Fazendo escolhas.

O brasileiro parece ter gostado mesmo dessa coisa de criticar propagandas. São cada vez menores os espaços entre as polêmicas com peças que ofendem algum grupo. Implodiram a campanha do #mimimi com a Preta Gil (o que foi bacana!), reclamaram da peça que ilustra a postagem de hoje, foi aquele auê crente com a campanha do Boticário no dias dos namorados… já escrevi bastante sobre minhas reservas com esse modelo de premiar reclamação, agora quero falar de outra coisa: como a publicidade vai vencer esses percalços e sair fortalecida disso. Spoiler: quando a publicidade vence, todos perdem.

Ação e reação. O Universo faz questão de manter essa regra sólida e confiável na nossa existência. Se essa nova geração de reclamões de redes sociais vai se mobilizar para regulamentar o que é aceitável ou não na propaganda, faz sentido que a propaganda comece a tirar vantagem disso. E é até bom que tenham dado esse chacoalhão no mercado: a publicidade começava a sofrer as dores do crescimento nesse admirável mundo novo de comunicação e ofensa instantâneas. Nunca foi tão fácil mudar de canal (e mídia). Nunca fomos expostos a tanta propaganda ao mesmo tempo.

Excesso de exposição a qualquer coisa tende a torná-la paisagem. Se a relação da publicidade com o público estava ficando previsível, nada como algo novo para apimentar o caso. Hoje em dia está mais fácil gerar polêmicas, estamos um tanto quanto saturados de aspiração explícita (começa-se a perceber um cansaço no modelo de pessoa bonita/famosa segurando uma embalagem para a câmera), mas um bom motivo para se sentir superior a outros seres humanos ainda não saiu de moda. E se tem algo que a indústria da comunicação publicitária não tem o menor pudor de fazer, é dar ao público justamente o que ele quer.

Lembro de discutir o assunto da campanha do Boticário com a Sally recentemente. Ela parecia certa que aquilo foi feito com a clara intenção de gerar polêmica, eu ainda tinha minhas dúvidas: de boas intenções a criação de uma agência está cheia (para quem não sabe, os vilões estão sempre no marketing, não na criação). Não duvido que essa campanha foi vendida para a empresa como uma “forma de rejuvenescer a marca, gerando atributos positivos de aceitação e criando uma voz para uma empresa que não parecia ter muito a dizer”. Claro que na prática a gente enfeita ainda mais o pavão e não diz nada negativo assim, mas eu percebo como o conceito pode ter avançado sem a NECESSIDADE da polêmica.

Tanto que até funcionou pra mim. De uma marca “vazia”, o Boticário se tornou uma “moderninha”. É um atributo. Como eu acho o fim da picada regular a genitália alheia, todo o resto virou mais ruído que mensagem. Mas o objetivo além de polemizar é notável. O que as pessoas parecem não entender é que propaganda é um dos braços da comunicação da empresa com o mercado, e que a empresa (em tese) sempre quer algo além de simples atenção. Marca que só aparece sem se posicionar de alguma forma fica dependente demais de áreas onde qualquer um com estrutura parecida pode se destacar mais ainda. Se a empresa só depender de vender produtos baratos, alguém dá um jeito de vender mais barato. Se só se preocupa em estar disponível em vários pontos de venda, alguém consegue gerenciar melhor a logística… até mesmo quem se foca em vender o melhor produto ainda pode quebrar a cara com concorrentes melhorando seus padrões de qualidade. O que é difícil mesmo de quebrar se você sabe o que está fazendo é a comunicação. Dessas áreas clássicas do marketing, o P de Propaganda é o que menos depende de “engenheiros e técnicos”.

Tudo isso para dizer o seguinte: eu ainda acho que não é o caso de procurarem polêmica pela polêmica nas campanhas atuais, mas estamos caminhando nesse sentido. Até porque a polêmica tem um poder incrível: o de empurrar sua marca rede social afora sem você precisar pagar por isso. Com virtualmente todas as redes sociais tornando-se profissionais na área de publicidade, começa-se a perceber que não vai ser tão barato quanto já foi fazer campanhas de massa. As mídias tradicionais sentiram o baque e começaram a reduzir seus preços, as online estão na crista da onda cobrando cada vez mais caro. Uma hora isso se equilibra e a verdadeira diferenciação delas vai ser no quão específico se é na hora de servir uma propaganda para as pessoas certas.

Anuncie da TV e um mundo de pessoas vai ver o que você tem pra mostrar, mas com pouco controle sobre quem são essas pessoas. Anuncie na internet e você provavelmente sabe a cor da roupa íntima das pessoas que estão vendo sua mensagem. Claro que tem que saber fazer direito, mas essa tendência de apontar a propaganda para a pessoa certa veio pra ficar. O que me surge como uma possibilidade aqui é uma subversão do sistema: mandar a propaganda pra pessoa “errada”.

Se o que os ofendidos das redes sociais querem mesmo é vitimização, a publicidade que não vai deixá-los na mão. Ainda mais considerando o custo-benefício “potencial”. Um ofendido manda sua propaganda pra todos que conhece. O seu público normal não. Eu sei que soa estranho se colocar na posição de vilão num mundo cada vez mais afeito às aparências de bom mocismo, mas é apenas questão de não termos chegado no ponto ideal. Com o passar do tempo, os ofendidos se multiplicarão e como é de se esperar, vão encontrar cabelo em ovo. Se todo mundo acha que sua opinião é importante, todas as propagandas podem ser ofensivas.

Timing! Propagandas polêmicas ainda te colocam muito no centro da atenção da sociedade, com ameaças de boicote, chororô e tudo mais que vem nesse pacote. Mas imaginem quando praticamente tudo gerar ofensa? É aí que está o “sweet spot” da estratégia de polemização. Depois da maioria estar reclamando, mas antes da maioria achar outra coisa para se distrair. Acredito que estamos chegando nesse ponto. Eventualmente vai ser uma grande economia fazer uma peça publicitária que ofenda um grupo qualquer e apontá-la para ele. Eles vão espernear, divulgar para todos que puderem… e depois basta pedir desculpa. Sério, fácil assim. Pede desculpa e pro povão é como se nada tivesse sido feito. E se muitas outras empresas estiverem aprontando isso, sua imagem não tem tempo de sair riscada.

Afinal, publicidade é parte de um negócio que precisa lucrar. Reduzir custos com trabalho escravo ofendido soa excelente do ponto de vista comercial. As marcas não querem ter voz para mudar o mundo, querem ter para que você compre o produto deles. O subproduto dessa possível estratégia é dar ainda mais poder para o #mimimi nosso de cada dia. Eu mesmo acharia interessante dar uma fortalecida na imagem do grupo que quero ofender com uma propaganda antes de soltá-la. Disfarçado de consciência social, imagino que muitas empresas vão pular nessas causas politicamente corretas não só para fingir uma voz, mas para viabilizar uma estratégia de comunicação mais econômica.

Um dos caminhos da publicidade é se fundir com o conteúdo, talvez seja o melhor deles mesmo. Mas hoje em dia vivemos num mundo de macacos e máquinas de escrever infinitas: é o povão que está produzindo conteúdo (mais reativo que criativo, na verdade) e gerando o grosso da comunicação humana de massa. O grande lance da internet é transformar gente em mídia! O público-alvo se misturou com o meio de comunicação numa amálgama de interesses e opiniões que deixaria confusa uma indústria menos golpista que a publicidade. Evidente que não vai ser o caso de deixar essa chance passar.

Para vender mais xampu, dar mais força para a indústria da ofensa? Pode parecer ridículo agora, mas provavelmente não vai ser num futuro nem tão distante. Os ofendidos deixam o mundo mais chato agora, mas podem causar um retrocesso na própria causa pela incapacidade de enxergar além dos próprios interesses egoístas de validação. Se deixasse a publicidade afundar lentamente com seus chamados por atenção, talvez conseguíssemos causar danos suficientes na indústria da aspiração. Mas como bater em propaganda gera likes, parabéns! Vocês nos ressuscitaram de um mar de ruído, nos fizeram deixar de ser paisagem.

Piora antes de melhorar… e provavelmente não melhora.

Para dizer que nem sabe mais o que é ofensivo, para dizer que vai curtir e compartilhar, ou mesmo para dizer que a humanidade sempre acha um jeito (de cagar mais): somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Noto que cheguei em um grau de apatia para propagandas e ofendidos que me preocupo se não sou um psicopata sem sentimentos. O que é ruim para as vendas, claro.

  • Relaxem, manos! Tem o falem mal, mas falem de mim. Quer coisa melhor pra promover uma marca do que mimimi de retardados? Qum irrita retardados ou crentes ganha meu respeito.

  • Sabe uma coisa que aprendi com meu velho que não entendo por que não é regra geral? Se não tem nada bom pra falar, é melhor ficar quieto. Essa regrinha simples resolveria o problema.

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