Quem vê bunda…

Uma notícia selecionada para A Semana Desfavor gerou uma profunda discussão filosófica entre Sally e Somir, analisando a natureza humana e as relações entre o todo e a parte. E vocês não poderiam ser deixados de fora dela.

Tema de hoje: O que é mais bizarro, um brinquedo sexual que imita uma genitália ou um que imita uma pessoa completa?

SOMIR

Acho mais difícil entender quem compra uma boneca completa para simular uma parceira. Mas primeiro, vamos nos situar…

Para quem ainda não clicou na notícia, ela menciona o lançamento de uma bunda (só a bunda) de silicone realista como brinquedo sexual para o público masculino. Na verdade isso nem novidade é, esse tipo de “auxílio masturbatório” já existe no mercado faz tempo. Esse da notícia tem alguns penduricalhos a mais (não é isso que você está pensando…), mas isso nem importante é nesse momento. Precisamos saber aqui também que existe um mercado de bonecas para marmanjos, dos mais diversos graus de realismo e preço, desde as famigeradas bonecas infláveis até caríssimas bonecas de silicone feitas para serem o mais realista possível. Isso é, se mulheres realistas todas se parecessem com atrizes pornôs… portanto, tirem da cabeça a imagem da hilária boneca inflável de boca aberta e comecem a enxergar coisas desse naipe.

Sabendo com o que estamos lidando, vamos ao ponto: acredito que é mais bizarro ter uma boneca completa, com todas as áreas “não comestíveis” de uma mulher. Nada contra quem consome brinquedos eróticos para prazer solitário, direito de cada um. Mas há de se separar auxílio para masturbação de simulação de sexo. Uma coisa é fazer uma atividade solitária sabendo que ela é solitária, outra completamente diferente é tentar se enganar que está acompanhado.

O cidadão que compra a bunda realista me parece estar numa categoria muito parecida com a cidadã que compra um vibrador. Claro que vibradores nem sempre precisam imitar o formato fálico e raramente custam essa nota que a bunda de silicone custa, mas podemos traçar suficientes paralelos. Ela soa mais como um brinquedo do que como uma substituição. Pode-se até argumentar se você se sentiria estimulado por um ou outro, mas que isso não nos tire do foco da discussão: onde é que podemos ter mais certeza que alguma coisa não vai bem na vida da pessoa?

O homem com uma boneca de tamanho real está no mínimo perigosamente perto de querer substituir a realidade pela imaginação. Como minha mente está cheia de conhecimento inútil (a não ser para me fazer perder a esperança na humanidade), eu já vi muito material sobre a turma que compra esse tipo de boneca. Já adianto que não fazem muito o estilo “poço de hormônios” que ficou tão famoso na mídia. Não parece gente tarada que quer qualquer buraco que aparece na frente, em média são homens solitários e desajustados que encontram num objeto inanimado o tipo de companhia que sempre ansiaram nas mulheres reais.

E é aí que começa a ficar mais bizarro do que apenas fazer sexo com um defunto de silicone: esse tipo de desequilíbrio de poder desejado numa relação é comum a alguns outros desvios de comportamento bem danosos. Claro que eu não estou dizendo que todos são assim, aposto que tem sim gente solitária e incapaz de encontrar companhia nesse nível no mundo. Talvez esses sofram apenas com o elemento bizarro de uma auto-imposta falta de opções. Ou mesmo tenham se decidido que já que não vão conseguir uma parceira com corpo de atriz pornô de carne e osso, acham a aparência tão importante que preferem o artificial. Bizarro por seus motivos, também.

Mas voltemos ao elemento que eu acho mais bizarro: a simulação de sexo sem nenhuma resposta real da companheira. Aí entramos em áreas perigosamente próximas de necrofilia, estupro e até pedofilia. Sei que ninguém vai me confrontar por fazer essa comparação, é fácil bater em párias sociais… mas mesmo assim, eu quero deixar bem claro que não estou dizendo que quem tem essas bonecas tenha algum desses desvios. Só que querendo ou não, o abismo de poder está lá do mesmo jeito.

Como é que simula sexo com uma boneca realista? Tem que ter um grau de abstração e capacidade de imposição do idealizado que não me parece condizente com o que o sexo significa. Alguma coisa “quebrou” dentro da cabeça da pessoa e aquela cena na qual se coloca tornar-se suficiente. O cara que compra a bunda está vendo claramente que aquilo não é uma substituição do real, é um acessório. O que compra a boneca fica numa área cinza nesse sentido.

E pasmem, muitos dos compradores dessas bonecas se dizem apaixonados por elas, criando relações duradouras. Sim, tem mais gente que forma relacionamentos com objetos inanimados, alguns malucos até como a mulher que se apaixonou pela Torre Eiffel; só que devemos analisar a prevalência do comportamento. Pelo preço elevado, pouca gente deve comprar bonecas realistas, mas os casos de gente abandonando as mulheres reais para ficar só com sua boneca são numerosos. No sentido oposto, duvido que muita gente tenha se apaixonado por bundas vibratórias…

Já tem algo inerentemente bizarro na compra da boneca realista. O próprio público delas reflete isso. Agora, no outro sentido, quem compra a bunda dificilmente vai colocar ela na frente de uma mulher de verdade. Podem achar bizarro por uma série de motivos esse tipo de compartimentação (estímulo sexual é uma coisa muito mais isolada num homem que numa mulher), mas vamos entender que entre ter uma bunda de silicone em casa e um “defunto” que se chama de “meu bem”, a segunda opção parece mais bizarra.

Para dizer que eu pareço conhecer até bem demais o assunto, para dizer que pelo menos ficam no seu canto, ou mesmo para dizer que bizarro mesmo é te fazer ler sobre esse tema: somir@desfavor.com

SALLY

O que é mais bizarro: um brinquedo sexual que imita uma genitália ou um que imita uma pessoa completa?

Que fique claro que acho tudo bizarro, mas, dentre as opções, me parece mais bizarro o que imita apenas uma genitália. Por mais estranho que seja simular uma pessoa toda, ainda me parece mais normal do que simular apenas uma parte de uma pessoa.

Acho meio digno de pena quem precisa simular um ser humano inteiro, ainda mais nos dias de hoje onde a coisa mais fácil do mundo é conseguir alguém. Me parece solitário e até mesmo patético, sinal de algo muito disfuncional na pessoa que a impede de criar um vínculo com um ser humano de verdade. De forma alguma estou jogando no lado da normalidade gente que compra boneca inflável (que hoje em dia nem costumam mais ser infláveis).

Já um brinquedo sexual que imita uma genitália não me parece patético, me parece dodói da cabeça. Não me refiro a algo “funcional” para dar prazer a homens e mulheres, me refiro a algo fantasioso que simule com perfeição uma parte qualquer da anatomia humana. Se o que se busca é a aparência humana, bem, bastante estranho que seja apenas em uma parte dela.

Querer realidade, querer o estímulo físico ou visual de estar com outro ser humano mas adquirir apenas uma parte de algo que emula um ser humanos me soa quase psicopata. Se quer algo meramente funcional, foda-se o compromisso estético com a realidade. Se quer algo comprometido com a realidade, não há motivos para comprar uma bunda com textura de pele que vibra, já que bundas não andam soltas em bandos por aí.

Acho bem bizarro ter partes da anatomia humana reproduzidas com perfeição na sua cama (peitos, uma bunda…). Uma coisa meio Dexter. E, spoiler, essas coisas são caras, bem caras. No Semana Desfavor de sábado teve uma notícia que inspirou a postagem de hoje (entenda-se, nos fez discutir), onde uma bunda que vibra é anunciada por mais de dois mil reais. Dois mil reais por uma simulação de um pedaço humano.

Além do grotesco da situação, ainda tem a visão preocupante da pessoa conseguir se satisfazer com apenas um pedaço do corpo humano. Pessoas não são (ou não deveriam ser) peças de carne no açougue. Podem me chamar de romântica, mas eu acho complicado uma experiência sexual que não envolva um corpo inteiro. Me assusta, me assusta de verdade uma experiência sexual com um pedaço do corpo humano.

Um ser humano que apela para uma imitação de ser humano em plástico ainda tem minha compreensão. Ele está claramente tentando emular outro ser humano ali. É como uma mulher que não tem filhos e carrega um bebê de brinquedo para saciar seu desejo não realizado. Mas… já pensou uma mulher que não tem filhos e carrega só a cabeça de um bebê de brinquedo, dizendo que isso lhe basta? Assustador.

O corpo humano não admite dissociação. Ele precisa estar inteiro para funcionar. Uma parte do corpo humano separada das demais é algo tenebroso e não sexy. Fora que a banalização , a mediocridade de pensar que para se satisfazer só se precisa de um pedaço do corpo me preocupa.

Provavelmente homens e mulheres terão opiniões bem divergentes hoje, o funcionamento cerebral costuma tomar caminhos divergentes. Sintam-se livres para brigar nos comentários. Eu continuo achando quese é para pagar caro com a intenção de emular realidade, que seja uma realidade coerente, inteira, e não um pedaço do corpo humano.

Se só interessa o buraco, bem, não precisa gastar mais de dois mil reais nisso, qualquer buraco é buraco, aparentemente. Se só interessa o buraco, não precisa existir compromisso com o realismo.

Mas, se precisa existir compromisso com o realismo, bem, uma bunda precisa de um corpo para existir, caso contrário vira um cadáver. Então, de dois um: compromisso com a realidade e encaixa essa bunda em um corpo ou opta pelo não compromisso com a realidade, tipo vibrador verde-limão, e fazer qualquer buraco. Me parece questão de coerência.

Eu entendo mais quem, ainda que toscamente, tenta simular um ser humano inteiro, afinal, sexo se faz com seres humanos inteiros. Por mais horrenda que seja uma boneca inflável, o que ela simboliza me causa menos estranhamento, ainda há algo de normalidade no que ela simboliza. Uma bunda avulsa, além de ser tosca, tem um simbolismo bizarro.

Por mais triste que seja uma pessoa abraçar um boneco e fingir que ele é real, mais triste ainda é só precisar de uma bunda avulsa.

Para dizer que bizarro mesmo é quem se propõe a discutir isso, para fazer da bunda vibratória o assunto nos comentários ignorando o tema proposto ou ainda para ter pena de mim por causa da minha inocência: sally@desfavor.com

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Comments (13)

  • “…Os casos de gente abandonando as mulheres reais para ficar só com sua boneca são numerosos.” É SÉRIO ISSO?

    Bem, numa relação, seja ela doentia ou sadia, ficar só numa parte do corpo é meio “canibalismo incompleto”, já que muitos buscam esses objetos por que não podem ou não querem tratar o ser humano como pedaço de carne. Especialmente para a mulher, existem outras formas de demonstração de afeto e carinho, além do foco em apenas um ponto do corpo, o que é o caso de nós, homens. O mais bizarro é existir a necessidade de haver clones orgânicos de seres humanos…mas já quem devo responder à questão: creio ser mais bizarro um objeto que representa apenas uma parte do corpo. se é uma necessidade patológica, então que seja suprida de forma completa e humanística.

  • Eu acho as duas coisas estranhas, mas hoje fico com o Somir. Imagina abraçar e rebolar num boneco (sim, porque já vi bonecos de homens também) de silicone? Deve ser a mesma coisa que dar/comer um cadáver. Sem falar no preço, já vi um boneco desses realistas por 10 mil reais. Com esse dinheiro eu pago um de verdade e sobra.

      • Ah eu não acho, Sally. Claro que é muito estranho a pessoa ter só uma parte de um corpo, mas por mais realista que seja, ainda é só um buraco onde o interesse do usuário é só meter e pronto. Já o q usa boneca inflável usa a boneca a fim de passa-la por ser humano. O da genitália, ainda que realista, usa a mesma para saciar um desejo físico. Já o da boneca pode ter toda uma questão psicológica envolvida.

  • Nossa, que sinistro essas bonecas! Da impressão que elas vão ganhar vida tipo Chucky e querer me capar. Parece necrofilia mesmo, meu pau nem sobe de medo. Já a bundinha avulsa é sussa. Mulher usa vibrador direto em forma de pinto e ninguém acha bizarro, então parem de implicar com a bundinha!

  • Nessa eu vou ter que ficar com o Somir. Não utilizo brinquedos sexuais, mas acredito que tanto a boneca quanto a bunda vibratória sejam exatamente isso: um apetrecho pra turbinar a masturbação.

    Enquanto visualmente avulsa a bunda cause uma estranheza maior, acho que a imagem de uma pessoa fazendo sexo com o que seria uma réplica de um ser humano completamente imóvel, e talvez até desenvolvendo sentimentos pelo brinquedo, seja algo mais bizarro, surreal até. Lembro até daqueles orientais que ficam apaixonados por personagens de desenhos ou daqueles jogos que simulam relacionamentos.

      • Não é como se 100% das vezes o cara vá se apaixonar pela boneca… mas não sei, a idéia de alguém pagando por esse nível de perfeição num brinquedo, pra mim soa como se a pessoa estivesse procurando mais do que apenas um buraco pra aliviar a tensão. Mas o que mais me inquieta é o fator da imobilidade do objeto, uma perfeição morta.

        • Faço minhas a suas palavras, Mokvwap. E fico com o Somir nessa. Alguém que busca uma boneca dessas quer mesmo, creio, mais do que “apenas um buraco pra aliviar a tensão”. Em termos de aspecto físico, a perfeição dessas coisas – uma “perfeição morta” como você bem definiu – é propositalmente muito além do que qualquer pessoa real conseguiria alcançar. Sentir tesão ou algo mais por um objeto inanimado que só representa a idéia de um ser humano absurdamente idealizado pra mim é doentio. Coisa de gente que: 1) é socialmente inapta para interações verdadeiras com outros humanos, 2) já está cansada de fracassos retumbantes na vida amorosa ou 3) que não consegue – ou não quer – distinguir idealização da realidade. Quanto à bunda vibratória e outros simulacros muito realistas de genitália feminina não mencionados diretamente nos textos, me pareceu coisa de quem leva – muito – ao pé da letra uma frase extremamente grosseira que ouvi certa vez: “mulher pode ser definida como aquela parte da buceta que o homem não usa”.

  • O problema me parece estar mais no tipo de uso do que no artefato. Afinal de contas, se o Náufrago ficou amigo do Wilson pela pressão das circunstâncias, muitas vezes este tipo de maluquice é o que mantém a pessoa com um mínimo de sanidade (eu disse um MÍNIMO). O problema das parafilias está mais na exclusividade/ compulsividade do que na prática em si. Evidentemente, as pessoas que têm parceiros disponíveis e um mínimo de habilidades sociais vão procurar atividades mais “normais”. Mesmo para os menos habilidosos socialmente, com o preço de uma boneca dessas de silicone você pagaria umas centenas de programas. Por mais mecânica que seja uma profissional, pelo menos ela faz alguma coisa (nem que seja bocejar). É o ideal? Não, mas preserva um mínimo de alteridade na relação. Voltando à pergunta, entre a mulher inteira e a bunda, se tem neguinho que escolhe a parceira pelo traseiro, acho que a diferença entre um brinquedo e outro nem é tanta assim. Além disso, mesmo sem boneca eu atualmente tenho interagido mais com peitos siliconados do que sem silicone. Estamos chegando num período Blade Runner.

    • Venho pensando muito nesse tema ultimamente: o orgulho de ter um corpo e rosto naturais. Tá ficando feio o grau de intervenções cirurgicas, acho que em breve veremos uma grande valorização do natural como efeito rebote

  • Porra, nunca podia imaginar que uma bunda artificial fosse tão cara! Mais dentro do meu orçamento pagar uma puta. Eu consumiria ambos os produtos. Na hora de ver pornografia tanto faz focar nas bundas e peitos do que na mulher toda. Não acho bizarro, nem Dexter e nem quero substituir a realidade. Qual mais bizarro? Nenhum Qual eu teria? Os dois!

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