Mente pra mim.

Nessa vida é inevitável escutar mentiras. E muitas delas nem percebemos. Mas sobre aquelas com pernas especialmente curtas, Sally e Somir discutem qual a melhor maneira de tratar o mentiroso. Os impopulares dizem a verdade.

Tema de hoje: Contraditar um mentiroso quando ele está mentindo?

SOMIR

Não, deixa a pessoa se afundar sozinha. Ou até mesmo veja o que você pode ganhar com a situação. As pessoas VÃO mentir para você, em diversas situações e escalas, por isso é saudável ter um plano para lidar com elas. E na maioria dos casos sua melhor aposta é não contar com um blefe alheio.

Se você percebeu a mentira e ela é danosa contra você se não for desmentida logo, é a única exceção da regra: aí ou você confronta ou se ferra. Mas evidente que não estamos concentrados nesse exemplo, todo mundo confrontaria nessa situação. Estamos falando de outros casos, de mentiras com as quais você pode conviver.

Mas vamos desenvolver melhor o tema: vamos partir do pressuposto que apesar de perigosa, a mentira permeia inúmeros aspectos da nossa vida em sociedade. Com exceções do tipo dos mitômanos, a maioria das pessoas tem uma certa noção que mentir é um jogo com riscos e recompensas. Vamos entender também que ninguém gosta de ser pego numa mentira, por mais inocente que seja.

Pois bem, eu não estou nesse mundo para criar nenhum marmanjo: se a pessoa escolheu mentir, o problema é dela. Não faltaram avisos durante sua vida que inverdades podem se voltar contra você a qualquer momento… então eu vou me colocar no papel de educador ‘tardio’? Sem chance. O mentiroso fez sua aposta, problema dele. Eu vou continuar jogando o meu jogo.

Cenários: A pessoa mentiu sobre algo inócuo que não interfere em nada com sua vida. Exemplo: mentiu sobre o preço de algo que comprou para impressionar. Vai pentelhá-la por quê? Lembremos que as pessoas não gostam de ser desmentidas e você vai arranjar confusão, em alguns casos até mesmo se fizer o confrontamento de forma mais sutil. Não vai ser uma cutucada minha que vai mudar a posição daquela pessoa sobre mentiras, até porque via de regra todo mundo mente MUITO na vida. Você não ganha nada além de uma briga.

Ou: A pessoa mentiu sobre algo que interfere levemente em sua vida. Um atraso para um compromisso explicado por um pneu furado, por exemplo. O atraso já é fato consumado, e a probabilidade dele se repetir não tem a ver com a exposição ou não da mentira. É comum que mentiras confrontadas sejam ‘defendidas’ por ainda mais mentiras, colocando você no centro de uma chata espiral de eventos imaginários… além disso, mentiras costumam ter motivações: e se a pessoa disse que foi o pneu porque não queria dizer que foi uma caganeira? É importante exercer um certo grau de suspensão de incredulidade mais ou menos como se faz em ao assistir um filme para ter maior capacidade de enxergar o todo.

O que eu prego aqui é a capacidade de escolher suas batalhas. Algumas mentiras não mudam sua vida e várias outras podem ser apenas um atalho ou um eufemismo para explicar coisas que você não tem paciência ou vontade de saber para começo de conversa. Qual a cena completa? Isso é o importante. A mentira se alonga se você continuar mexendo nela.

Algumas mentiras até podem ser um aviso para não continuar no assunto. Você percebe que a pessoa não foi muito coerente ao dizer que o estava fazendo na noite anterior, mas ela pode estar apenas cortando o assunto para não ter que detalhar seus feitos (provavelmente vexatórios). A verdade é que mentira é algo tão comum que muitas vezes nem tem a ver com você: a pessoa mente por um motivo dela e só quer ser deixada em paz. Muita arrogância achar que sua participação inquisitória é de algum valor na vida alheia.

E mais, tem quem minta para se sentir bem consigo mesmo. É bonito? Não. É problema MEU? Não. Se o cidadão quer dizer que comeu três Panicats num jatinho particular de um amigo famoso no final de semana passado, que diga! Eu vou achar ele um mentiroso, mas não me faz diferença prová-lo errado. Se a pessoa diz aquilo, diz porque quer.

Sem contar que é divertido dar corda para mentiroso. Desde, é claro, que a mentira não vá estragar a sua vida… deixa a pessoa ir adicionando fatos na sua história. Eu pessoalmente acho hilário ir construindo a mentira com a outra pessoa, é mais fácil do que parece ‘injetar’ detalhes na história mentirosa alheia e brincar de roteirista da imaginação alheia. Pergunte sobre algo que a pessoa não falou que estava na história, complete você mesmo os buracos mais óbvios, concentre-se na parte mais escabrosa… existem várias possibilidades de fazer o mentiroso perder a linha totalmente.

E mesmo que você não compartilhe comigo a fascinação pela imaginação humana, ainda existe um bônus: a mentira conta muitas verdades. As pessoas tendem a se entregar em suas fantasias. Dizem o que gostariam de fazer de verdade e até mesmo o que pensam mesmo sobre assuntos polêmicos. E além disso, se fazer de tonto para as mentiras alheias vem com o bônus de te transformar em pessoa de confiança. A pessoa vive seus ideais à partir das histórias que conta para você. Nem todo mundo vale essa pena, mas como todo mundo mente, alguém que te interesse com certeza vai cair nessa categoria.

Mas tem mais uma coisa sobre a qual eu gostaria de falar: quem disse que você acertou que a outra pessoa está mentindo? Muitas vezes a mentira é mais palatável que a verdade. É útil ter cautela ao apontar uma mentira, porque a verdade pode ser muito estranha. Quando você deixa o que acha ser uma mentira seguir seu curso, pelo menos enquanto a escuta, ganha mais referenciais para julgar a informação. Pode começar estranho e fazer sentido algumas frases no futuro… ou pode virar uma baboseira tão óbvia que você tem toda a segurança para não levá-la em consideração depois.

Muito se engana quem acha que a melhor solução contra um blefe é confrontá-lo na hora. Deixa a outra pessoa apostar mais e mais… os seus lucros vão ser ainda maiores no final.

Para dizer que não acredita no meu texto, para dizer que a verdade é relativa, ou mesmo para dizer que acha tudo mentira por definição: somir@desfavor.com

SALLY

Contraditar um mentiroso quando ele está mentindo? Sim, com certeza. Se não tiverem um freio, os mentirosos continuam mentindo mais, mais e mais. Minha vida é muito curta para ser plateia de mentiroso!

Não me entendam mal, contraditar um mentiroso não quer dizer apontar o dedo em sua direção e gritar que ele está mentindo. Sim, sinto uma enorme vontade de fazê-lo, mas custa caro demais. Existem formas sutis de apontar a mentira ou contradição sem necessariamente afrontar o interlocutor. Desmascarar a mentira eu sou radicalmente contra, pois se a pessoa precisa daquela mentira (quase que como um escudo), ela vai se voltar contra quem retira dela essa proteção.

Existem formas inteligentes de contraditar um mentiroso, de modo a que ele ache que percebeu sozinho que será desmascarado se continuar mentindo. E é isso que eu faço. Não suporto perder meu precioso tempo ouvindo mentirinha, seja ela auto-promocional ou vitimizante. Além da perda de tempo, me irrita, pois julgo um descrédito com a minha inteligência ficar inventando coisas sistematicamente.

Pode ter um lado interessante, quase que antropológico, em ficar ouvindo a mentira alheia. Através da mentira se falam muitas verdades implicitamente: o tipo de mentira que a pessoa escolhe/precisa contar diz muito sobre ela e sobre suas fragilidades. Mas eu considero a perda de tempo de ouvir historinhas mentirosas insuportável, então, abro mão desse estudo antropológico. Meu tempo é escasso e é sagrado, quem precisa mentir que ligue para o Disk-Amizade e pague R$ 4,99 o minuto para paunocuzar alguém.

Mentirosos não me interessam. Nem como amigos, nem como colegas, nem como parceiros. Pessoas mentirosas não me interessam. Os mentirosos são, em sua essência, burros. Quando mentimos gastamos muita energia para sustentar essa mentira, é como se ficasse rodando um programa ou um aplicativo de fundo em tempo integral: come bateria e memória, pois não pode ser desligado nunca, a qualquer momento precisará ser acessado. Se a pessoa não percebe ou percebe e ainda assim insiste em mentir, é burro e não me interessa.

Então, partindo da premissa que mentirosos não me interessam, por mais divertido que seja montar mil armadilhas e trolagens para mexer com o mentiroso ou ensinar-lhe uma lição, eu passo. Tenho mais o que fazer. Naturalmente eu já não tenho muito saco para ouvir mimimi, se eu gastar o pouco que eu tenho com mentirinha babaca, não sobra nada de disponibilidade para assuntos importantes.

Sim, mentira me irrita e tenho um desejo quase que incontrolável de apontar o dedo para a pessoa e dizer que é óbvio que ela está mentindo. Para não fazê-lo, gasto muita energia para me controlar. Não quero gastar energia com mentiroso. Mentira, salvo alguma finalidade muito específica, é sintoma de uma disfunção interna muito grande e eu aprendi a ter medo de pessoas disfuncionais. Por mais que você tente manter um distanciamento, elas te puxam para sua disfuncionalidade, te contaminam, te envenenam, te envolvem em confusão. Detesto confusão de terceiros. Prezo minha paz.

Além disso, eu acredito de coração que é inútil “dar uma lição” ao mentiroso, fazendo com ele se enforque na própria mentira. Se ele estivesse preparado para encarar a verdade, não precisaria se esconder atrás de uma mentira. Você trola, expõe a verdade e o mentiroso vai inventar mais uma tonelada de mentiras para tentar justificar a mentira inicial. Vai negar, vai chorar, vai te acusar de inveja, vai se voltar contra você. Não tenho saco, não quero confusão. Se ouvir uma mentira pudesse induzir a uma reflexão, melhorar a pessoa, ajudar de alguma forma, talvez eu até me desse ao trabalho de fazer, mas me parece inútil.

Outro problema é que quanto mais se escuta passivamente um mentiroso, mais ele mente e mais sem noção ele fica. A mentira vai aumentando em tamanho e diminuindo em qualidade. Isso vai me irritando ainda mais, pois parece que a pessoa me acha burra para inventar exponencialmente mais e mais chorume.

Se der corda ou simplesmente não cortar um mentiroso vou acabar ficando muito irritada em algum ponto do seu show. Eu gosto muito de mim mesma para me colocar em situações que me irritarão quando me é dada a escolha. Não, obrigada. Com muito tato, com muito cuidado, com muita sutileza deixo um bloqueio para que a história continue.

A partir do momento em que você compactua com uma mentira que sabe ser mentira, vira cúmplice, quase que refém do contador de histórias. Eu não admito que me coloquem compulsoriamente como cúmplice ou refém. Eu não aceito ficar nessa posição. Eu não quero. Eu me permito não deixar que me coloquem nessa posição.

Uma frase, uma deixa, uma informação jogada casualmente na conversa que tornem a mentira totalmente ridícula e desmascarada se o interlocutor continuar a falar bastam. As pessoas sentem o perigo, a falta de boa vontade de quem escuta e recuam. Afinal, o que mais tem nessa vida é plateia para mentiroso. Se eu me recusar a ouvir, vai ter quem ouça. Mundo de cuzões que em nome do social e networking se sujeitam a tudo.

Enfim, para mim não tem graça essa brincadeira de ficar dando corda para mentiroso. Como disse, são pessoas que não me interessam, e justamente por não me interessarem, não quero nada com elas: nem lhes fazer bem, nem lhes fazer mal.

Quero apenas distância de pessoas desinteressantes. E, sinceramente, acho que todos deveriam pensar assim. Tempo hoje vale ouro, poucos de nós tem tempo livre para perder com bobagens como essa. Pegue seu tempo livre e faça algo melhor do que ser audiência de um mentiroso, corte a mentira logo que ela começar.

Para dizer que se for se comportar assim não conversa com quase ninguém (bem vindo ao meu mundo!), para relativizar a mentira ou ainda para dizer que o Sindicato dos Trolls vai caçar minha carteirinha: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Existe ate uma doença onde a pessoa inventa uma ideia e, de tanto repetir, acaba acreditando na propria mentira.
    Tive uma namorada assim. Ele perdeu o ex por mentir com muita facilidade, e acabou me perdendo tambem. As mentiras nunca chegaram a me afetar diretamente. Ela sabia com quem estava lidando. Eram pequenas, mas mesmo assim eu confrontava.

    Nao curto de jogar essa doença de jogo. Prefiro cortar logo pela raiz, mas cortar com gosto, sabe? Pra ver a palidez no rosto da pessoa e faze-la desistir de me fazer de otario!

      • Neste caso, Sally, era hábito mesmo. E porque comigo ela se esforcava pra falar a verdade? Questao de escoha.
        O problema é que nao tem como saber se é patologico ou nao. Por isso, acabo expondo logo as contradicoes e a pessoa desiste imediatamente.

  • Sally, como funciona a sua estratégia de desmascaramento? Eu não consigo me segurar e já acuso logo a mentira. Sou sincericida e morro pela boca, como peixe.

  • Antigamente eu apontava todas as contradições, mas hoje em dia eu deixo pra lá. Se eu perceber a mentira já me basta, acho perda de energia à toa. Isso se for coisa branda, eu deixo rolar, claro que algo grave nem tem como. Tenho um colega que mente grande parte do tempo e todo mundo já percebeu. Agora quando ele começa a gente só se olha e depois vai comentar dele.

  • Isso me fez lembrar situações onde a pessoa está sofrendo por um término de relacionamento e fica soltando mentiras de como a relação era maravilhosa, de como ela foi justa na relação… incoerentemente com a realidade que todas as amigas viram e só escutavam reclamação. Estou vivendo algo assim. Eu concordo com tudo que a Sally escreveu, aluga, é um saco, mas tenho que admitir que é difícil essa situação onde a pessoa pra se equilibrar entra num mundo paralelo fantasioso de soltar mentiras. Eu tb confronto, mas confesso que acho muito desgastante. Nessa situação da pessoa acreditar na própria mentira é cansativo, perco o tesão de falar e minha paciência vai pro espaço.

  • “Mas tem mais uma coisa sobre a qual eu gostaria de falar: quem disse que você acertou que a outra pessoa está mentindo? Muitas vezes a mentira é mais palatável que a verdade. É útil ter cautela ao apontar uma mentira, porque a verdade pode ser muito estranha.”

    Concordo, Somir! A verdade nem sempre é verossímil. Nem sempre o que não tem aparência de plausível é realmente mentira. Vai que a pessoa tem 8 orgasmos múltiplos por dia mesmo? Só porque eu não tenho, não quer dizer que outras não possam ter.

  • Gostei muito desse trecho do texto da Sally: “Através da mentira se falam muitas verdades implicitamente: o tipo de mentira que a pessoa escolhe/precisa contar diz muito sobre ela e sobre suas fragilidades.” Isso é muito profundo.

    Não sou tão esperta quanto vocês e por isso não percebo, tão facilmente, quando alguém está mentindo. Só reagiria se a mentira prejudicasse muito alguém. Mentiras criminosas, que contenham calúnia sobre terceiros, que possam prejudicar irremediavelmente alguém são diferentes dessas mentirinhas que as pessoas contam sobre elas mesmas.

    Se a pessoa precisa tanto dizer que é rica, que a roupa falsificada é de marca, que tem dezenas de namorados, que faz sexo com o marido todos os dias, que o amante “dá três sem tirar”, que tem orgasmos múltiplos 8 vezes ao dia, que a família é margarina, que engordou 50 kg sem comer nada além de salada, que pegou a Camila Pitanga, que já deu para o Selton Mello e confirma a fama de pau pequeno que alguém um dia espalhou nas redes sociais, que é a melhor amiga brasileira da Angelina Jolie, que não é gay (quando está na cara que é), pra que eu vou contraditar, ainda que de forma inteligente como a Sally sugere? Pra quê destruir, ainda que indiretamente, os castelos de areia das pessoas mais frágeis? A pessoa precisa dessas mentiras para não desmoronar. Não tenho interesse em desmascarar, ainda que sutilmente, uma pessoa que precisa mentir para si mesma para se manter de pé.

    “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício interior.” (Clarice Lispector)

    • Marina, o grande perigo está na pessoa não assumir a responsabilidade. Sim, eu sei que o problema irá ser dela por não evoluir, não se assumir, mas vejo isso como uma patologia da humanidade. Se a pessoa não assume responsabilidades e cria um universo paralelo de mentiras em torno de si, é responsabilidade de cada um não compactuar com esse jogo de vitimização que se cria. Cedo ou tarde a merda respinga em vc. Pessoas que não assumem suas próprias responsabilidades transferem para outros, aí que mora o perigo.

      • Será? Acho que quem mente obsessivamente sobre si mesmo é doente e precisa de tratamento. Mentir que tem casa própria com salão de jogos e piscina enquanto na verdade mora numa quitinete alugada é ser muito infeliz com a própria realidade. Eu teria pena. Não iria contraditar (nem sutilmente)

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