A história é a seguinte: um ex-funcionário de uma escola em Barueri (SP) foi acusado de molestar três crianças de três anos. As provas que constam contra ele são os depoimentos e reconhecimento das crianças. Agora, ele acaba de ser condenado. A juíza achou as evidências suficientes para prendê-lo. Mas… será que são?

Em primeiro lugar, não tenho uma opinião forte sobre o caso, não faria sentido ter: o que eu sei, sei através da mídia. Em segundo lugar, não estou fazendo uma análise jurídica: me falta o conhecimento específico. Então, o que diabos eu pretendo fazer tocando nesse assunto?

Ah, que bom que você perguntou. Eu estou preocupado com a possibilidade desse homem ser inocente. E agora, o motivo disso ser um Flertando com o Desastre: mais preocupado até do que com a risco de alguém que coloca a mão em genitálias infantis sair ileso. Já te perdi, né? Tudo bem, eu entendo, isso é um assunto delicado.

Gente que abusa de criança mexe com todos nossos instintos, gera uma reação poderosa de revolta que não deixa espaço para mais nada na cabeça. Até mesmo uma acusação nos retira imediatamente a simpatia com uma pessoa. Tudo bem, eu também fico puto quando fico sabendo dessas coisas. É natural.

Mas não é necessariamente racional. Entre acusação e comprovação vai-se um longo caminho no qual se baseia nosso sistema de justiça, por vezes até longo demais, é claro, mas há um método suficientemente lógico pelo qual essa acusação percorre. Precisamos ter o mais próximo possível de certeza para punir alguém.

Crimes que nos ofendem mais tendem a turvar a visão sobre o processo. Queremos ver a justiça sendo feita o mais rápido possível, e queremos que o criminoso sofra as consequências pelos seus atos. Novamente, compreensível. Novamente, não necessariamente racional.

Esquecemos da parte da certeza. O crime incomoda tanto que queremos que ele suma de nossa vista o mais rápido possível. A certeza se torna mais maleável, o processo menos criterioso. Tudo contra o risco de deixar o possível criminoso sair dessa impune. Esse é o grande medo da maioria das pessoas: que não se puna.

O que eu quero apresentar aqui hoje é um medo maior, ou pelo menos que deveria ser maior: o medo de que se puna injustamente. Teoricamente, nosso sistema se baseia na ideia que somos inocentes até que se prove o contrário; na prática, somos inocentes até sermos acusados de algo horrível.

Até onde pude apurar, contra o acusado de molestar as crianças existem depoimentos de crianças de 3 anos, reconhecimento de pessoa conhecida por fotos, e um laudo psicológico onde se diz que existe a possibilidade de um abuso ter acontecido. Mais prático do que isso, nada.

Quer dizer que o cidadão não abusou das criancinhas? Não. Quer dizer que ele tenha? Também não. Coube à juíza definir qual das duas opções era a mais provável, e ela se decidiu pela culpa dele. Talvez para quem está dentro do caso outros elementos possam ter interferido nessa escolha, repito que o que eu sei, sei pela mídia. Mas eu levanto a probabilidade aqui da juíza ter tido mais medo de não punir do que de punir um inocente.

Se ele fez ou não eu não sei, a não ser que surja uma prova contundente, não saberemos. Agora, se havia certeza suficiente para puni-lo? Isso não é o que parece. O argumento de que ele fora reconhecido como uma personagem maligna de uma peça de teatro ao invés de o perpetrador de um crime tem força. Crianças nessa idade não sabem muito bem onde a ficção termina e a realidade começa. E até onde eu sei, uma das crianças mudou o discurso numa segunda audição.

Sem contar que normalmente não se leva muito a sério o que diz uma criança de três anos de idade. Nada contra elas, mas essa coisa toda de entender a consequência de suas ações demora muito mais para assentar no cérebro humano. Crianças são facilmente induzidas a falar algo para agradar os adultos… Se você começar o assunto da forma errada, elas vão simplesmente seguir com o que acreditam que o adulto espera ouvir.

A advogada dele é mãe de uma criança que estuda na escola, existe um abaixo-assinado de pais defendendo sua inocência… São todas coisas que precisam ser levadas em consideração. Muita gente acredita na inocência dele.

Oras, isso dá alguma certeza que o cidadão é inocente? Claro que não. É realmente estranho que uma criança mencione esse tipo de contato do nada. Não estou sendo advogado do diabo só pela polêmica, confesso não pender nem para um lado, nem para o outro.

Agora, o que isso quer dizer na prática me faz discordar da atitude da juíza. Se está difícil de se ter certeza, a obrigação não seria pender para o lado da inocência? Também temo pela possível liberdade de um molestador de crianças, mas temo em dobro que um inocente pague por esse crime horrível. Isso significa que acusação tem um peso desmedido.

Se o crime fosse roubar dinheiro e as três testemunhas fossem crianças, não haveria sequer um caso sem outras provas. Mas como esse mexe muito mais conosco, o medo de não punir vence todos os outros. E se eu não estou parecendo uma pessoa horrível ainda, vamos acertar isso:

No quadro geral das coisas, um culpado de cutucar crianças solto é menos grave que um inocente preso por esse crime. Para quem está envolvido de forma mais pessoal nisso, entendo querer ver o acusado pendurado pelas bolas numa cerca de arame farpado, mas não é à toa que temos todo um sistema jurídico para evitar ‘pulos’ no processo de acusação e punição.

O culpado que escapou ou controlaria seus impulsos (menos provável), ou tentaria de novo. E se acontecesse de novo, as coisas ficariam mais difíceis para ele escapar. O cara não vai conseguir mais emprego perto de crianças pelo resto da vida, um poder que só a acusação já tem.

O inocente punido está com a vida destruída, família junto. Imagine saber que não fez algo e ter de pagar com TUDO o que tem pelo crime. Ser considerado pedófilo e estuprador por sentença judicial é para terminar a carreira de alguém nessa vida. Se sair vivo da cadeia, não consegue mais nem varrer chão para ganhar a vida. As pessoas não vão mais se aproximar dele, ele vai ter um segredo horrível pronto para estourar na sua cara a qualquer momento… e tudo isso sendo inocente!

Sim, eu tenho medo que o culpado não seja punido. Sim, eu acho terrível que outras crianças possam sofrer na mão dele. Mas se tem algo que deveria estar acima disso na escala de absurdos da vida, é ser condenado de algo pesado assim sendo inocente.

Entendo que hoje seja difícil concordar comigo, eu mesmo estou com alguma dificuldade de fincar o pé nessa opinião. Mas o caminho mais nobre sempre tem suas dificuldades. Renegar o asco de um possível molestador em prol do princípio de inocência dá muito mais trabalho que o normal.

Muito mais fácil apontar para o “Tio Malvado” e ter a certeza de que está fazendo justiça. Sally que me corrija se quiser dar sua opinião, mas eu tenho a nítida impressão que a juíza do caso se livrou de uma batata-quente e fez média com a grande maioria que tem seus medos ranqueados pelo o que é mais fácil de se fazer. Ainda tem recurso para ele. Talvez surjam as provas, talvez não… mas e se continuar nessa dúvida?

Medo de não punir ou medo de punir o inocente?

Qual deles deve ser maior?

Para dizer que tema requentado do Fantástico é dose, para dizer que não encosta nesse assunto, ou mesmo para responder a pergunta final (não é retórica): somir@desfavor.com

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Comments (29)

  • Por mais que o assunto seja delicado, não punir um inocente deveria ser prioridade.
    E essa desculpa de rever todos os videos de segurança é balela.

    O rosto do cara saiu em todos os jornais, vai chegar na prisão com alcunha de pedófilo e ser estuprado até o cu se partir em dois. Se ele for culpado, BEM FEITO! Mas e se ele for inocente? Quem indenização no mundo vai pagar os horrores que ele está prestes a enfrentar?

    Dica: Nunca se aproxime de crianças nenhuma a não ser a sua.

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    Espera ai….Então tudo bem deixar um possível inocente preso por anos. Pior seria ter de olhar meses de fitas de video e interrogar novamente crianças de 3 anos….

    Ok então..

  • Crianças bem pequenas iriam relatar putaria acusando a mesma pessoa a troco de que? Que prova vc queria? Camera escondida?

    • Três casos que podem fazer vc repensar: escola de base (se não conhece, da um Google), esse caso que minha prima relatou (uma aluna relatou ter sido estuprada pelo próprio pai, o que se comprovou mentira. A menina estava chamando atenção porque seus pais estavam se separando e ela estava sendo deixada de lado), e um caso que eu li em uma revista mas acho que dá para achar na internet, de crianças que diziam fazer sexo na hora do recreio. Questionadas, elas mostraram o que era isso: era bater a barriga na barriga do colega com a blusa levantada.

      Criança mente, criança enxerga coisas do ponto de vista do que ela conhece, criança fantasia coisas e criança é manipulável. Basta fazer as perguntas “certas”. Por isso criança em depoimentos e acompanhada por psicólogo ou coisa parecida…

      Pode ser que o cara seja realmente culpado, mas pode ser que estejam forçando a barra. Já vi mãe fazer criança dizer que apanhou para demitir funcionarios que ela não gostava. O ser humano é uma merda…

  • Nao conheço o caso. Mas parto do presuposto de que criança nao mente e que nao existe injustiça (alguma coisa ele deve ter feito). Por mais que queira agradar um adulto, uma criança que jamais tenha presenciado uma cena d sexo, poderia brincar com uma coisa dessas, criando uma situação desconhecida nos minimos detalhes. É claro que o caso é específico e, se despertou suspeita, deve ser analisado.

      • Somir, embora eu concorde contigo que criança mente sim, tu acha que elas seriam capazes de manter a mentira a ponto de quando questionadas por psicólogo ou um juiz não caírem em contradição? Crianças de 3 anos não tem a capacidade de manter uma mentira com coerência.

  • Poucos crimes causam tanto horror quanto abuso sexual de crianças. É mais que hediondo. É uma monstruosidade que sequer tem uma palavra capaz de defini-la.

    Mas o pior não tem limites. E o pior é a dúvida.
    É realmente melhor um culpado solto do que um inocente preso.
    In dubio pro reo.

    Alguém tem mais informações sobre o caso? Será que havia mais provas?

  • É só lembrar do caso Escola Base……depois que foram inocentados a mídia não limpou o nome de ninguém……e pra falar a verdade, nem eu me lembro os nomes.

  • Eu tenho medo do sistema judiciário atual.

    Minha prima acompanhou um caso que a aluna disse ter sido estuprada pelo próprio pai. Fizeram uma comissão interna para apurar e descobriram que ela estava só querendo chamar atenção. Imagina se tivessem denunciado e o pai preso??!!!!

    • Principalmente : caso essa acusação tivesse se espalhado.
      Menos um a perder (moralmente) o resto da vida, e quase você viu isso de perto…

      Mas alívio nada, medo DEMAIS também !

  • Este caso em especifico, acredito que não foi bem averiguado. E há sim, fortes indícios do acusado ser inocente. Foi exatamente isso, pela acusação ser pesada, a juíza quis se livrar do problema.

  • Sabem por que é que no Brasil as pessoas vão presas já com a certeza de que irão ter que cumprir apenas um sexto da pena, gozar de indultos diversos, ter o regime comutado para semi aberto ou domiciliar, entre outros benefícios, e por que é que em países civilizados um condenado tem que ralar muito para conseguir uma simples visita íntima? É por que aqui nunca se sabe se quem está preso é realmente culpado ou apenas não teve dinheiro para um advogado de verdade, se a polícia esgotou todas as possibilidades na investigação (se é que houve uma…), se o juiz e/ou os jurados foram imparciais, ou até mesmo se a lei foi bem redigida (múltiplas interpretações são coisa comum no nosso judiciário). Daí que o sistema meio que se “auto ajusta”: um juiz não nega o benefício para não tornar insuportável a vida de um inocente em potencial.
    Conclusão: se o próprio judiciário admite que as coisas por lá são feitas meio “nas coxas” e é notório que o brasileiro médio adora um linchamento (tanto no sentido figurado quanto no literal), “in dubio pro reo”!

    • e por que é que em países civilizados um condenado tem que ralar muito para conseguir uma simples visita íntima?

      Você está confundindo países civilizados com países linha dura. Nos melhores sistemas prisionais do mundo (ou seja: os que diminuem a criminalidade e ressocializam a pessoa) o preso tem mais qualidade de vida que a maioria dos brasileiros.

  • Pra mim esse caso está mal explicado. Acho que a juíza está com tanto medo de não punir que acabou apressando o processo. Semana passado surgiu um caso de um homem no corredor da morte, nos EUA. Ele tinha sido condenado devido ao testemunho de um menino de 12 anos. E que bacana, descobriram só praticamente 40 anos depois que o condenado era inocente e que o menino tinha dado falso testemunho. Evidente que é um caso completamente diferente, mas o testemunho de uma criança deu peso para que a prisão ocorresse. No caso brasileiro, dar tanto peso ao testemunhos de criança de 3 anos beira o surreal.

  • Concordo com você Somir, o medo de punir um inocente deveria ter prevalecido, não acredito que vão basear um caso e justificar uma prisão com depoimento de crianças de três anos.

    Se quisessem fazer algo poderiam deixar ele sob vigilância, ninguém mais vai deixar o cara chegar perto de criança alguma mesmo. Mas prender uma pessoa sendo que há uma chance enorme de ser inocente é um absurdo.

  • Esse já está fodido. Apareceu na mídia o nome, perdeu a credibilidade. Isso é complicado, talvez ele ganhasse uma puta indenização se não tivesse sido condenado em primeira instância. Depois disso, vira interesse público, a mídia tem desculpa para divulgar. Esses casos são muito delicados e exigem um trabalho qualificado. Se o perito fica em cima do muro, para não se comprometer, o Juiz fica numa roubada. Hoje em dia, quem trabalha com criança tem que filmar tudo o que faz ou ter alguém junto, porque além de más intenções há também equívocos seguidos de histeria.

    • Hoje em dia, quem trabalha com criança tem que filmar tudo o que faz ou ter alguém junto, porque além de más intenções há também equívocos seguidos de histeria.

      Atualmente parte-se do pressuposto que todos os homens são pedófilos. Sei não, não deveríamos ter insistido tanto que as mulheres depilassem tudo…

      • Mudando de saco para mala, acho que o escândalo do Prof. Idelber Avelar merece uma postagem na RID. Foi um daqueles casos de que o consentimento “desapareceu” depois que caiu a ficha que a(s) mulher(es) não eram assim tão “especiais” quanto pensavam. Eu não tenho fantasias de dominação ou sadomasoquistas entre as minhas preferidas, mas para quem gosta, roer a corda e posar de chapeuzinho vermelho é de mau gosto.

      • Uma das poucas conquistas das feministas: Pressupor que todo homem é um estuprador em potencial.

        Parabéns as babacas que dão força a isso.

  • Este caso aconteceu em uma escolar que tem um nome e uma reputação a manter. Tem duas coisas que ficaram nebulosas e que poderiam ter ajudado no caso.
    Primeiro, em se tratando do renomado colégio Mackenzie (onde o ensino médio custa a mesma coisa que a graduação), não é esperado que façam testes psicológicos antes de colocar homens pra trabalhar com crianças pequenas?
    Segundo, cade as gravações das cameras de segurança? Porque várias pessoas afirmam que existiam as tais cameras. Parece que tinha uma bem na entrada do tal ginásio onde supostamente aconteceu o caso. Sumiram com ela.

    Também não tenho uma opinião formada. É realmente muito espinhoso.
    Na minha familia teve um caso desse. A criança era pequena mas afirmou com detalhes que o marido da avó estava tocando sua genitália durante a noite. Eles eram recém casados, o casamento não durou 3 meses. Ele nunca foi punido, tenho a impressão de que foi mais por receio de cobrir de porrada um idoso do que pela dúvida quanto a palavra da criança.

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