Determinismo.

Você acredita em destino? Não, não é uma cantada barata, é que eu acredito. Tudo acontece por um motivo. Já estava escrito que você estaria aqui lendo este texto, e a sua reação a ele também. O quê? Se eu sou uma pessoa espiritual? Não, eu estou no time do determinismo.

Mas o que é determinismo? Simples: é a ideia de que não temos controle real sobre… nada. Somos parte de um sistema que só funciona de um jeito e todas nossas ações são 100% previsíveis, pelo menos em tese. Como eu já disse, eu acredito em destino, mas não que ele possa ser modificado.

Consideremos o seguinte: quanto maior a escala do que tentamos acompanhar, mais imprevisível parece. Imagine um aquário na sua casa, um do qual você cuida todos os dias. É difícil saber quantos peixes tem nele? Ou mesmo como eles se comportam numa determinada hora do dia? Agora imagine o oceano… quantos peixes tem no oceano? O que eles estão fazendo às 23:39? Oras, impossível saber.

Num aquário você tem a visão de cada um deles, e acesso constante. No oceano, não. Simples assim. O universo pesquisado influencia no grau de certeza que temos sobre os eventos acontecidos nele. Estou dizendo algo maluco? Estou fazendo muitas perguntas? Mesmo? É que assim que eu começar a desenvolver essa ideia simples muitos de vocês vão me abandonar sozinho nesse argumento.

O número de variáveis de um problema define o quão complicado ele é. Se eu te disser que 2 + X = 4, você não vai ter muitas dúvidas de qual é essa variável; agora, se eu disser X + Y = 4, existe mais de uma resposta possível e não deixa de ser sorte adivinhar qual par de respostas eu estava considerando aqui. SPOILER: -2092 + 2096. Sejamos honestos, qual a chance de alguém adivinhar isso?

Ainda é simples entender o resultado, mas quase impossível adivinhar quais as variáveis que o criaram. A questão aqui é que nossa existência é cheia dessas equações cheias de variáveis não declaradas. Lidamos com os resultados a cada momento de nossas vidas, mas o grande desafio é entender os valores para saber quais contas a mais podemos fazer com elas.

A verdade é que a realidade é complexa demais para nossos cérebros. E até mesmo para nossos mais potentes computadores. A quantidade de variáveis presentes no simples ato de ler este texto, usando só o conhecimento humano acumulado até agora, seria um número cujos zeros gastariam todo meu limite de páginas (tentador para enrolar, mas serei melhor do que isso).

São incontáveis sinapses disparando em seu cérebro, suas células metabolizando energia, suas bactérias trabalhando, a composição do ar em frente aos seus olhos… o humor das pessoas próximas a você. Tudo isso qualifica a mera ação de ler um texto. E eu estou só brincando de citar, cada átomo e quark em você e ao seu redor definem como as coisas estão funcionando. Se uma das ligações químicas que fazem suas células existirem ‘parar de funcionar’, você desmontaria numa sopa primordial que levaria semanas para limpar do chão. Para os mais assustados: é mais provável que o Papai Noel apareça montado num Unicórnio para te levar para Nárnia do que isso acontecer.

São incontáveis as variáveis que regem a própria existência de um corpo como o humano. Cada átomo do seu corpo segue regras bem específicas de como interagir com o ambiente. São as nossas caras leis da física em ação. E por mais que essa escala ínfima da matéria ainda nos deixe muito confusos, não se pode negar a disciplina da matéria: essas leis só existem porque não são quebradas. Mesmo a elusiva gravidade insiste em se comportar de uma só maneira.

Existem diferentes forças unindo a matéria, cada qual em sua escala de prevalência. No visão ‘macro’ das coisas, a gravidade é a mais poderosa, afinal, até mesmo os buracos negros a obedecem. Do ponto de vista quântico, nada ganha da força nuclear, ou seja, a força que mantém os núcleos dos átomos juntos. Mexer com ela cria as bombas atômicas!

Essas forças definem como os átomos funcionam, os átomos definem como as moléculas funcionam, as moléculas definem como as células funcionam, as células definem como os órgãos funcionam… e adivinha quem define como nós funcionamos? Muito se engana quem acha que o poder de decisão faz o caminho do maior para o menor, são as menores escalas da matéria que definem como até mesmo seres complexos como nós funcionam.

O cérebro é a fonte da consciência, mas não deixa de ser um amontoado de matéria obedecendo às mesmas leis da física do que uma pedra, por exemplo. A mente é poderosa, mas sabe a hora de obedecer. Voltemos à bomba atômica: quando uma delas explode, transforma a energia da força nuclear em calor e nada no caminho deixa de obedecer a ordem das coisas: quando a menor muda, a maior segue.

Para entender o determinismo, essa ordem tem que ficar clara. Se você não a entender, vai continuar acreditando em coisas como livre-arbítrio. Como se o maior mandasse no menor. Uma célula descontrolada torna um corpo canceroso… Quem decide as coisas nesse universo é justamente o pequeno. O grande é apenas uma ilusão gerada pela proximidade das coisas.

Acredito que vocês já saibam, mas mesmo a matéria visível é mais vazia do que cheia, por assim dizer. O espaço entre o núcleo de um átomo e seus elétrons é muito grande em relação ao tamanho das partículas. Não somos tão sólidos assim se olharmos de perto. Se não fossem as forças de repulsão entre os átomos, tudo atravessaria tudo, afinal, espaço é o que não falta. Temos a ilusão do contato, assim como temos a ilusão da imagem ‘cheia’ das coisas. Com o ponto de vista certo, a matéria é só um ponto levemente mais preenchido do que o vácuo. E bota levemente nisso. Quem está lá fazendo e acontecendo na verdade são esses minúsculos pontos que convencionamos ver unidos.

Pois bem, o que tudo isso quer dizer? A não ser que quarks e partículas fundamentais em geral tenham capacidade de tomar decisões, não vai ser o amontoado delas que vai ter. Se cada ação pode ser ‘reduzida’ a um absurdamente complexo sistema de reações às leis da física, nossa noção de livre-arbítrio e consciência é tão fantasiosa quanto nossos sentidos. Assim como fazemos ao tocar ou enxergar algo, estamos ‘completando os vazios’ com uma ilusão.

Por mais complexa que seja uma decisão na sua vida, ela é resultado da sequência de reações entre as partículas fundamentais que te constroem. Digamos que você disse uma frase ríspida para uma pessoa querida: o seu cérebro mandou o comando, influenciado por fatores pregressos e momentâneos regulados por reações químicas e físicas. E para essas reações acontecerem, elas precisam de ‘autorização’ dos elementos que a compõem, que por sua vez só fazem estritamente o que lhes é permitido por leis universais.

Se na raiz da ação está algo inconsciente, como alegar que temos consciência? De onde ela ‘brota’? Consciência não passa da ilusão da escolha. Ilusão poderosa, devo ressaltar. Lembram do que eu falei sobre variáveis tornando um problema complexo? Bom, isso é o que anima novamente o assunto.

Se o determinismo argumenta que uma ação é 100% previsível, a realidade nos diz que isso é só em tese. Na prática a incapacidade de lidar com virtualmente infinitas variáveis garante que sempre tenhamos a surpresa batendo em nossa porta. Imagina acompanhar todos os peixes do oceano? Agora imagina acompanhar toda a energia do universo em suas mais diferentes formas para fazer uma previsão perfeita…

É complicado assim eliminar a imprevisibilidade. Todo o universo precisaria ser transformado em algo previsível tal qual uma máquina para provarmos o determinismo sem sombra de dúvidas. O livre-arbítrio não existe em tese, mas é a regra na prática. Sabemos o resultado da equação, mas não quais eram as variáveis. Ou sabemos as variáveis, mas não conseguimos fazer a conta ainda.

Talvez você esteja confuso agora porque eu dei essa volta toda para terminar no mesmo lugar. Tudo bem, pode me xingar. Você não tem como evitar mesmo. Mas às vezes é no caminho entre dois pontos que você começa a entender melhor as coisas. Tudo está conectado, suas decisões são fruto de um complexo sistema que nem sempre pode se ter sobre controle. Às vezes faz bem dividir um pouco a culpa.

Aceitar que a resposta que você deu dependeu de inúmeras variáveis te ajuda a se entender melhor e fazer ‘contas mais precisas’ com o tempo. As pessoas parecem focadas demais no momento, como se o que se faz e diz fosse resultado de uma espécie de inspiração mágica desconectada de toda sua história e todos os elementos agindo ao seu redor.

É um processo. Tudo está ligado.

Para dizer que não entendeu nada, para dizer que não vai comentar porque está determinado assim, ou mesmo para dizer que eu esqueci da ‘alma’ (de propósito… cresçam!): somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • Este texto me atrai como um ímã. Sempre volto. Estou sempre pensando nisso: Sou livre ou não sou livre? Deveria haver uma resposta simples: S-o-u-l-i-v-r-e-o-u-n-ã-o-s-o-u-l-i-v-r-e???

    Mas não há.

    Estava escrito que eu sempre voltaria aqui e leria de novo sem nunca chegar a uma conclusão?

  • Vamos tirar o sentimento dessa história e vamos pensar de forma fria. O universo é regido por números (ou a linguagem de interpretação chamada números) e nada mais que isso, pois desde a menor fração de um átomo é regido por números e quantificado, além de ser separado e organizado de uma forma que consigamos entender o sistema no qual ele está. Esse sistema trabalha em harmonia, mas uma harmonia própria, onde cada parte tem sua função e não age de forma diferente até que venha algo e altere o mesmo e é assim que funciona aqui e provavelmente nos confins do universo. Em tese, obedecendo a um sistema no qual você consiga determinar e quantificar os componentes dele você pode usar matemática para prever qualquer coisa dentro daquele sistema e se conseguíssemos equacionar várias partes desses sistemas que fazem o universo ser o que é, poderíamos prever qualquer coisa em qualquer parte dele. Achamos que a aleatoriedade é real, mas ela se dá pela incapacidade de equacionar todas as variantes de um sistema e equacionar a sequência e repetir o processo até que se tenha o resultado final. Na física, isso nos é impedido pela atual incapacidade de equacionar corretamente todos os componentes de um sistema a níveis subatômicos, mas resolvendo esse grande problema, o resto tornar-se ia mais fácil ou menos complexo e trabalhoso. Concordo com o Somir em sua ideia base do texto, mas não concordo totalmente com o ponto de vista que ele escolheu.
    Abraços!

  • Shoshona zlutsky

    Destino é como a trajetória de uma folha levada pelo vento. A trajetória não é linear e muitos eventos podem redirecionar o ponto final, onde a folha irá repousar. A não-linearidade da trajetória não anula a predisposição anterior.

  • “X + Y = 4”
    Entendo que destino é onde queremos (ou devemos, para se adequar ao seu texto) chegar (4), e não por onde vamos passar ou de que modo (X e/ou Y).
    Então, as variáveis seriam, por conclusão, o livre arbítrio.
    Ex: Você está em RJ, e viajará para SP. Seu destino é SP.
    Como você pode chegar à SP? (seu destino)
    De avião, carro, moto, bicicleta, patinete, balão, a pé, etc etc etc… (as opções que você pode “escolher”).

    • Eu acho que é a própria vontade pessoal determina o futuro, por isso que nada acontece por acaso. Semelhante a aquele livro da lei da atração, a pessoa põe uma ideia fixa na cabeca, passa a viver em função do objetivo e na maioria das vezes acaba conseguindo.

  • Nossa realidade é complexa demais, como Somir disse são variáveis demais para podermos enumerar.Nossos cérebros ficam anestesiados com a ilusão de simplicidade criado por ele mesmo.
    Quando cheguei na metade do texto quase senti um ‘ranger’ no cérebro. Sai do comodismo, da simplicidade e consegui vislumbrar algo que vai muito além da minha visão, mas que ao mesmo tempo não é, e provavelmente, nunca será palpável.
    Quando parece que você sabe de alguma coisa, você se dá conta que não sabe nada.

    Agora fico imaginando um papo desses rolando numa mesa de bar, ia dar merda quando o álcool pegasse. kkkkkkkkkkkkkkkkk

  • Que texto horrível!

    Detesto todo questionamento que diminua ainda mais a pouca e preciosa liberdade que eu tenho.
    Ou acho que eu tenho.

    Mas, sério, a comparação do aquário e do oceano foi perfeita. Não temos acesso ao universo pesquisado, portanto não temos nenhuma certeza.

    “A verdade é que a realidade é complexa demais para nossos cérebros.”
    É. Mas eu quero a ilusão de que sou livre. Quero a ilusão de que o contato é possível. Quero a ilusão de que tenho consciência. Quero a ilusão de que sou capaz de fazer minhas próprias escolhas. Quero a ilusão de que, se não controlo o tempo, o outro e o mundo, eu pelo menos me controlo. Quero a ilusão de que me conheço. Quero a ilusão de que eu sou especial, única e livre.

    Não, não quero, não.

    Quero é a verdade. Quero é a realidade, seja ela qual for. Eu quero entender! Sou uma marionete das circunstâncias? Algo ou alguém me controla? Existo da forma como penso que existo?

    Eu quero apenas a verdade. E nunca a terei. Isso fere demasiado.
    A impotência.
    A incapacidade de compreender o mundo.
    E o medo de não ser livre.

    Ok, meu comentário foi confuso, egocêntrico, egoísta e absolutamente nada acrescentou ao seu texto perturbador.

    Mas já estava escrito que seria assim.

    • Pensar enlouquece.

      Às vezes a gente precisa passar para a frente as armadilhas da mente para ver se mais alguém se habilita a desarmá-las.

  • Não faz sentido algum… pra mim a vida parece ser totalmente aleatória. Se não não faria sentido pra algumas pessoas sofrerem tanto e outras serem tão felizes.

    • Nada vai fazer sentido agora porque sua percepção está alterada. Voce está DOENTE. DEPRESSÃO É DOENÇA. Se quer melhorar, procure tratamento. Se não quer melhorar, continue lamentando.

      • Por experiência própria: antidepressivo não cura depressão.
        Pode parecer Balela , mas o que cura depressão é o amor. De todo jeito. De todo tipo. É não é mágico. É demorado.

        • Concordo. Antidepressivo deixa você “bobão”
          drugs out, depression in
          quando parar de tomar os remédios, os problemas baterão na sua cara novamente.

          • Sei que não é o seu caso, mas falo mesmo assim. Nem pense em tirar o remédio na hora que vc quiser. O seu psiquiatra que vai e sabe determinar o momento e como será o desmame. Não é por dependência, mas o antidepressivo precisa de um tempo de ação, mas isso é mais eficiente em conjunto com a psicoterapia.
            Harison, além da psicoterapia, se dedique e se responsabilize por ela, pelo seu processo de autoconhecimento. Psicoterapia é pra todo mundo, vc não é menor do que ninguém por isso. Vc tb pode e deve agregar a acupuntura e um acompanhamento com uma nutrição funcional. Não somos apenas um aspecto em nossas vidas, e sim um conjunto de fatores. Então, agregue o que vc achar que te fará bem, esporte (que tb julgo ser um dos mais importantes nisso tudo) tb entra nesse pacote, pode acreditar.
            Que a força esteja com vc, Harison!

        • Amor??? Já ouvi de tudo, que depressão é falta de deus etc mas amor é a primeira vez, AFF…
          Fala sério né? Anti depressivo é o que há! Os médicos e pesquisadores perdem anos de vida se esforçando pra descobrir tratamento das doenças e vem uns cerumanos soltam pérolas dessas.
          Já tive depressão e juro que não foi deus nenhum nem muito menos amor que me curou, foi o meu neurologista!
          Putz viajei nisso nem comentei do texto, mas tá ótimo assim como todos os textos somirescos pra nos fazer pensar e fundir nossas mentes!

    • Primeira coisa: Vai se tratar. Tem um ‘excesso’ aí no que você está falando que é desequilíbrio químico. Nosso humor é regulado por mais do que nossa vontade. Todo mundo sofre, é normal, mas se o sofrimento fica mais forte do que sua capacidade de lidar com ele, é hora de procurar ajuda.

      Dito isso: Não é para fazer sentido o tempo inteiro mesmo. É muita coisa que acontece o tempo inteiro, nossa capacidade de entender o mundo ao nosso redor é limitada. Se essa confusão parece desconcertante à primeira vista, é justamente ela que permite que a vida tenha alguma graça. É na ilusão da incerteza que reside a própria liberdade.

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