Repercussão relativa.

Muitas vezes eu abro meus textos com uma notícia. A ideia é simples: como eu tenho algumas dificuldades com didática, um exemplo prático no qual eu possa basear analogias e comparações tende a me fazer mais compreensível. Hoje, porém, eu não conseguiria colocar todas as notícias que inspiraram o texto: faltaria espaço. Estou chegando a conclusão que a enxurrada de polêmicas politicamente corretas nos dias atuais não represente bem a realidade.

Talvez o problema pareça maior do que realmente é. Assim como os textos que eu ancoro num acontecimento noticiado facilitam a percepção do tema tratado, essa era de democratização da opinião possivelmente está aumentando a proporção de tudo que é falado; justamente por poder ligar a ideia a um elemento concreto, no caso, uma pessoa (tudo isso elevado ao cubo se a pessoa for famosa).

Quando você começa a pesquisar melhor sobre a polêmica da vez, vai notando um padrão: na verdade é pouca gente que se ofende. Notícias inteiras são baseadas às vezes em UM tuíte desgostoso com uma declaração de personalidade pública. E como notícias precisam ser atraentes, às vezes lidamos com a manchete que certa pessoa fez declarações racistas na rede social porque uma ou duas pessoas julgaram a frase assim. A grande maioria acaba apenas repercutindo o fato.

Está enraizada na cabeça das pessoas a noção de compartilhar. O botão não não criou a demanda, a demanda criou o botão. Compartilhas histórias é algo que fazemos desde que… bom, desde que somos capazes de nos comunicar de forma mais abstrata. Era previsível que a era da comunicação viesse atrelada à uma explosão de popularidade dessas nossas histórias. O conhecimento dividido tem suas benesses, e estou falando de algo mais íntimo e egoísta: ser o portador da novidade te torna uma pessoa mais interessante para os que te cercam.

E quando esses elementos se unem, se alimentam. Queremos compartilhar essas histórias e queremos que elas sejam interessantes para que nós sejamos interessante. Em algum ponto uma noção começa a influenciar na outra: é a mentalidade da manchete. Quando se transforma a informação compartilhada em algo mais vendável. Em meios de comunicação mais tradicionais os profissionais estão treinados a caprichar no sensacionalismo na chamada, mas sem passar demais disso para o conteúdo. Claro, hoje em dia os portais de internet andam escorregando bastante nessa área, mas na média, pelo menos tem uma notícia ali para ser lida.

No mundo das redes sociais, compartilha-se manchetes. E infelizmente elas são tudo o que a maioria das pessoas parece precisar para formar sua opinião sobre um assunto. Isso gera um círculo vicioso de redução da compreensão sobre o que é noticiado a cada “pulo” entre uma pessoa e outra. A polêmica da vez chega ao seu máximo de popularidade justamente quando é menos compreendida, quando guarda menos relações com os fatos acontecidos e é apenas uma manchete sendo compartilhada sem parar.

Eu sempre achei que o cerne da questão do mundo atual pular de notícia em notícia tão rápido era mero déficit de atenção, mas essa equação comporta mais variáveis. Os produtores e os compartilhadores de conteúdo tem seu modus operandi bem definido: alguém garimpa a notícia original, seja por investigação ou por algo que gerou uma reação emocional nela; logo em seguida, vem os primeiros espalhadores, aqueles que vão decidir o futuro da polêmica atribuindo ou não a ela algum valor sensacionalista. Se essa etapa funciona, o resto das engrenagens desse mundo hiperconectado faze o seu trabalho: não ler e compartilhar.

Se se inteirar sobre o assunto fosse condição para compartilhá-lo, pode apostar que a maioria dos dramas de momento da internet morreriam bem mais cedo. Na verdade eles não nos dizem muito respeito. Quando uma celebridade tem uma discussão com dois ou três emputecidos com algo que comunicaram, não é como se isso fizesse alguma diferença no quadro geral. Não é só rejeição às fofocas, estou dizendo que a não ser que tenha ofendido MUITA gente, não tem o peso que a “indústria do compartilhamento” faz parecer ter.

Dez ofendidos e um milhão de compartilhamento não significam um milhão e dez pessoas que se importam com o acontecido. Duvido muito das medições que fazemos como sociedade da importância dessas polêmicas de tempos de redes sociais. A imprensa é muito culpada por isso: basta que um dos envolvidos numa discussão virtual seja famoso que já vira pauta! Não importa o quão inconsequente ela seja. Mas a imprensa (ainda mais a que noticia a vida de celebridades) vive de manchetes, é o ganha-pão dessa gente fazer tempestade em copo d’água.

Só que temos mais milhões e milhões de amadores fazendo o mesmo jogo, e sem ganhar um centavo por isso. Apenas pelo prazer de ter uma polêmica para arremessar no meio de seu círculo de contatos. Eu já liguei mais para a qualidade do material que as pessoas distribuem na internet, hoje em dia só agradeço que eu consiga encontrar as coisas que quero e passar longe dessas bobagens tão populares. Não me importa mais que o fútil viralize, o problema literalmente não é meu!

Mas… agora me preocupa sim a falsa dimensão tomada por muitas notícias. O cômputo errôneo do real grau de interesse e passionalidade da população sobre certos temas pode nos levar ao erro: será que é tão difícil assim fazer humor politicamente incorreto? Eu sei que os humoristas não param de levar processos, mas já notaram que, por exemplo, o Danilo Gentili é uma das pessoas mais famosas do Twitter, mundialmente? Mais de 11 milhões de seguidores. Não estou dizendo que não vivemos num mundo chato onde piada é levada a sério, estou dizendo que calcular mal a repercussão negativa da opinião pública pode nos dizer uma mentira sobre a relação com a positiva. O Porta dos Fundos vive fazendo piada com o cristianismo e mesmo assim é um dos canais mais populares do Youtube, também mundialmente. Tem mesmo tanta reação negativa?

Meia dúzia de ofendidos ficam com a voz alta demais. Certa vez estava vendo uma entrevista com o comediante Bill Burr, onde perguntavam para ele como era fazer humor num mundo do politicamente correto. Ele disse que não se incomodava: eram só alguns chatos no Twitter! Ao ignorá-los e não dar nenhuma chance de pauta para a mídia, nada demais acontecia. O que eu argumento aqui é que talvez estejamos dando força demais para os adversários da liberdade de expressão. Talvez seja melhor deixar os cães ladrarem e seguir com a caravana.

Até mesmo essa coisa de boicote não parece ter tanta força assim. O boicote dos evangélicos ao Boticário depois daquela propaganda com os casais gays acabou aumentando as vendas da marca. E muito se fala sobre o poder desse público no fracasso da novela atual da Globo, mas… a última novela que fez um sucesso estrondoso (Avenida Brasil) não era exatamente um primor no quesito moral e bons costumes. É muito provável que os ofendidos não tenham esse poder todo. É mais barulho do que qualquer outra coisa.

Na sanha de ter uma manchete para compartilhar, podemos estar inventando um poder para a turma do politicamente correto e os reacionários que eles não tem de verdade. Pode até parecer uma questão desnecessária agora, mas… e se essa coisa de repassar a manchete for justamente o que estamos fazendo agora? Atribuir relevância ao que não tem é uma mentira que eventualmente vira verdade. Não acreditamos que estamos num mundo onde o politicamente incorreto impera? Pois bem, o risco é acharmos normal quando ele começar a ter mais e mais poder político, afinal, representaria a maioria.

Mas e se não for a maioria? E se forem mesmo meia dúzia de desocupados na rede social? Não seria absurdo que eles conseguissem amordaçar a maioria? Está na hora de entender que num mundo onde todos tem megafone, ser ouvido não é nada demais. A humanidade é cheia de momentos onde a maioria fica distraída com os gritos de uma minoria e não percebe que poderia tomar o poder assim que quisesse. E se nós que gostamos de humor polêmico e declarações honestas formos… essa maioria?

É muito barulho pra pouco grito.

Para dizer que concorda e isso quer dizer que estou falando a verdade, para dizer que não vai dar essa chance pra humanidade pelo histórico podre, ou mesmo para dizer que a maioria mesmo nem sabe o que está acontecendo: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Uma perda de tempo compartilhar notícias que não agregam nada. Não é o caso do Somir, que discorreu muito bem sobre o assunto, fazendo refletir sobre nossas atitudes e prioridades.

  • (…) ou mesmo para dizer que a maioria mesmo nem sabe o que está acontecendo (…)

    Acho que é exatamente isso que ocorre.

  • Danilo Gentili - O Luciano Huck da segunda divisão

    PAItrocínio faz falta, né? Mas quem não curte uma fofoquinha ou um factoide que atire a primeira pedra.

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