porque seria diferente com futebol?

Antes de ser tomado pelo que você SENTE, respire fundo e pense racionalmente, pois muitas vezes nossos sentimentos são estupidamente passionais e merecem uma bela reflexão. Se você sente dever de fidelidade ao seu time, é porque esse engodo te foi empurrado desde que você era pequeno e você nunca parou para questioná-lo. Agora é o momento.

Para me chamar de traíra, para não conseguir tirar o engodo de dentro de você após anos de enraizamento ou ainda para ficar com raiva de mim por mexer em algo que estava tão certo e me agredir: sally@desfavor.com

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Comments (11)

  • O torcedor de “tal time”, como já fica explicitado é torcedor de: “tal time”, ou seja, não torce para os jogadores, comissão técnica ou mesmo para os dirigentes do clube, e, sim para a instituição.
    Envolve muito mais que simples onze jogadores “correndo atrás de uma bola”, é a manutenção de histórias muitas vezes centenárias!
    Em relação a colocação de que só o brasileiro apoia seu time incondicionalmente, tomo o Rangers ( clube ultra-tradicional e vencedor da Escócia) como exemplo: faliu recentemente, e teve que recomeçar sua trajetória à partir da quarta divisão local, porém com a ajuda de seus torcedores que lotavam o estádio ( o que gerava renda para a reconstrução da identidade campeã do clube), conseguiram alcançar novamente a elite do futebol escocês.
    Eu poderia citar exemplos de times ingleses e argentinos, mas creio que já me estendi demais no assunto.
    Porém, há um ponto que concordo com a Sally: o futebol não é importante, mas parafraseando Milton Neves: ” O futebol é a coisa mais importante, dentre as coisas sem importância!”.

  • Essa de detectar a estrategia da Sally foi massa! Bom saber…

    Mas, ainda assim, desta vez eu concordei com o Somir apenas lendo a primeira palavra do texto: “sim”.
    Ora, torcer para o time apenas quando ele vai bem, é o mesmo que ser amigo de alguém apenas quanto este está com dinheiro. questão de lealdade. Claro que eu fico puto. Semana passada eu estava, mas abandonar o Leão? Jamais. ele deu a volta por cima, ganhou de virada e saiu da lanterna.

  • Sou de BH/MG, e achava (bom, agora que voltei ainda acho) o transporte coletivo ruim. Quando morei no Rio, contudo, era um inferno total. As pessoas não podiam ajudar – porque ninguém sabia pra onde o busão ia. Google? Nem pensar! Nem ele sabe o número da porra do ônibus (ah, morei no Rio em ano de Rock’n’Rio, mudei justo na semana. Imaginemos o inferno! Eu não conseguia chegar em casa! [Ah, e eu fazia o favor de morar na ~~Curicica~~ juro que não era culpa minha!)

    Eu ia na cara e na coragem mesmo, se estivesse sem carro. Aliás, carro no Rio. Meus seis meses de Rio foram de carro (emprestado, com GPS não servindo mas sendo melhor que nada), com o cu travando de medo de bater o carro alheio nessa cidade que pode ser maravilhosa mas todo o trânsito, e não só o transporte público, é cu. Me perdendo em Ayrton Senna, Américas, o escambau. Isso que eu não ousava ir pra Zona Sul. O medo (de ônibus, de carro) reinou enquanto (sobre)vivi lá.

    Olha, o Rio dá de metrô. Saiu das linhas, se mata, sério. Só desejo pro inimigo (pq sou ruim).

  • HAAAA curintiano!!! JUiz ladrão..apito amigo…e por ae vai rsrs
    Sou sãopaulino e assumo que meu time fez uma péssima partida ontem, porem não posso deixar de zuar meus amigos corintianos, alias agente nunca perde!!!

  • Dessa vez eu concordo com Somir. Suponhamos que o público que frequenta o estádio de um time bem pequeno desses do interior, seja x e após o time entrar numa “fase péssima” diminua pra x – 80%. O clube pode entrar numa crise financeira por conta disso e ter dificuldades pra contratar jogadores, técnicos, estrutura melhor que possa dar ao time a chance de sair do “abismo”.
    Não acho correto simplesmente bater no peito pra dizer que não abandona o time. Acho mais autêntico, vaiar, xingar, fazer protesto na porta do clube.

    • Jana, esse temor seria ÓTIMO para que os clubes parem de cagar no pau, fazer merda e deixar jogador com rédea frouxa. Adoraria ver um clube grande falir para o cu de todos os outros piscar e aprenderem que existem consequências para descaso.

  • Naaaao! Amar o time eh uma coisa e apoiar quem joga mal eh outra bem diferente. Jogadores ganham rios de dinheiro e o ingresso ta cada vez mais caro pra caceta. Justamente por isso a torcida tem o direito de cobrar e vaiar quando tão jogando mal!

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