Vingando o profeta.

+Atiradores atacaram a sede do jornal satírico francês “Charlie Hebdo”, deixando 12 mortos nesta quarta-feira (7) em Paris, antes de escapar em um carro. Três terroristas que mantiveram reféns em dois locais separados foram mortos nesta sexta-feira (9) em meio a ações policiais quase simultâneas com explosões e disparos que puseram fim a três dias de pavor na região de Paris, França.

Está cada vez mais difícil ter fé na humanidade. Desfavor da semana.

SOMIR

Às vezes eu me esqueço de como tenho sorte… se alguém dissesse pra mim que eu receberia um prêmio no além por me matar, eu riria. O golpe é tão transparente que nem me ofenderia! Imagine só, que bobagem… gosto de imaginar que minha inteligência é a razão, mas a verdade é que a sorte tem papel determinante nisso.

Imagine só a sorte de ser criado num ambiente onde se aprende até a não levar a vida muito a sério. De ser praticamente imune a táticas milenares de lavagem cerebral, de poder perder seu tempo se preocupando com o que é abstrato, de poder rir da própria insegurança e insignificância na certeza que pertence a um mundo em franca evolução.

Imagine a sorte de ser um filho do seu tempo. E sorria por isso, essa sorte é para poucos. A humanidade evolui em ritmos diferentes. Muitos dos nossos estão presos há alguns séculos atrás, filhos de eras diferentes da que queremos viver. Fósseis vivos numa sociedade que não mais os espera para avançar, capazes de portar telefones inteligentes e armas burras como seus irmãos, disfarçados à plena vista na multidão.

Fico pensando se há um limite de quanto podemos avançar sem trazê-los conosco. Fico pensando se já não passamos desse limite, e se essa distância ainda pode ser percorrida. Como ficamos se essa distância não nos faz mais perceber que somos iguais? O assassino ceifa a vida de alguém cujas palavras e símbolos não é mais capaz de entender; a sociedade olha para os criminosos como se fossem animais fora de controle.

Entendo que alguns de nós correram rápido demais na frente, ávidos por viver num mundo onde uma piada não mata. Entendo também que os métodos usados nesse desgarrar não são totalmente justos: nada mais cruel do que uma pessoa nascendo já sem chance de se equiparar aos seus pares mais evoluídos. E sim, isso é uma questão de evolução. Os terroristas pertencem a um passo atrás na nossa história.

Vivemos num mundo injusto onde alguém tem a vida privada do senso de humor enquanto outro tem sua vida privada pelo senso de humor. Como conciliar mundos tão diferentes? A humanidade tem um bloco retardatário longe o suficiente para não entender mais quem vem na frente, mas perto demais para deixá-los em paz.

E sabem, dá para entender a raiva de quem ficou para trás. Como assim montamos uma sociedade inteira sem convidá-los? Quem nos deu o direito de começar sem eles? Não se enganem: o crescimento do Islã radical é resultado direto das políticas imperialistas das últimas décadas. Com o mundo na palma das mãos, todos podem enxergar a disparidade. Sem a bênção da ignorância, a plebe se torna rude.

Os não religiosos e os religiosos moderados (isso é, os que sabem colocar as leis modernas na frente das ancestrais) já viraram essa página da história. Sou contra religiões em geral porque elas são infecções oportunistas: atacam com mais força justamente os mais fracos. A percepção da distância entre o padrão de vida dos menos afortunados para o rico mundo ocidental foi como gasolina na fogueira da insanidade religiosa.

Deus, Alá, Buda… qualquer um deles serve de desculpa quando é conveniente. É mesmo errado culpar todos os muçulmanos pelos malucos que cometem crimes em nome de seu deus, mas é insano não gerar nenhuma correspondência. Há sim um problema global com essa religião. Ela serve de abrigo para os bárbaros de hoje, assim como o catolicismo o fez há séculos. Precisamos derrubar boa parte do poder dos cristãos antes do mundo começar a evoluir novamente. Lidar com a bandeira levantada pelos assassinos é importante sim, é a bandeira que inflama os ânimos dos deixados para trás.

Claro que o problema real é a disparidade de recursos e educação entre o mundo moderno e o mundo arcaico, mas esse problema é um dos males do crescimento humano. A maior parte da população fica para trás mesmo. O que acontece atualmente é que os corredores da frente estão acelerando num ritmo tão forte que o grupo de trás já começa a perceber que não vai alcançar. O nosso sistema capitalista está num momento de crise e a ascensão do terrorismo é um dos sintomas.

Mas há de haver uma solução de prazo mais curto do que reverter a disparidade entre os povos. Duas delas parecem mais populares atualmente: a primeira é a de atacar os retardatários e tirá-los de vez da corrida; a segunda é desacelerar o passo do bloco da frente e fazer um esforço para que os que vem atrás tenham a ilusão de que um dia os alcançarão.

E as duas tendem a falhar. Incitar o ódio contra um grupo humano é receita histórica de desastre. Sujeitarmo-nos aos desejos de um grupo como o dos muçulmanos radicais consegue ser pior ainda. Eu vejo só uma solução, e ela vai soar horrível: correr mais rápido ainda. Deixá-los tão para trás que não consigam mais nem nos ver trajeto acima. Não se brinca com a sorte! A sorte de poder viver alguns séculos na frente dos menos afortunados deve ser respeitada e se tornar algo palpável.

Precisamos aceitar que uma boa parte do mundo vai ficar para trás até termos condição de mudar as regras dessa corrida, até podermos criar atalhos para que eles nos alcancem. Só com tecnologia e liberdade de pensamento e expressão que vamos chegar longe o suficiente. Às vezes é questão de assumir a sorte que se tem e fazer uso dela. Não parar por ninguém na expectativa que linha de chegada finalmente apareça. O mundo ocidental tem que fechar as portas para o Islã, ou eles NÃO vão nos alcançar.

E isso é o pior que pode acontecer.

Para dizer que adora analogias bestas em temas sérios, para dizer que cartunista que desenha Maomé está pedindo para ser estu… morto, ou mesmo para dizer que nenhum brasileiro pode estar no bloco da frente: somir@desfavor.com

SALLY

Não tem jeito, morreu europeu, o assunto da semana continua sendo o atentado. Não importa quantas pessoas o BokoHaram sequestre, mate ou torture em atos que poderiam tranquilamente ser classificados como “atentado”, vida de europeu vale mais e choca mais o mundo.

Não que o atentado não tenha sido algo horrível e alarmante, foi sim. Dediquei um texto meu esta semana só para dar a minha opinião sobre esta triste realidade que é uma sociedade pregando tolerância e, na prática, sendo cada vez mais intolerante. O que me mata é que apenas parte da sociedade cause comoção em casos de mortes violentas como esta. Todas as mortes injustas deveriam causar a mesma comoção.

O atentado teve desdobramentos desde o texto de terça-feira. A Al-Qaeda reivindicou a autoria do massacre e os suspeitos acabaram mortos poucos dias depois. Chupa EUA, anos para pegar terrorista é para os fracos, os fortes matam dias depois! Os suspeitos já foram julgados e condenados, não morreram como suspeitos, morreram como culpados. Grandes tragédias frustram a humanidade, alguém tem que pagar. Será que eram mesmo os culpados? Tendo a acreditar que sim, afinal, era a polícia francesa, e não a carioca atuando. Mas certeza mesmo, será que se tem?

Morreram quatro reféns. Neles quase não se fala. Tá todo mundo feliz que os vilões morreram, apesar de que, ainda falta uma pessoa. Explica para esse povo que os quatro reféns que morreram são tão mortos quanto os mortos do jornal. Merecem a mesma indignação e solidariedade. A sanha punitiva foi enorme, será que essas quatro pessoas precisam mesmo morrer? Se fosse um caso de menor repercussão, será que essa matemática de 4 inocentes mortos compensando a morte de terroristas? Parece que na cabeça das pessoas “valeu o preço”.

Eu não entendo muito de estratégia policial, mas sempre que já reféns, o cuidado é enorme. Parece que neguinho não quis nem saber: saiu entrando e foda-se se alguém ia morrer, a morte dos monstros autores desse atentado valia o risco. Se tivesse morrido alguém da minha família como refém eu estaria bastante puta da vida com esse tipo de matemática. Estou indignada só de pensar que para manter a moral de qualquer Governo se coloque a vida de um refém em segundo plano. Desejo de coração que isso não tenha ocorrido e seja apenas uma impressão equivocada minha.

Fato é que esse atentado novelizou. Caiu no gosto popular, rendeu ibope, rendeu cliques, e, como consequência, está sendo explorado ao máximo pela imprensa. Até a cor da cueca do sequestrador vira notícia. O populacho acompanha os “capítulos” com todo o interesse, afinal, é o tipo de história que eles conseguem entender: o bom moço e o vilão muito bem delineados, quase que caricatos. Todo mundo sabe como se posicionar, como ganhar pontos socialmente: falar mal de terrorista rende pontos.

Os manifestantes de rede social, que acham que com uma frase de efeito ou hashtag mudam o mundo do sofá de casa bombardearam a internet com frases, achismos e uma solidariedade vazia, apenas para ficar bem vistos. Um ato concreto que é bom, não teve. Um desenho de Maomé vestido de Carmem Miranda que é bom… nada.

As pessoas “são contra essas mortes”. Gente, ÓBVIO que são contra essas mortes. Só um psicopata muito tosco vai pensar (e externar) “eu acho bacana gente inocente morrer fuzilada no seu trabalho porque fez uma piada”. Esse tipo de posicionamento é um posicionamento VAZIO. “Sou contra maus tratos a animais”. Dããã. Eu não, eu nas horas vagas estripo filhotinhos de gato! Eficiência, gente, eficiência. Vamos falar algo com conteúdo, porque dizer que é contra a morte de inocentes é chover no molhado. Todo mundo é!

E, é claro, teve o grande desfavor em torno do qual os demais orbitam: piada ofende a ponto de gerar uma chacina. Esses mesmos terroristas tiveram suas cidades, suas casas, seus hospitais bombardeados por outros países que não a França. Entretanto, a vingança foi contra quem falou mal do profeta. Pode bombardear hospital, mas não ouse fazer uma charge com Maomé. A lógica passa longe do fanatismo religioso.

A animosidade que já existia na França e em boa parte da Europa com imigrantes vai aumentar. A Al-Qaeda está cuspindo ameaças e prometendo atentados no mundo todo. Os EUA, Xerife do Mundo, já estão tentando se meter, como sempre, oferecendo “ajuda” para pegar os terroristas. Obama, recolha-se. Vai ajudar quem, filho, se vocês demoraram mais de dez anos para pegar o Osama? Vocês deixaram Boeings detonarem dois prédios e o Pentágono, não são propriamente o exemplo de eficiência contra terrorismo. É como se o Somir oferecesse ajuda a alguém para parar de fumar.

O cerne da questão não está sendo ventilado: humor é humor e quem se ofende com humor, independente da reação (fazer atentado, processar, xingar, chorar) é doente, é fundamentalista, é fanático e precisa rever sua postura. O argumento de que pessoas inocentes morreram é fraco, é vago. O grande desfavor que essa historia nos deixa é a incapacidade das pessoas de lidarem com humor. Isto porque o humor é uma forma de criticar ridicularizando. Criticar implica em discordar e discordar/criticar ofende, transtorna, tira do sério.

Intolerância. Quem discorda deve ser silenciado. Usam falácias tentando justificar a si mesmos e ao mundo que estas pessoas que pensam diferente devem ser silenciadas para o bem geral. E não me refiro apenas à Al-Qaeda, quase todas as pessoas, em maior ou menor escala, encontram um bem maior como justificativa para calar quem as aborrece. Pois, adivinha só, nenhum bem, valor ou pessoa “atacados” é tão grave quanto a falta de liberdade de expressão. Cambada de bebês chorões, aprendam a lidar com as opiniões negativas, pois elas são menos ruins do que censura.

Ou se para esses malucos fundamentalistas, ou eles vão nos manter reféns do medo e aterrorizar o mundo. E, como eu disse no texto de terça, essa gente não se para com medo, ameaça ou violência. Isso intimida a mim e a você, mas não a essas pessoas. É preciso encontrar um mecanismo para parar esses malucos fundamentalistas e para isso não se usam fuzis e sim o cérebro. Pena que o resto do mundo discorde.

O mundo estar cheio de malucos sanguinários dispostos a matar por causa de uma piada me assusta menos do que o mundo estra cheio de idiotas que, ao tentar combate-los, erram tão feio que os alimentam e os fortalecem.

Para sugerir uma bomba no Desfavor, para dizer que somos tão merdas que nem os terroristas se incomodam com a gente ou ainda para dizer que usar o slogan Pátria Educadora e depois fazer um corte brutal nas verbas para educação deveria ser o desfavor da semana porque é pior isso do que um atentado terrorista: sally@desfavor.com

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Comments (7)

  • “Eu não entendo muito de estratégia policial, mas sempre que já reféns, o cuidado é enorme. Parece que neguinho não quis nem saber: saiu entrando e foda-se se alguém ia morrer, a morte dos monstros autores desse atentado valia o risco. Se tivesse morrido alguém da minha família como refém eu estaria bastante puta da vida com esse tipo de matemática”.

    Não foi o caso em nenhum dos casos. Nem tanto por eficiência da polícia, mas sim pela presença de espírito dos reféns, no entando.

    No caso da gráfica, antes de enfrentar a polícia, os terroristas deixaram o gerente sair (antes disso, um cliente da empresa), o qual até ajudou um dos terroristas a fazer um curativo em um ferimento durante a troca de tiros com a polícia e serviu-lhes um cafezinho. Não por bondade, mas sim pragmatismo: tornar-se amigo dos terroristas evitou que ambos fossem para o fundo da empresa, onde o gerente havia mandado um subordinado se esconder, e este mandou mensagens de texto cruciais para a polícia.

    No caso do supermercado, dois fatos apontam para a tese de que os quatro reféns não foram mortos durante a invasão: (a) quando a polícia invadiu o supermercado, aproveitando que o sequestrador havia ido ao fundo do supermercado rezar (e não por conta de terem ouvido barulho de tiros), assim que a porta abriu e antes da troca de tiros, já havia uma pessoa morta no chão. O sujeito trocou tiros a partir do fundo do supermercado com a polícia e, ao final, saiu correndo por essa mesma porta, levando quase 50 tiros, (b) pelo menos um dos reféns ligou para parentes. A mãe de um deles disse à imprensa, antes da invasão da polícia, que a filha havia lhe dito que haviam matado cinco pessoas e que estavam todos escondidos em uma câmara frigorífica, aberta por um funcionário muçulmano desse supermecado judeu quando da invasão do sequestrador, o que facilitou em muito a atuação da polícia.

  • Acho engraçado gente lucianohuckizada ficar falando que foi um absurdo.
    Não permitem nada, nem um piada, se ofendem com tudo para depois pstar “Je suis Charlie”. Porra nenhuma.
    Cambada de hipócrita!

  • Até que enfim a parte da Sally ! :) Novamente com aqueles detalhes (“morreu europeu, é assunto” , falta de bom senso em mais “bem-intencionismo” de Obama / US Army e “falar mal de terrorista rende pontos”), mas principalmente : opiniões negativas menos piores que censura e…pena que o resto do mundo nem tenha opiniões como as daqui e que ainda haja discordância sobre o cérebro finalmente ser mais usado na contraviolência, haja falta de perspectiva nisso em pleno século XXI ! -_-

  • Gostei muito da análise do Somir e da analogia com corrida. Por causa dessas sacadas que só ele tem que eu o considero excepcional. No melhor sentido da palavra… O problema talvez seja justamente o mundo ocidental encontrar uma forma de fechar MESMO a porta para o Islã…

  • Muito bom o seu texto, Somir. Uma visão diferente de tudo o que vem sendo publicado.

    “O mundo ocidental tem que fechar as portas para o Islã, ou eles NÃO vão nos alcançar.”

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