O sucesso suicida.

Um levantamento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre suicídio cravou que a cada 40 segundos, uma pessoa se mata nesse mundo. Mais ou menos 800.000 suicídios por ano! Talvez sem muita alternativa, o órgão trata os dados como alarmantes e considera o suicídio uma epidemia perigosa para a humanidade. Eu, escrevendo um ‘Flertando com o Desastre’, tenho muito mais liberdade para colocar tudo isso em perspectiva.

E antes que alguém tente ligar pontos desnecessários, foi mera coincidência o texto de segunda também ser sobre um tema ‘mórbido’. Já havia indicado que escreveria sobre isso antes mesmo de saber qual seria o tema do ‘Ele disse, ela disse’. Pois bem, matemos logo o assunto!

Entre os dados levantados pela OMS, uma valiosa correção de mito: países escandinavos não são os líderes em suicídios em relação ao número de habitantes. Quem ganha o título é a Guiana. Sim, Guiana. 44 a cada 100.000 pessoas. O que é excelente! Quando invadirmos o Suriname, vai ser fácil anexar um país tão depressivo assim… Se bem que o Jim Jones foi justamente pra lá… Será que ainda estão contando esses? De qualquer forma…

Logo depois, a melhor Coreia, a do Norte: 38,5 a cada 100.000. Sri Lanka, Coreia do Sul e Lituânia seguem com 28 cada. Países como a Suécia e Suíça passam longe da liderança, com 11 e 9 a cada 100.000, respectivamente. O Brasil? Ah, o Brasil mal chega a 6. Em números gerais, os países com as maiores populações lideram, como esperado: Índia, China, Estados Unidos e Rússia respondem por quase metade de todos os suicídios no mundo (Índia sozinha com mais de um quarto).

Evidente que alguns dados não batem muito bem, aposto que na Coreia do Norte morrer em campo de concentração ou no paredão acaba contabilizado como suicídio, mas tirando o caso da Guiana (que eu realmente não consigo entender), o resto faz sentido com as informações que temos sobre os países. Em alguns lugares suicídio não é um tabu tão grande quanto num país católico como o Brasil. Em outros a qualidade de vida é tão terrível que muita gente se mata mais por praticidade do que por tristeza.

Seria leviandade tentar colocar todas essas realidades num mesmo pacote e fazer uma análise geral de motivações e contextos, mas… eu vou fazer mesmo assim: a humanidade está reagindo positivamente à superpopulação. Sim, positivamente! Ao invés de imaginar cada indivíduo que contemplou e deu cabo do suicídio, imagine o grupo humano. Na velocidade assustadora como a população indiana cresce, é importante até para eles que as taxas de suicídio sejam altas.

De uma certa forma, a humanidade parece estar enfrentando o problema, dando uma demonstração que mesmo que enfraquecido, nosso sistema imunológico social ainda funciona. Há de se ter uma sensibilidade que eu provavelmente vou falhar em demonstrar aqui para separar o suicídio como caso isolado e como estatística geral, mas são quase um milhão de pessoas por ano que pelo menos não morreram contra sua vontade.

Sinto ser escroto, mas mil homicídios são mais assustadores do que um milhão de suicídios. Claro, dentro de nossa realidade de superpopulação generalizada. Não precisamos voltar mais do que um século para encontrar um mundo que não podia dispor de tanta gente assim, mas o tempo passa: se tem alguma era na nossa história que comporta aumento considerável de suicídios, é essa.

Num mundo onde cada par de braços conta para a subsistência de um grupo, é razoável a repressão ao suicídio ou mesmo a qualquer coisa que comprometa a reprodução. Mas num com excesso de força de trabalho disponível… pode-se contemplar uma saída antes da hora com muito menos preocupação. Era como se estivéssemos todos numa fábrica e alguém quisesse ir para casa mais cedo: as pessoas não gostavam do prospecto de cobrir os ausentes. Hoje podemos abrir mão de vários trabalhadores e ainda sim manter as coisas funcionando.

De uma certa forma, a humanidade finalmente pode se dar ao luxo de ter um problema com suicídios. 800.000 por ano e as coisas continuam funcionando como deveriam. Sei que pensando em cada uma das pessoas que não aguentou mais seguir com a vida a estatística é triste, mas olhando as coisas de forma abrangente… é uma grande vitória da humanidade.

E aqui eu vou começar a flertar mais ainda com o desastre: que bom que tanta gente tenha se livrado da vida de merda que acreditavam seguir. Liberdade é poder ir embora quando quiser! Nada contra quem se dedica a incentivar as pessoas a não tomar essa caminho, mas cada um sabe onde o sapato lhe aperta; muitas vezes a sobrevida pós tentativa de suicídio realmente não compensava o esforço.

Se a pessoa se matou para não passar mais fome ou se o fez por levar um pé na bunda, não cabe a nós decidir por ela se ela tinha motivos. No máximo podemos criticar quem desiste e deixa outras pessoas na merda, ou pior: quem escolhe unilateralmente levar outros consigo. Por isso eu não vou defender INCENTIVO ao suicídio, cada caso é um caso e raramente o suicida é uma ilha. Mas repressão?

Por si só o suicídio não é uma coisa terrível. Bom, pelo menos não mais. Eu quero viver num mundo onde eu tenha a chave da porta de saída em mãos. E também quero que os outros estejam aqui por vontade própria. Ninguém escolhe nascer, mas pelo menos podemos escolher morrer.

E para continuar o caminho podre: é uma besteira dizer que não existem bons motivos para se matar. Existem sim, alguns virtualmente perfeitos como nos casos de eutanásia, outros muito mais discutíveis como os oriundos de desilusões com a vida cotidiana… o que importa aqui entender que o simples fato de considerar que não quer mais viver não significa que você encontrou uma verdade única ou que sua cabeça não funciona mais como deveria: suicídio faz sentido.

Mas tem tanta gente nesse mundo sem sequer experiência de lidar com algo racionalizado que já acham que está tudo resolvido só porque uma ideia ‘encaixou’. Um monte de coisas que você não quer fazer de verdade fazem sentido. Viver num mundo onde quase tudo faz sentido é comum para quem dedica um bom tempo de sua existência usando sua capacidade de pensamento crítico. Até a dúvida faz sentido… você não sabe responder uma pergunta, mas sabe como procurar a resposta. Ou em último caso, sabe por que não consegue chegar nessa resposta.

Se a pessoa parar para pensar, vai acabar achando motivos aceitáveis para terminar a própria vida. E não importa se ela vive numa favela ou numa mansão. As estatísticas altas (mas não as mais altas) de países com grande qualidade de vida feito Noruega e Suécia estão aí para comprovar.

Muito embora seja óbvio querer fazer um mundo onde os benefícios de se continuar vivo vençam consistentemente os de ‘pedir para sair’, também é um bom sinal que as pessoas exerçam mais controle sobre suas próprias existências. Ao invés de achar que a vida pertence a Outro, a entende como sua. Se o resultado ‘negativo’ é o aumento do número de suicídios, o positivo é o maior interesse no bem coletivo: não vai cair do céu…

Evidente que devemos proteger pessoas fragilizadas dispostas a tomar decisões permanentes para problemas temporários, o suicídio é uma estatística negativa na escala pessoal. Justamente por isso deve ser tratado apenas aqui… campanha contra o suicídio é enxugar gelo. Estar lá para não deixar uma pessoa próxima fraquejar é tomar uma atitude útil.

Não sei se vai ficar clara essa diferenciação meio ‘física quântica’ de algo que segue leis diferentes visto de perto e de longe, mas insisto: há um motivo pelo qual países como o Brasil tem menos suicídios em relação ao número de habitantes do que a Suíça, por exemplo. Povo mais livre e mais racional tende a chegar na conclusão de terminar a própria vida com mais frequência.

Sim, eu sei que frio influencia. Hormônios pensam mais pela gente do que pessoas como eu gostam de admitir, mas ‘cansar’ da vida é um problema de primeiro mundo. Quanto mais você sobe o padrão de exigência, mais fácil é se encontrar numa situação inaceitável. E até a evolução da comunicação influencia nisso: nunca se soube tão bem o tamanho da diferença de padrão de vida entre elite e excluídos. As pessoas exigem mais porque tem mais e também porque tem mais noção de quanto mais poderiam ter.

Tanto que… apesar da baixa proporção de suicídios no Brasil, ela já é maior na última análise do que na penúltima. O pouco conquistado pela população mais pobre já é suficiente para isso. Além disso, temos um povo que se não está muito mais inteligente, está cada vez mais informado. Suicídio não é algo extremamente comum para quem mal entende o mundo ao seu redor. Cidadão que acha que todo mundo está na mesma merda que ele raramente vai se matar num lento processo de realização da sua situação.

As estatísticas de suicídio tendem a continuar subindo de acordo com o aumento da qualidade de vida humana. E eu já sei que alguns de vocês ainda estão com a informação que países como Coreia do Norte lideram as estatísticas e estão num buraco ainda mais fundo que a maioria das outras nações do mundo… mas caso você não tenha percebido, a rica vizinha do Sul vem logo atrás. Países asiáticos não tem a mesma rejeição ao suicídio que nós estamos acostumados por aqui.

É importante analisar os dados como um todo sem esquecer das peculiaridades. Se você isolar países parecidos, vai começar a perceber padrões mais claros: o Brasil tem menos suicídios (por cem mil habitantes) que Chile e Argentina, mas mais do que Paraguai e Venezuela. Quase a mesma ordem encontrada no índice de desenvolvimento humano.

Não estou dizendo que suicídio é uma coisa boa na escala pessoal, mas na populacional, na geral? Torcendo muito para o Brasil subir nessa lista!

Para dizer que vai se/me matar por ter lido este texto, para dizer que estamos claramente mirando o país errado para conquistar, ou mesmo para dizer que discorda sobre incentivar suicídios se for o meu: somir@desfavor.com

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Comments (15)

  • Acredito que continuamos vivos após a morte do corpo, portanto suicidar-se é livrar-se de um problema e ganhar mais centenas deles.

    • Nesse caso, respeito seu ponto de vista. Eu acredito que quando morremos tudo acaba, então suicídio seria escolha racional.

  • Suicídio é um tema interessante em se abordar, exatamente por colocar num mesmo diálogo duas vertentes tão distintas que é o grupo e o individual. O aumento da taxa de suicídios no mundo configura um cenário preocupante por apontar que algo não está bom na qualidade de vida da população de uma determinada região e que não estão sendo aplicadas medidas para contornar a situação (a maioria das pessoas e dos governos tendem a defender a vida e mediar políticas para manutenção da mesma e estão certos nisso) e reflete que a taxa de insatisfação com alguma das estruturas de nossa sociedade está em níveis preocupantes e sejam eles econômicos, culturais, sociais e etc. Me levo a ter uma concordância com o Somir quanto ao controle populacional do mundo e isso é bom para todos num âmbito de sociedade global, pois será menos gente para consumir a quantidade limitada de recursos que este planetóide está apto a fornecer para seus habitantes, mas se olhar o individual a coisa chega a ser temerária e a dor pessoal da pessoa que chega a esta conclusão atrapalha todo o andamento de uma família e que logo se refletirá nos empregos e estudos dos membros dessa família e de alguma forma haverá prejuízo na “fábrica da vida” e eu já me perdi no meu do meu comentário! kkk
    A parte que eu queria mesmo frisar é até mesmo de experiência pessoal para com o suicídio, no qual eu tentei cometer suicídio e tive um enorme sucesso em fracassar nessa iniciativa. Os motivos que me levaram são de ordem familiar e isso comprometeu o andamento da rotina da minha família por meses e meses e mesmo após me recuperar da depressão as sequelas continuaram e ainda me imagino tendo sucesso na empreitada de “pedir conta” desse mundo, é um sentimento do qual não se livra…

  • Fala, desfavor!

    Dai a gente le esse texto, depois lembra de como seria bom morrer num foguete e como estamos em tempo de eleicao com Marina, Garotinho e cia, me deu uma vontade de me suicidar…

  • Natural que em país ruim o povo se contenta com pouco. Aqui mesmo se estiver o sol torrando, o time ganhando, barulho e a cara cheia de cerveja ta tudo bem! Se matar pra que? Nas pesquisas brasileiro fica entre os mais felizes do mundo. Somando a isso que em país ruim tem muito religioso e tidas religiões pregam coisas horríveis sobre suicídio. Muita gente não se nata de medo do inferno.

  • Gostei muito do texto, até porque só mesmo o Desfavor para ousar escrever o que escreveu.

    Mas não concordo que o suicídio seja uma boa coisa na escala populacional geral, porque é um tipo de morte que gera muita desesperança.

    Dizem, inclusive, que falar muito em suicídio aumenta o número de suicidas, por isso os jornais têm um acordo tácito e evitam divulgar. É que a vida é penosa demais para quase todo mundo. Nem os ricos têm garantias. O exemplo trágico do Schumacher comprova que a sorte é aleatória e que dinheiro, talento e sucesso não são garantias de que teremos uma vida feliz e uma aposentadoria digna.

    Não há garantias.

    Temos que viver com a dor de nunca saber se haverá amanhã e se ele valerá a pena. Não sabemos que doenças, que incidentes, que acidentes, que tragédias, que encontros e que desencontros nos esperam. Não sabemos de nada e isso gera muita angústia.

    Tudo o que fazemos, tudo o que estudamos, tudo o que guardamos, tudo o que prometemos, tudo o que amamos, tudo o que construímos… tudo, tudo, tudo é uma aposta no escuro, um salto sem redes em um futuro incerto. E isso fere demasiado…

    O suicídio será sempre a morte mais chocante. Mas a minha visão é deturpada pelo fato de ser completamente ocidental e de ter, por mais que eu negue e renegue, influência cristã.

    O ideal para todo o Planeta seria a queda da taxa de natalidade. Cientistas inteligentes tinham que arrumar um jeito de aumentar as taxas de infertilidade, porque o povo não vai parar de parir por livre e espontânea vontade, não.

    Morrer e matar talvez não sejam saídas dignas par o problema de superpopulação de humanos, mas não nascer é. Talvez não nascer seja a verdadeira bênção.

    “Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria” (Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas)

  • A biologia caga para seres individuais. O que importa é a população! Ai fico pensando, talvez o suicídio de 800 mil por ano (0.0001% da população mundial) seja um mecanismo de controle da natureza sobre a gente (além dos terremotos, furacões, etc). A natureza vê que a humanidade não tá legal, e vai eliminando uns no caminho. Sim, boa parte do suicídio tem base em mecanismos neurológicos relacionados ao controle do impulso, capacidade de pensar em longo prazo e em baixa de neurotransmissores relacionados ao bem estar e às sensações de felicidade (p.ex. serotonina e outros).

    É a natureza mandando um #ChupaHumanidade.

  • “Era como se estivéssemos todos numa fábrica (…)”.

    Um outro aspecto dessa analogia da fábrica com a vida é a própria motivação em manter as coisas funcionando. Qual seria o motivo de se manter empregado (ou continuar empregável) se a pessoa não se identifica mais (ou jamais se identificou) com os negócios da empresa, independente do cargo, do salário que nela ocupa e dos benefícios a que fez jus? Sobretudo sabendo que dificilmente (ou jamais) agregará nada efetivamente significativo a ela nas (muitas) décadas em que passar lá (abertamente) insatisfeito e que ninguém fará tanta (ou nenhuma) falta…

    Muito mais digno demitir-se e dar lugar a outro.

  • Acredito que, no final das contas, um dos fatores mais determinantes quando a questão é matar-se ou não, não pode ser quantificada para efeitos estatísticos: o quanto uma população tende a transferir a terceiros a responsabilidade sobre a própria vida. Talvez possamos vincular as relativamente baixas taxas de suicídio no Brasil aos níveis epidêmicos de cristianização do país.

  • Tem coisa errada nessa estatística ai para o brasil. Só na 3° ponte Vitoria-Vila Velha é 1 se jogando dela por dia.

  • Quando eu vi essa estatística de suicídios, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: 800.000 pessoas se matando por ano e AINDA não é suficiente! A população humana continua aumentando e nasce mais gente do que morre…Como um amigo meu já disse, a humanidade precisa de outra guerra mundial, praga ou desastre natural, porque se depender da humanidade em si a galera não vai parar de botar filho no mundo.

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