Parece até que é instintivo: pessoas tem filhos. E de tempos em tempos, essas pessoas levam seus filhos para a casa dos outros. Imaginando que seja a sua casa e as crianças estejam sendo… crianças, Sally e Somir discordam sobre quem deve ouvir poucas e boas. Os impopulares são malcriados e respondem.

Tema de hoje: Chamar atenção da criança ou dos pais?

SOMIR

Cada um que tenha seus filhos, mas eu não tenho e não tenho obrigação nenhuma de criar ninguém. Chama-se a atenção dos pais, porque o problema é… adivinha… deles! Esse é um simples caso de definição de responsabilidades, sem contar que é um saco ter que ficar chamando atenção de criança.

Não quis fazer? Então segura a bronca. Criança dá trabalho e eu não faço pouco do trabalho de criar outro ser humano, afinal, não sou filho de chocadeira. Uma salva de palmas para os pais que encaram essa bronca dia após dia (mas só para os que tem bons resultados), mas não acreditem que o mundo está devendo muito para vocês.

Gente é o que não falta. Essa coisa de celebrar filhos não é mais tão relevante em tempos de superpopulação, e com as facilidades do mundo moderno, não é mais como se fosse uma obrigação gerar descendentes. Filhos são cada vez mais uma escolha consciente (em tese, porque na prática o que não falta é filho acidental de pais sem capacidade de criá-los…).

Resolveu ter filhos? Direito seu, até digo parabéns se for com a sua cara, mas nesse pacote vem uma série de obrigações que você deve cumprir. Uma das principais é não deixar seus pequenos atrapalharem a vida alheia. E sem exceções. Acredito piamente na responsabilidade dos pais de colocar limites nos seus seres humanos em formação.

Até porque é escroto botar a culpa na criança. Ela faz o que dá na telha e depende dos adultos para colocar limites, é assim que funciona mesmo. Criança sendo babaca ou mal educada não me incomoda pela criança, mas pelos pais. Claro que alguma merda ou pentelhação a criança VAI fazer, ninguém aqui está esperando 100% de eficiência, mas que fique claro quem tem que resolver os problemas delas: os pais.

E é por isso que eu falo com eles. Para não subverter a ordem das coisas. Se os pais não estiverem dando atenção suficiente, que se corrija isso. E não é só questão de se eximir, é útil que sejam os pais que o façam. Quando um estranho que censura o comportamento errado da criança, corre-se o risco dela só aprender que algo é errado numa situação específica, e não que é errado por si só. Remelentinho aprende que não é para desenhar nas suas paredes, mas não em paredes em geral.

São os pais que dão a educação mais completa. A criança está sempre por perto deles, então tende a entender os ‘nãos’ deles de forma mais abrangente. Não é para fazer merda porque os adultos mais importantes de sua vida não querem, e não só para evitar levar porrada de estranhos (claro que eu não vou bater em criança, mas o bacana é que elas acreditam que vão apanhar!).

Sem contar que a arte de se comunicar com crianças está perdida se depender de mim. Seres que não entendem lógica estão além do meu alcance (tipo animais selvagens e religiosos). A criança sequer tem vergonha de estar fazendo algo errado! Com adultos você consegue muitos resultados só de chamar a atenção deles, mas com crianças você tem que enrolar, barganhar ou ameaçar. Tem sempre uma etapa extra.

E criança esquece rápido. Ou fingem que esquecem rápido. Faça ela parar de cutucar seu gato de estimação e meio minuto depois ela está fazendo de novo. Quando é filho dos outros você não pode escalar a ameaça de verdade, quando a criança perceber que você não tem poder real de puni-la, vai montar na sua cabeça.

Se você avisa os pais, fica até chato para eles não ficar marcando em cima para o filho parar de fazer o que diabos estava fazendo para começo de conversa. E se a criança teimar, eles tem disponibilidade e poder para distraí-la, suborná-la, ameaçá-la ou mesmo levá-la embora. Porque entrar numa batalha sem ter as armas para lutar?

E sim, eu parto do princípio que pais de crianças aprontando apenas tiveram um lapso de atenção. Até criança bem educada faz das suas… Você faz o seu papel de direcionar a atenção dos responsáveis primeiro. Só depois que começa a escalar (aí sim) o confronto com os adultos. Se os pais derem aquela ‘enfiada dobrada’ de mandar o filho parar e olhar para o lado, cutuque novamente até eles não terem outra escolha senão ir buscá-la. Oras, é melhor ser chato do que deixar uma criança fazer o que bem entender na sua casa.

Se for o caso dos pais serem uns bunda-moles (ou incompetentes) e não fizerem nada para impedir a criança de fazer merda, você convida eles a se retirar da sua casa. Você até se livra de problemas futuros, porque ou eles nunca mais voltam ou aprendem a se responsabilizar.

E é claro, as pessoas tendem a ficar ofendidas quando você bota limites nos filhos delas. Cada um escolhe mais ou menos o caminho que vai seguir na criação dos rebentos e eu acredito que eles tenham toda a liberdade para isso. Não quero impor meu estilo (ainda mais por ser um estilo de quem não tem filhos) na criação alheia, então chamemos quem possa aplicar o desejável.

Cada um que cuide do seu.

Para dizer que eu vou mudar de ideia se tiver filhos, para dizer que filho é que nem peido, ou mesmo para dizer que só a porrada constrói: somir@desfavor.com

SALLY

Supondo que, por uma infelicidade da vida, você convida uma pessoa para sua casa e ela aparece com os filhos. Supondo que os filhos não foram devidamente educados e começam a fazer bobagens, colocando em risco seus pertences, o que você faz: fala com os pais das crianças ou fala diretamente com elas?

Olha, se os pais das crianças soubessem/pudessem educa-las, elas não estariam a ponto de destruir algo seu. Se os pais observam em inércia contemplativa uma criança com uma caneta a meio milímetro do sofá branco, pronta para rabisca-lo, ou com a mão dentro da boca do cachorro pronta para puxar a língua, é porque são incapazes de educar seus filhos. Falar só vai gerar mágoa, já que os pais sempre se pensam perfeitos e acham seus filhos educados, bonitos e inteligentes.

Eu falo diretamente com a criança. Mas falo de boa, com jeitinho (ao menos em um primeiro momento). Pode ser que a criança seja apenas fruto da preguiça dos pais, que não tiveram o devido saco de corrigir cada vez que ela faz algo de errado. Sim, educar dá trabalho, dá um trabalho danado dizer “não” cada vez que ele tem que ser dito.

Para minha surpresa, muitas das vezes em que conversei com crianças, não proibindo, e sim explicando os motivos daquela proibição, elas reagiram bem. Por mais que uma criança encapetada não respeite seus pais, elas tendem a ter algum temor de estranhos. Os pais podem não ter moral nenhuma com o filho, mas um estranho sim. Mais ou menos como o Cesar Millan com aqueles poodles histéricos: quando aparece uma pessoa de fora com firmeza, impõe respeito.

Além disso, advertir o filho alheio na frente de seus pais não deixa de ser uma forma de passar um recado para estes pais. Se eles tiverem um pingo de vergonha na cara e educação, vão advertir o filho por puro constrangimento. Talvez as normas na casa deles sejam diferentes, talvez se possa assoar o nariz na cortina ou incendiar o gato, vai saber. É até um bom filtro, pois se você adverte o rebento e os pais continuam na inércia contemplativa, já se sabe que essas pessoas nunca mais devem pisar na sua casa. Filho mal educado é problema deles, mas gente sem noção é problema seu.

Supondo que você tenha vontade de fazer isso mas morra de vergonha alheia de chegar nesse ponto, existem mecanismos para advertir a cria alheia sem que soe como esporro. Por exemplo, já me deparei com um pentelho cutucando um abajur de cristal. Prenúncio da desgraça. Pedi que ele não mexa ali, pois o abajur estava dando problemas e não fazia muito tempo eu mesma havia levado um choque ao mexer. Entenda-se: “não estou chamando seu filho de mal educado e sim preocupada com a segurança dele”.

Há formas e formas de se falar, o ponto é que falar com os pais é sempre mais difícil, gente burra velha é mais resistente. Uma criança em um ambiente estranho advertida por uma pessoa que não tenha intimidade costuma render bons resultados.

E tem também aquele velho recurso de falar umas verdades na base da brincadeira: “Se você quebrar esse vaso, a Tia vai te pegar, te jogar na panela e fazer uma feijoada com você, hein?”. Dependendo do olhar, do tom de voz, o recado fica dado. Criança entende. Criança não é burra.

Some-se a tudo isso o benefício que uma criança geralmente não retruca um estranho em um ambiente igualmente estranho. Adultos retrucam, questionam, reclamam. Criança não, criança tem menos agilidade mental, tende a ficar transtornada quando leva um esporrinho. Não gaste tempo com pais, que já são estragados. Vá direito em quem ainda tem salvação.

Vocês podem rir da minha teoria, mas eu acho que crianças GOSTAM de limites. Ter limites desperta uma sensação de segurança para uma criança: ela sabe que tem alguém ali zelando por ela, que tem alguém para estipular as regras, que tem alguém no controle. Por mais que eventualmente uma negativa gere uma pequena frustração, no geral crianças gostam de limites. Periga da criança admirar quem lhe impõe limites mais do que admira seus próprios pais.

Falar com os pais em vez de advertir diretamente a criança gera um ar de fofoquinha, um ar de conspiração, de dedo-duro. Climão. Mais fácil chegar e falar diretamente com a criança, tira um pouco da importância do ato, minimiza o formalismo da reclamação.

E, de mais a mais, mesmo que nada disso faça sentido para você, tem sempre um último argumento que é plausível: a casa é minha, eu falo com quem eu quiser. Quem leva filho mal educado para a casa dos outros está sujeito a esse tipo de coisa, e, bem, que se ofender por isso que saia da minha vida. É até bom que peneira, que despacha gente pau no cu ofendida para bem longe. Às vezes precisamos sacudir a árvore da amizade para que as frutas podres caiam.

Falar com a criança é melhor, pais que deixam o filho barbarizar a casa alheia estão longe do alcance de diálogo faz tempo.

Para dizer que o melhor é deixar a criança fazer merda e pedir reembolso dos bens perdidos aos pais, para dizer que o melhor é nem convidar casais com filhos ou ainda para dizer que melhor ainda é nem fazer amizade com pessoas com filhos: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (17)

  • Para os dois. Alerto os pais que se não derem limites ao filho, eu darei. Se na casa deles pode, na minha não rola.

    • Felizmente eu nunca fui muito de receber visita (na boa, não gosto) e as pessoas que me visitariam não tem filhos, mas eu tenho uma regra que ainda não precisei ser chato de falar pra ninguém numa situação real: na minha casa não entra criança.

      Quer me visitar? Ótimo, mas deixa seu filho com a babá ou qualquer outro otário disposto a aturar seu fedelho, mas na minha casa ele não entra. Ah, mas ele é comportado? Ele pode ser a porra da reincarnação do Gandhi, mas aqui ele não pisa. E se mesmo depois de tudo o que eu disse, você aparecer com seu demoniozinho na porta da minha casa, eu fecho ela na sua cara.

  • Certa vez eu estava cortando/comendo uma maçã no sofá da minha casa, enquanto um fedelho, filho da visita, vinha fazer brincadeirinhas retardadas, tipo chegar perto de mim, me tocar no braço e sair correndo, na ilusão de que eu fosse dar atenção e iniciar um pique-pega. Ele me encheu tanto, que eu mostrei a faca e falei, no mesmo tom que a Sally sugeriu o lance da feijoada: “bonitinho, eu não quero brincar e se você não parar com isso, eu te furo todinho.” Funcionou lindamente.

  • Curioso que eu concordo muito com o Somir, mas na prática, sempre falei com a criança e dava certo. Faço para tornar a situação menos formal, como disse a Sally. Até porque, quase sempre tenho o azar de os pentelhos serem filhos de pessoas com as quais eu não posso criar um constrangimento, como um chefe, ou clientes… Com desconhecidos eu dou umas olhadas bem feias, e geralmente os pais se tocam e corrigem na hora.
    PS: O melhor é nem fazer amizade com pessoas que tem filhos!

  • Verdade que criança se sente segura quando tem limites a seguir. Eu sinto falta de morar com meus pais, de ter hora pra chegar, de ter que tomar banho antes de jantar. Hoje em dia sou um porraloca que viro as noites na gandaia, chego em casa me atiro no sofá e só vou tomar banho ou jantar pizza gelada no dia seguinte, ninguém se importa.

  • Sim, Sally. Criancas gostam de limites. É uma forma de assegurar que alguem se importa. Seu argumento condiz com logica:

    “Não gaste tempo com
    pais, que já são estragados. Vá direito
    em quem ainda tem salvação.”

    Ora, de que adianta tentar “educar” o marmanjo se eles nao educaram o pirralho, a ponto que eles “pintam o sete” na casa dos outros?

  • Falo para a mãe com a cara mais feia: “Fulana, não gosto que mexam em tal coisa.”
    Azar dela se não gostar de ouvir isso. Mas do jeito que a minha fama de ruim corre solta é arriscado nem levarem crianças na minha casa. /

  • O ponto de vista do Somir seria o ideal, mas vivemos em uma sociedade em que de maneira geral é muito difícil aceitar críticas, é quase utópico, muito difícil um pai ou mãe aceitar ser chamado atenção sobre o comportamento do filho. E concordo, principalmente, com a parte que vc falou, que parece fofoca, e que de certa forma infantiliza, desresponsabiliza. Existem maneiras e maneiras de falar.

    Dias desses o filho de uma amiga estava com uma pistola de água apontada pra onde eu e uns amigos estavam sentados e eu de imediato falei alto e firme, sem agressividade, que não era pra fazer aquilo, o menino na mesma hora se recolheu. A mãe dele olhou e soltou aquela frase: “Vc não pensa em ter filho não? Leva mó jeito!! Achei vc com brio…” De fato se vc não fala com crianças infantilizando, respeitando o espaço delas, elas automaticamente vão te retribuir com respeito. Eu não falo com voz miada com nenhum filho de amigo meu e respeito o espaço deles.

    De certa forma acho que tive sorte, muita sorte, tanto pelos meus amigos aceitarem crítica, como eles mesmo autorizam os outros amigos a chamarem atenção dos filhos. Em resumo, concordo com o ponto de vista da Sally, por achar o mais funcional.

  • Minha casa tem coleção de miniaturas, lápis de cor na escrivaninha e uma cadelinha daschund, ou seja, um chamariz para crianças.
    Comigo sempre funcionou falar com a criança direto. E por incrível que pareça, é mais difícil com os pais por perto, porque aí depende de eles ratificarem a ordem e, se for um zé ruela sem noção não vai falar nada e a pentelha fica olhando para você com cara de “Meu pai/mãe deixou.. lero lero”. Nestes casos uma intimidação de “fazer feijoada com a criança” com sorriso de canto de boca vai bem a calhar até para os pais se tocarem.

  • Concordo totalmente com o Somir. Não perco tempo tentando educar criança que tem pai, mãe ou outro responsável que nunca sou eu. E, se os pais não tomarem uma atitude, corto relações com eles (de forma educada e gentil, por meio das famosas desculpinhas sociais para que eles não voltem à minha casa e distanciamento gradativo.)

    Se não tenho filhos é porque não quero ter que (nem tenho talento para) educar pirralhos.

  • “Se você quebrar esse vaso, a Tia vai te pegar, te jogar na panela e fazer uma feijoada com você, hein?”

    Que tipo de ser humano faria uma AMEAÇA dessas? Sally. Se eu fosse uma criança merdeira e ouvisse isso sairia da tua casa e nunca mais comeria feijoada com medo que fosse outras criança que tiveram mal comportamento.

    Nesse Ed/Ed eu concordo mais com a Sally, o ponto do Somir é muito mais bonito, mas o da Sally é o mais eficiente, e se isso estivesse acontecendo seria caráter de URGÊNCIA.

  • Eu acho que reclamaria com os.pais pq os pais nao deram educacao pros pirralhos. Nunca tentei falar direto com os pirralhos, pensava que nao adiantava, mas vou fazer experiencia pra ver no que da.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: