Baixaria salvadora.

O ano era 1989. Collor e Lula disputavam o segundo turno das primeiras eleições presidenciais desde o restabelecimento delas. Na última semana, o programa eleitoral de Collor coloca uma entrevista com uma ex de Lula, baixando a lenha no molusco numa baixaria ainda sem par no processo eleitoral. Sério, foi ataque pessoal deslavado, uma das coisas mais escrotas que já fizeram em campanhas políticas. Ainda bem que funcionou!

Já viu? Se não viu, aproveite.

Para começo de conversa, eu mantenho a opinião inicial que foi sim extremamente condenável colocar essa entrevista no ar. Até vou além dizendo que a vida privada de políticos pouco interessa em sua capacidade de fazer o trabalho, opinião que eu sei não ser muito popular. Mil vezes um babaca eficiente no que faz do que um gente boa incompetente. Mas, ei, direito de cada um querer misturar as coisas.

Mas por que diabos eu estou desenterrando isso? Oras, porque esse golpe baixo dado há mais de duas décadas atrás pode ter nos salvado. Imaginem só se Lula ganha a eleição em 1989? Quando o Lula engravatado assumiu o poder, já tinham limpado a casa para ele. Imagina se ele pega o Brasil antes da estabilização da economia? Porque não ia ter papo com os ‘capitalistas/imperialistas’ que criaram a base do período de vacas gordas no qual ele governou.

Imagina essa gente que está quebrando o Brasil sem ter uma estrutura mínima para praticar o populismo? A Venezuela pareceria um paraíso em comparação com a situação que estaríamos vivendo. Sei que o texto vem meio fora de hora, mas durante as eleições seria alarmismo barato. Agora a merda já está feita e resta a nós tentar fazer algum sentido disso.

E sim, eu sei que boa parte do descalabro que foi o começo dos anos 90 é culpa de Collor e seus ministros malucos. Mas eles pegaram a herança maldita de notórios incompetentes do período militar: o país estava maduro para uma mega crise, e foi justamente o que aconteceu. Collor, Zélia e cia. botaram a economia de pernas para o ar, numa manobra desastrada como poucas vezes se viu por essas bandas. Mas na busca por uma solução (que por sorte não podia ser o PT de Lula, queimadíssimo), encontrou-se um tênue equilíbrio que perdura… bom, pelo menos perdurou até agora. O que vem em frente é assustador.

Não se enganem, Itamar e FHC lideraram governos tão ou mais incompetentes e corruptos quanto os atuais, faz parte do jeitinho brasileiro governar assim; mas pareciam um pouco mais atenciosos com planos de longo prazo para o país. Não sei se nosso público médio é muito jovem para lembrar, mas quem viveu aquele momento do Plano Real viu na prática o país ficando menos bagunçado e mais… previsível. Sim, ainda éramos um país de décimo mundo, mas dava para se preocupar com algo além da próxima refeição, finalmente!

Não vou ficar puxando saco aqui, até porque era o mínimo que os governantes deveriam ter feito. Nota 5, passou de ano, mas continuou burro! O que mais me chama atenção em nosso atual momento político é a incapacidade de fazer qualquer coisa que permita uma evolução contínua do país. Lula pegou um país insatisfeito, mas minimamente preparado para que colocasse suas ideias em prática. A ideia é distribuir renda? Bacana, dá para fazer! Agora, que base o PT deixa para o próximo governo fazer?

Eu digo: deixarão a base de dívidas colossais e uma imagem internacional pra lá de queimada, engessando o que quer que se pretenda fazer a seguir. Tá bom que o Brasil é o eterno país do futuro que não pensa no futuro, mas dava muito bem para tentar manter o navio flutuando. O Brasil não acaba quando o PT sair do poder. Quer dizer, pelo menos é isso que o PT deveria entender.

Posso estar presumindo demais, mas o partido no poder desde 2003 ainda estava com a cabeça em 1989 quando assumiu. Queriam reconstruir o Brasil à sua imagem, e trataram todo nosso território como terra arrasada. Temos inflação, desvalorização da moeda, medo de investir… mais ou menos como as coisas estavam na época que Lula perdeu pela primeira vez. Ao tratar o Brasil como um país sem nenhum rumo, perderam o pouco que já tinha.

Não sou necessariamente contra a ideia que o PT tem sobre o que o Brasil deveria ser, em tese é lindo. O que estraga tudo é a arrogância de tratar o próprio período no poder como única chance de todos nós vivermos uma situação melhor. Para eles, não houve antes e não haverá depois. Ao ignorar o que já tínhamos em funcionamento e pela clara vontade de deixar uma bomba nas mãos de quem vier a sucedê-los, fica claro que o PT não quer nem pensar na possibilidade de um Brasil guiado por outras mãos.

E no final das contas, é justamente isso que estamos vendo com a crise que só parece aumentar: “Se não for do nosso jeito, que se exploda!”. O governo de Dilma não parece mais interessado em resolver os problemas que se empilham diante dele. A gente avisou por aqui que seriam quatro anos empurrados com a barriga, e já estamos com material para um “Não Disse?” no final de fevereiro!

Isso que é gostar de ver o lado positivo das coisas: talvez sobrevivamos a essa mentalidade doentia porque escapamos dela em 1989. A base que se construiu à revelia dos petistas (eles sim eram oposição, não esses bananas que temos hoje…) resiste bravamente à corrosão causada pelo governo populista e imediatista que reelegemos e reelegemos…

Tá bacana? Não, não está. A crise é complicada, mas acreditem em mim, ou perguntem para quem viveu (mais conscientemente) naquela época do Collor, já foi incrivelmente pior. O governo atual torra dinheiro como se não houvesse amanhã (e para eles provavelmente não há), mas ainda sim isso aqui ainda lembra um país minimamente funcional.

Aquela propaganda escrota em 1989 pode ter nos salvado de um desastre irremediável. Populista em país ignorante se reelege sem parar. Esse pessoal que está implodindo uma das economias com maior potencial das últimas décadas teria criado um caos incrível naquela época de transição. O Brasil não teria se estabilizado, sabe-se lá se não teríamos retornado para outra ditadura!

Agradeçamos então à falta de ética e ao dinheirinho recebido por Miriam Cordeiro para sentar a pata em seu ex (o caralho que foi de graça), porque esse pode ter sido o investimento mais valioso da nossa história recente.

Para dizer que eu só falei disso porque a Anula tem duas páginas, para reclamar que eu nunca digo qual o lado certo (não tem no Brasil), ou mesmo para dizer que isso tudo é pessimismo: somir@desfavor.com

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