Os opostos te traem.

Os movimentos responsáveis pelas marchas recentes contra o governo atual começam a repensar suas estratégias. Botou gente na rua, fez barulho, mas… de prático não conseguiram nada. E numa análise mais fria, nem mesmo as extremamente populares manifestações de Junho de 2013 deram algum resultado. O que precisa para mudar este país?

Já começo dizendo que não estou exatamente tentando achar uma solução para ajudar quem quer o impeachment de Dilma. Como já disse num texto recente, não parece ser algo que vai gerar o resultado esperado, e tem muita gente babaca pedindo a volta de ditadura nesse bolo. Sou contra a corrupção absurda que ocorre no Brasil, coloco boa parte dessa culpa na administração atual, mas… ainda sou pessimista em relação à efetividade de dessa possível chacoalhada no governo.

O que não me impede de conjecturar: o Brasil tem imensas dificuldades de impor a vontade do povo em seus representantes. Para o bem e para o mal… se dependesse de nosso sábio povo, o conceito de justiça regrediria para a Idade Média. O brasileiro pode até estar pensando no próprio bem, mas costuma confundir vontade de resolver com capacidade de resolver. A procura pela solução mágica para todos os problemas consome tempo demais na cabeça dessa gente.

A vida real é mais… exigente. Precisa saber o que se quer e ter um bom plano para conseguir. E bons planos dificilmente tem uma etapa chamada “resolver tudo na hora”. Infelizmente, não é bem assim que o brasileiro tende a agir quando está reivindicando alguma coisa para suas figuras de poder. Eles querem alguma coisa, e basicamente só isso. Sem negociação, sem etapas, sem metas… apenas o brinquedo que pediram para o Papai Noel.

E algo me diz que essa maneira de enxergar as coisas tem tudo a ver com a ineficácia dos movimentos populares dos últimos tempos. O governo do PT está atolado em escândalos de corrupção, é nobre exigir sua saída… mas, também é ineficiente pedir só isso. Talvez ainda exista alguma memória coletiva do caso do Collor confundindo as pessoas: o povo foi um símbolo bacana, mas os poderosos daquele momento queriam mesmo a cabeça do carioca (achavam que era alagoano, né?). A máquina trabalhou em prol dos desejos da população mais por coincidência do que por conivência.

Numa conjuntura um pouco mais estável, precisa de MUITA gente na rua para conseguir um ‘prêmio’ desses. Mais ou menos o suficiente para parar o país completamente e deixar as bases armadas para uma guerra civil ou golpe (o que vier primeiro). E a tendência é que em países grandes e relativamente pacatos feito o Brasil isso nunca aconteça. Não tem nenhum grupo bem organizado pronto para assumir na bagunça, então a tendência é que o povo faça apenas barulho ao protestar.

E barulho é um problema contornável. Dilma ficou de pé com milhões de pessoas nas ruas, muitas delas botando fogo e depredando coisas. Claro, ela deu um discurso assustado e prometeu um monte de coisas que ou foram inúteis ou foram ignoradas. O barulho passou, até porque todo mundo tinha que acordar cedo no dia seguinte. Na Copa o povo chiou de novo, mas ninguém sequer balançou. No mês passado muita gente foi pra rua de novo, e o máximo que tivemos foi um pronunciamento tragicômico de dois ministros perdidos.

É só barulho. Acho triste que seja só barulho quando estão reclamando de corrupção e desmandos, mas pra que tapar o sol com a peneira? Presume-se que o povo unido (jamais será vencido) consiga pressionar seus representantes a articular em seu nome. Mas presume-se errado: não elegemos representantes. Não se esqueça que até os mais notórios safados do Executivo e do Legislativo estão lá por voto popular. Elege-se alguém e torce-se para o melhor resultado. O povo quer alguma coisa, mas deixa o ‘como fazer’ nas mãos do acaso.

E o som das ruas cai em ouvidos moucos. Não há quem transforme essa energia potencial em trabalho propriamente dito. Enquanto os organizadores dos movimentos populares em polvorosa pela saída da presidente coçam a cabeça para descobrir o que está dando errado, aqueles que podem fazer o certo suspiram aliviados por passarem despercebidos. O povo na rua querendo mais ética e honestidade é uma cena muito bonita, mas enquanto eles não estiverem armados e perigosos, não passa de uma cena.

Vontade popular é uma parte da equação, mas não é a única variável a ser encontrada para chegarmos numa resolução. Para lutar contra a situação, precisamos de uma oposição. Algo planejado, organizado e motivado. Se queriam saber por que as coisas não estão saindo como o esperado, que olhassem menos para as ruas e mais para os corredores do Congresso. É lá que está a falha no projeto. Não temos oposição nesse país. Quase metade da população votou num sujeito que se contentou em ladrar enquanto a caravana passa.

Pode parecer maluquice, mas se querem algum resultado, está na hora de fazer barulho nos portões da oposição. Eles estão escondidos da batalha. São eles que tem os mecanismos necessários para botar em prática os pedidos do povo que vai para as ruas. É hora de bater no PSDB, não no PT. Tem que tirar eles da inércia contemplativa e completar a equação.

Novamente: não acho que o Aécio seja solução, não acho que o PSDB não seja mais do mesmo, nem mesmo estou confiante que tirar o PT agora nos fará bem (se o barco afundar, eu quero eles dentro). Mas, porra… se ainda não caiu a ficha do motivo pelo qual as manifestações estão falhando e perdendo fôlego, que caia de uma vez! Está muito confortável ser oposição se isso significa apenas ver o adversário se queimando e apontar o dedo de vez em quando. Está na hora de mexer a bunda e se fazer ouvir!

Evidente que só berrar nas ruas não resolveria o problema. Querer uma coisa não é sinônimo de ser capaz de conquistá-la. E aí precisam fazer o básico de uma democracia: fazer seus representantes trabalharem! É esse o conceito que parece não entrar na cabeça das pessoas: aquela turma do Congresso e do Senado serve sim para alguma coisa, e enquanto a turba enfurecida não estiver à caça deles, vai ser só barulho.

E repito: barulho é contornável.

Para dizer que melhor ainda é combinar de não votar no PMDB para mais nada, para dizer que eu sou um petista disfarçado, ou mesmo para dizer que tem saudades do PT do lado que reclamava: somir@desfavor.com

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Comments (21)

  • Reivindicar me parece ser a unica forma de fazer alguma coisa. Seja ela nas ruas ou diante da oposicao.

    Esta PL é um indicio claro de castração gradual dos direitos trabalhistas.

  • Somir destruindo os gurus da autoajuda em 3,2,1… “Querer uma coisa não é sinônimo de ser capaz de conquistá-la.

  • Se as ruas não forem ouvidas, então estamos em um beco sem saída. A oposição não é confiável e só está preocupada com seus próprios interesses.

  • Sally, please nos conte sobre o que exatamente é esta pl 4330. Eu li o texto da lei e não encontrei nada que justifique esta baderna que estão fazendo por tudo que é lugar hoje.
    Talvez pela minha ignorância no juridiquês, eu não acho que seja uma coisa ruim.

    • Os trabalhadores terceirizados não recebem direitos trabalhistas como aqueles contratados pela CLT. Até então, a lei só permite que se terceirizem pessoas da atividade meio, ou seja, pessoas cuja atividade não está diretamente ligada à finalidade da empresa (ex: a faxineira em uma fábrica de carros). Com essa mudança, será permitida a contratação terceirizada (em vez de contratar o trabalhador, contrata uma empresa que disponibiliza trabalhadores) para a atividade fim também (ex: montadores de carros em uma fábrica de carros), abrindo uma brecha para que tudo e todas possam ser contratados sem pagar direitos trabalhistas como férias, 13°, etc.

      Porém, como eu disse em outros comentários, não é certeza que vai ser aprovado. Dilma não tem foças para vetar, fato, mas ainda assim, acho que o povo, no estado de putez em que está, desperta um certo respeito. Não é momento. Seria uma burrice enfiar isso goela abaixo do povo.

      • Pensei bastante sobre este novo projeto, e acabei entrando numa espécie de Teoria de Conspiração.

        O projeto é EXTREMAMENTE impopular. Do jeito que está não tras benefício algum para maior parte da população e foi aprovado na câmara – ainda precisa passar pelo senado e pela presidente.
        Estamos no meio de uma crise, inflação alta, recessão, ameaça de desemprego…

        Por que lançar algo assim agora?

        A coisa mais lógica que consigo imaginar é pra se colocar um bode na sala. A vida ficar ameaçada de ficar pior. Todo mundo brigar por isso,
        Depois vem o governo (com o veto já certo) e tira o bode da sala. A vida fica como antes, mas parece melhor, e ainda temos um salvador que se importa com o trabalhador.

        Pode parecer absurdo, mas já estão jogando o ônus deste projeto na “direita” nos coxinhas que saíram as ruas. Já que o PT é contra, e tem gente contra o governo, então são a favor do projeto. Numa lógica que pareceria absurda, se não fosse oficializada e apoiada em suas páginas oficiais..

        Ps.: Em tempo. Que governo é este que é contra a terceirização mais é a favor dela na medicina com trabalho cubano semi escravo no mais médicos?

        • Ontem um amigo petista me mostrou um jornalzinho do sindicato do local onde ele trabalha, sindicato todo petista, onde tinha as fotos dos políticos que são a favor desse PL. Não tinha nenhum do PT, maior campanha petista! Os petistas tão mesmo usando isso pra amenizar o desastre que fizeram.

        • O Mais Médicos não tem nada a ver com terceirização. O problema é a incompatibilidade de sistema político.
          Eu trabalho com médicos estrangeiros e os Cubanos são muito eficientes na assistência básica e até são oferecidos outros benefícios extra para que queiram renovar e permanecer no Brasil. Só sou contra pq não fizeram o Revalida.

      • Ué, mas o texto não é sobre a putez do povo sozinha não adianta muita coisa, então pq adiantaria sobre essa pl?
        Na minha ignorância eu acho q seria bom poder terceirizar serviços, aumentaria oferta de emprego.

      • E ninguém cala esse chororô

        Independente de ser aprovado ou não, duvido muito que a estrutura fortemente terceirizada mude para algo mais digamos “a margem da lei”. Mais fácil dispensar a turma toda e dar uma aumentada nos índices de desemprego.

      • Bom, o único modelo de terceirização que eu conhecia e o qual é muito comum no meio em que trabalho é a terceirização de uma outra empresa que presta serviços mas na qual os funcionários da contratada são contratados como CLT, então não há perda de direitos.

        Outro modelo muito comum no meio em que trabalho são os chamados “PJ” que não tem os direitos da CLT mas são “compensados” com um gordo salário que as vezes chega quase ao dobro dos que são contratados CLT.

        Acho que esta medida nada mais é que regulamentar aquilo que já acontece. E, com certeza abrir brecha para MUITA falcatrua nestes contratos de terceirização.

        • No caso, então essa pl seria pra liberar a teeceirizacao sem a clt? Pq eu tb sou terceirizado dentro da clt daí não teria problema pq já existe. Seria então regulamentar o trabalho escravo.

          • Não, não, não.

            Trabalho escravo é trabalhar sem ganhar salário legalmente previsto. Uma coisa é direito trabalhista (férias, 13°, etc), outra é o seu salário.

            Um exemplo: Muito terceirizado é contratado por um ano, demitido, e recontratado por mais um ano, assim nunca tira férias pois está sempre no período aquisitivo, deu para entender?

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