Futebol for dummies III – As personagens.

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Desfavor Convidado: Futebol for dummies III – As personagens

Considerando que um impopular e uma impopulara pediram com jeitinho e ninguém disse as palavras carinhosas “Chega de encher o meu saco com futebol!!!”, aqui vai a terceira (e última) parte do basicão para leigos, intelectualmente prejudicados e ostras saudáveis compreenderem a paixão das massas. Agora que você já conhece as regras do jogo, os principais formatos e regulamentos das competições, vamos à brincadeira propriamente dita: montar um time (ou seleção) que preste. Há dois tipos de gente envolvida com futebol: as que atuam no palco e as que agem nos bastidores. Como meu lado fofoqueiro é meio carente de informantes, a parte ligada a administradores (Cartolas), atravessadores (empresários dos jogadores), patrocinadores, donos de meios de comunicação, jornalistas e demais formadores de opinião (o lado reality show), embora faça diferença, fica para quem estiver mais bem informado. Deixando os bastidores de lado, vamos ao que acontece no palco:

O técnico: é o general do time. Ele planeja, define a estratégia (e as táticas dela decorrentes), escolhe os jogadores e define as substituições durante o jogo. Também é uma espécie de diretor de teatro: é ele quem ensaia o que o pessoal deve fazer em campo quando estiver diante de um adversário específico (por isso é chamado também de treinador). Em países decentes, que sabem que o trabalho não rende frutos da noite para o dia, há maior estabilidade no cargo. Na Suíça, o que não é título, é fracasso… então ele é um bode expiatório profissional. Como lá existem apenas uns oito técnicos de elite, mais uns oito decentes e o resto é muito meia-boca, sair de um clube não significa muita coisa: no dia seguinte o treinador Wandecyr Montenegro deixa de ser o problema do Atléticos da Praia e vira a solução para o Sport Club do Brejo. Há três tipo de de técnico na Suíça: a) o Professor de Educação Física que nunca jogou bola e conhece tudo na teoria, tipo o Charles Albert Grapevine; b) O ex-jogador de futebol que nunca estudou teoria ou fez um curso, baseando-se só na experiência prática, tipo o Zangado; c) o ex-jogador que fez curso de Educação Física e outros de capacitação, tipo ninguém que me ocorra no momento, mas creio que existam uns quatro ou cinco. Como na Suíça os jogadores nunca foram muito de ir à escola, chamam todos os treinadores de Professor, independente de formação. Imagine que você nesse momento tenha a missão de montar um time. Você deverá reunir um grupo de jogadores a partir de atributos deles e articular a ação dessa rapaziada para atingir os objetivos. Para obter os jogadores, há dois caminhos: ou você os faz (treinamento das categorias de base), ou compra feitos (mercado da bola). Um erro comum é achar que se você comprar muitos jogadores tidos como craques, o resultado será espetacular. Na prática, não funciona assim. Os “Galácticos” do Meal Radrid e o Pior Ataque do Mundo (Vásio, Morrário e Dimundo) eram fogueiras de vaidades e não trouxeram os resultados esperados. Então, o caminho é você ver o que tem (ou poderá ter) à mão e como pode organizar para fazer deste bando uma equipe, estabelecendo funções claras. Que os Deuses do Futebol me perdoem pela simplificação, mas vamos aos rudimentos dos aspectos táticos do futebol:

a) Você deve fazer gols: há poucas formas disso acontecer. Na primeira delas a bola vem do lado do campo em direção à área e algum jogador finaliza dali de dentro (com pé, peito, joelho, cabeça, bunda ou outra parte válida); em outra delas, alguém chuta a bola lá da puta que pariu, numa faixa central do campo, e ela entra; na terceira, alguém consegue trocar passes com um coleguinha (tabelar) e chutar mais de perto, pela faixa central do campo; na quarta, em um lance de bola parada (falta ou escanteio) o time faz uma jogada ensaiada para enganar a marcação e a bola entra; na quinta, um jogador cobra uma falta direto pro gol. O ideal seria ter no seu time jogadores capazes de fazer gols de todas estas formas, porém isto raramente acontece.

b) Você não deve tomar gols. Para isso, é preciso ter jogadores que: impeçam a bola de vir do lado do campo; rebatam a bola que chegar na área antes que um adversário finalize para o gol; não deixem um jogador chutar livremente lá da puta que pariu; consigam desarmar (tirar a bola; as outras armas deveriam ter sido retiradas pelo árbitro antes do jogo iniciar) sem fazer faltas os jogadores que tabelam pelo meio.

Nos primórdios do futebol, jogava-se como até hoje as crianças jogam no pré-escolar: todo mundo atacava e defendia desordenadamente. Aí se percebeu que isso não era efetivo e as funções começaram a ser distribuídas, no que os marxistas chamam de “divisão social do trabalho” e os durkheimianos de “divisão do trabalho social” (pausa para um ar de superioridade pseudointelectual). Ou seja, uns atacam, outros defendem e terceiros levam a bola da defesa para o ataque, sendo apelidados de atacantes, defensores e meio-de-campo. Quantos serão colocados nestas funções e onde eles serão espalhados no campo é o X da “questã” (como dizem os gaúchos). A isto se chama “esquema tático”, descrito em números organizados de forma cabalística: 4-3-3; 3-5-2; 4-4-2; 4-3-1-2 e por aí vai. Traduzindo: (nº de defensores – nº de jogadores de meio – nº de atacantes). Não se diz onde o goleiro deve ficar porque, salvo em situações de desespero, é óbvio que ele fica no gol. Quando os números são organizados em quatro ou mais unidades, fico desconfiado de que o técnico não saiba muito bem o que está fazendo.

Aí vem a parte de escolher quem vai jogar, que não é muito diferente de fazer RH de empresa ou escolher parceira(o) amorosa(o): você tem um ideal, mas no fim tem que se contentar com a(o) melhor candidata(o) que aparecer. Você, querida impopulara, quer um cara bonito, inteligente, jovem de corpo, maduro de cabeça, fiel, rico, bem sucedido, generoso, bom amante e todas aquelas outras idealizações que colocaram no protagonista dos 50 tons de cinza. Na prática, sabemos que se ele dividir as despesas, tomar banho quase todo dia, não mijar na pia, não arrotar à mesa e não der em cima da sua irmã, está valendo. Os jogadores de futebol funcionam como personagens de RPG ou de Supertrunfo: têm virtudes e defeitos, os quais você pode tentar aumentar ou diminuir pelo treinamento, mas que também são influenciados por fatores incontroláveis (chifre da mulher, sequestro do pai, temporada de farra, contusões, etc.).

Vamos montar um jogador de ataque, em duas versões, para exemplificar. Depois você pode se divertir montando os seus. Os principais atributos de um jogador são: técnicos (capacidade de fazer a bola ir para onde você quer que ela vá); físicos (aguentar ciclos de piques, saltos e caminhadas sem cair morto); táticos (estar no lugar e hora certos, fazendo a coisa certa); psicológicos (aguentar a pressão sem desabar; ajudar os colegas mais frágeis a pararem de ser frouxos ou histéricos).


Ronnie Fatso – versão 2002

1 – Técnicos: 8,4

Chute de direita: 10,0

Chute de esquerda: 9,0

Passe: 10,0

Drible: 10,0

Cabeceio: 3,0

2- Físicos: 8,0

Velocidade: 9,0

Resistência: 8,0

Impulsão: 7,0

3 – Táticos: 8,0

Colocação: 10,0

Marcação: 5,0

Finalização: 9,0

4- Psicológicos: 9,3

Motivação: 10,0

Resiliência: 10,0

Liderança: 8,0

Handicaps: joelhos bichados; pressão de patrocinadores.

Superpoderes: blindagem pelo técnico.


Ronnie Fatso – versão 2006

1 – Técnica: 8,4

Chute de direita: 10,0

Chute de esquerda: 9,0

Passe: 10,0

Drible: 10,0

Cabeceio: 3,0

2- Físicos: 6,0

Velocidade: 7,0

Resistência: 6,0

Impulsão: 5,0

3 – Táticos: 6,0

Colocação: 7,0

Marcação: 2,0

Finalização: 9,0

4- Psicológicos: 7,0

Motivação: 7,0

Resiliência: 9,0

Liderança: 5,0

Handicaps: joelhos bichados; sobrepeso.

Superpoderes: blindagem pelo técnico.


É claro que na hora de escolher é preciso ver como os atributos individuais se combinam em um coletivo. Não adianta nada colocar um jogador bom de cruzamentos a alçar a bola na área quando o atacante do meio (centroavante) é baixinho como o Walter Amor ou um nó cego para cabecear como o Zô. Do mesmo jeito, não adianta colocar quatro jogadores no meio com boa capacidade de marcação, mas sem criatividade, e querer que a bola chegue nos atacantes. Em defesa do nosso “coneavante” Derf, não dá para fazer merda nenhuma quando a bola não chega. Pode colocar Jesus lá, que não sai gol. Isto posto, fica o esclarecimento: não dá para assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Quanto mais ofensivo o time, pior a defesa, e a recíproca é verdadeira. A arte é: tentar mesclar juventude e experiência; equilibrar ataque, defesa e meio de campo; conhecer a si mesmo e ao adversário, como apregoava o sábio Sun, famoso general chinês de tempos que já lá vão. Porém, do outro lado do balcão o adversário também sabe disso tudo. Jogar, dançar, beijar e trepar são atos que dependem da contraparte, então não dá pra achar que se pode premeditar tudo, abdicando do feeling e do timing (desculpem pelos estrangeirismos, mas não há um equivalente que preste em português). A cultura e o folclore futebolísticos vão muito além do exposto, mas aí já se trata do nível intermediário e do avançado. No mais, agora que você aprendeu o basicão, não se envergonhe de falar qualquer merda sobre futebol, há senhores que ganham a vida fazendo exatamente isto.

J. M. de S.

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Comments (8)

  • hahaha, achei que tinha desistido. Se quiser, agora pode escrever sobre outro tema.
    “Também é uma espécie de diretor de teatro”, vai ver é por isso que estão chamando time de elenco. Eu acho ridículo. Além do mais, como um elenco poderia ter um professor?
    Pior é Morrário virando senador.

    • Nao desisti, foram problemas técnicos no arquivo. O texto estava pronto uma semana depois da parte 2. Um elenco pode ter um professor no actor´s studio. É o treino para simular faltas.

  • Adorei o “um impopular e uma impopulara” lá no comecinho. Me lembrou do Paulo Bonfá, que dizia “crianças e crianços” no Rock & Gol pra tirar sarro da turminha do politicamente correto…

  • Ex-jogador que fez educação física e cursos: Tite (Adenor) ex corinthians, hoje desempregado, provavelmente frustrado por Dunga voltar ao comando de seleção canarinho e ele nem ter uma oportunidade

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