Terceira mão.

A Câmara já aprovou, falta o Senado. O projeto de lei que muda as regras da terceirização gera polêmica, mas vai seguindo em frente. Explicando de forma simples (e simplista): agora uma empresa vai poder contratar outra para fazer seu trabalho. Pessoalmente, não sou tão contra assim, mas algo aqui me deixa irritado… o que diabos esse país quer da vida?

Em primeiro lugar, existem formas dignas de se fazer esse tipo de terceirização de atividade-fim. Os sindicatos berrando contra o projeto de lei tem sim razão em prever muita sacanagem sendo feita para cima dos trabalhadores, mas numa sociedade capitalista onde o objetivo-fim de toda empresa é o lucro, presume-se que os trabalhadores tirem o palitinho menor. Lucro não costuma andar de mãos dadas com distribuição de renda.

Pensamos de forma prática: a empresa X planeja uma expansão para um mercado adjacente, com um plano de um ano para ver se vai ou racha. Para tal, ela precisa aumentar sua mão-de-obra consideravelmente, mas contratar no Brasil é complicado. Tudo bem que existe a possibilidade de contratação temporária, mas ela é pensada para surtos de consumo como os feriados de final de ano. É coisa para poucos meses, se tanto. Se a estratégia considera um ano de reforço na produção, tem que estar preparada para contratar toda essa gente como manda o figurino. E torcer, torcer muito para o plano dar certo. Os direitos trabalhistas brasileiros colocam barreiras de entrada e saída no influxo de novos funcionários.

Com a possibilidade de terceirizar a sua produção, a empresa ganha a possibilidade de arriscar seu plano de crescimento sem o fantasma de uma turba enfurecida nos seus portões a assombrando. E também a agilidade de escalar sua capacidade de produção de acordo com a necessidade. O funcionário é problema da empresa terceirizada, ela que se vire para realocá-lo! Além disso, não podemos esquecer que se a terceirizada treinar seus funcionários, a empresa contratante pode dispor quase que automaticamente de uma força de trabalho capaz de fazer não só seus serviços de costume quanto fazer modificações deles e oferecer um leque maior de possibilidades para seus clientes.

Está fazendo um projeto que exige programadores da linguagem A? Acabou esse e surgiu um que exige os da B? É só ‘rodar’ os funcionários. A empresa pode se especializar em arquitetar os projetos (ficando boa nisso) e se preocupar apenas em chamar as peças corretas para sua linha de produção. Essa liberação da terceirização abre grandes oportunidades de negócio e até mesmo da melhoria dos péssimos serviços e produtos disponíveis no mercado tupiniquim.

E para o trabalhador, talvez a oportunidade de não depender mais da saúde financeira de uma empresinha qualquer. Ele vai estar atrelado a uma empresa que pode mandá-lo para diversos lugares onde seu trabalho é necessário. Mas eu não sou tonto: eu sei que no fim das contas os trabalhadores vão perder direitos e receber menos. Não se pode ignorar que estamos colocando uma ‘parasita’ na relação entre fornecedor e comprador. Esse parasita precisa de alimento e pouca gente vai tolerar aumento de preços… a corda vai estourar nos salários e benefícios.

É muito difícil equilibrar a felicidade de empresários e funcionários nesse mundo. Nem mesmo os países com os melhores índices de desenvolvimento humano estão livres dessa queda de braço. O que acontece é escolherem um modelo e seguirem em frente. Algum dos dois vai ter que ser jogado na selva!

Porque é uma questão de seleção natural: se você enforca as empresas dando muitos direitos aos trabalhadores, só as melhores delas sobrevivem. Fica caro demais assumir riscos e procurar mercados novos. Só quem já está bem estabelecido consegue ir para a frente. No sentido contrário, se você enforca os trabalhadores dando muitas vantagens para as empresas, os trabalhadores tem que começar a fazer cada vez mais por cada vez menos para terem um emprego. É fácil contratar e demitir, e as empresas assumem riscos cada vez maiores.

Pouco se diz sobre o que realmente acontece nos países com o “bem-estar social” devidamente aplicado: quem trabalha tem a vida mais digna, mas quem empreende está sempre lutando morro acima. Os espaços são mais concorridos, é raro ver empresas crescendo meteoricamente… existem regras e mais regras, contratar alguém é um compromisso sério, como todo mundo tem mais dinheiro é mais difícil comprar espaços, contratar talentos e peitar empresas já bem estabelecidas. Em países onde o capitalismo come solto, é fácil empreender. Uma boa ideia e um pouco de sorte podem te deixar rico rapidamente. Seus direitos como trabalhador são irrisórios e é cada um por si.

Pessoalmente, eu até prefiro engessar ainda mais a livre iniciativa empresarial no Brasil se isso significar mais qualidade de vida para a população. Concordo com a tese (em tese) do Lulismo sobre a instauração de um estado de bem-estar social no Brasil como prioridade número um. Se vamos fazer isso, eu engulo alguns sapos. Distribuição de renda e foco em direitos universais não te deixa mais perto de comprar aquela Ferrari, mas depois de algum tempo ajuda a não roubarem seu Uno. Conceitos diferentes de felicidade…

Agora, se o plano se resume a fazer Bolsa-Família e passar na sequência uma medida capitalista selvagem dessas… que plano é esse? Tudo bem que o PT votou totalmente contra, mas o resto da base do governo deu de ombros. A maioria dos picaretas do Legislativo são donos de empresas (oficial ou extra-oficialmente) e estão achando o máximo ganhar uma escapatória das restritivas leis trabalhistas brasileiras.

Sou a favor do projeto da terceirização se não tiver plano nenhum. Bem-estar social é difícil de fazer na prática, e se não vai fazer direito, que pelo menos sejamos capitalistas mais eficientes. Os dois lados tem suas vantagens, muito embora o Brasil tenha mais cara de quem precisa focar no lado social. Dá para ser uma coisa ou para ser outra, mas as duas? O país que distribui renda (mesmo que de um jeito cagado) não pode ser o país que dá um passa-moleque nos seus trabalhadores com um projeto de lei desses.

Estamos chegando num ponto escroto de desgoverno onde cada medida é desfeita pela próxima. Ficamos com o pior dos dois mundos: o PT sangrando os cofres com seus planos mirabolantes (nem estou contando a corrupção) e seus próprios aliados lançando mão de projetos para deixar os cidadãos desprotegidos! Cacete! Se vai seguir por esse caminho, que pelo menos economize algum dinheiro público e faça uma média com os investidores internacionais!

Não existe isso de misturar as duas coisas e chegar a algum resultado positivo. O que caralhos esse povo de Brasília está fazendo? Quando chegamos nesse grau de confusão, pode colocar quem quiser no Palácio do Planalto que o país vai continuar não fazendo sentido. O problema está ficando cada vez maior que o PT, situação e oposição estão se misturando numa gororoba ideológica difícil de engolir. Se o Senado aprovar e a Dilma sancionar, o pouco de lógica que ainda existia vai se esvair numa pancada só.

Podem me xingar, mas uma coisa eu digo: pelo menos quando era o FHC ou o Lula lá, eu entendia o que estava acontecendo. E talvez um pouco no primeiro mandato da Dilma. Mesmo que não concordasse, parecia-se com um plano. Agora não se parece com mais nada.

Para dizer que terceirizou a leitura deste texto para alguém que se importa, para dizer que quem tem PMDB não precisa de golpe, ou mesmo para dizer que para “elogiar” o Lula a coisa deve estar feia mesmo: somir@desfavor.com

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