Tiro no escuro.

O ano era 894F69, a bordo de uma das jóias do exército lukjar, o cargueiro-militar Namiopsek III derivava pelo espaço após uma falha catastrófica no sistema de navegação, inclusive nos de reserva. Apesar da desconfiança de uma sabotagem, a tripulação de mais de quatro mil pessoas mantinha-se majoritariamente leal ao Capitão Osiab, um experiente e condecorado oficial com centenas de anos de guerra em seu currículo. Mas a situação na nave já começava a causar preocupações, ainda mais pelo extenso período de tempo passado dentro de um bolsão vazio na galáxia. Nenhuma estrela há milhares e milhares de anos-luz. Solidão total. Até que os sensores captam algo diferente…

OFICIAL: Capitão, detectamos uma outra nave há sete bilhões de quilômetros de distância.
CAP. OSIAB: Como ela passou despercebida assim?
OFICIAL: Aparentemente está com os reatores desligados. Não há assinatura de energia de um motor galáctico. Aparentemente só o sistema de emergência está transmitindo.
CAP. OSIAB: Pobres coitados. Devem ter sofrido um destino ainda pior que o nosso. Temos as dimensões?
OFICIAL: A melhor estimativa é de tamanho compatível com a nossa nave.
CAP. OSIAB: Pelo menos uma boa notícia, no pior dos casos podemos converter a matéria deles em alimento e energia para a nossa nave. Mande batedores.

Poucos minutos depois quatro naves de classe II são despachadas para o encontro. A notícia vaza e o clima de esperança na Namiopsek III escala rapidamente. Uma nave parecida poderia ter um sistema de navegação ainda utilizável, ou mesmo significar mais um milênio ou dois de suporte à vida local com a conversão de sua massa. As horas passam, e as três primeiras janelas de contato são ignoradas pelos batedores. Na ponte, Osiab e seus oficiais discutem apreensivos:

CAP. OSIAB: Foi uma armadilha! Aposto que são os wolozis. Mas como eles sabiam que estaríamos tão próximos?
OFICIAL: Acabamos de receber uma resposta de uma das nossas naves.
CAP. OSIAB: Coloque na tela.

O telão no centro da sala de controle é tomado pela imagem de um dos pilotos de reconhecimento. A imagem está distorcida e tomada por interferência. A voz do piloto não pode ser distinguida da estática, mas sua expressão denota muito medo. Ele gesticula freneticamente, apontando para a câmera que o filma e fazendo sinais de morte, passando os dedos por sobre a garganta. Todos na ponte ficam perplexos quando a imagem é tomada por um clarão e a transmissão cessa imediatamente.

CAP. OSIAB: CÓDIGO VERMELHO! TODOS AOS SEUS POSTOS!

A tripulação se mobiliza rapidamente em todos os cantos da imensa nave, todas as naves menores são tripuladas e as imensas armas capazes de destruir planetas são carregadas. Aliadas ao escudo energético ligado na potência máxima, levam a nave ao seu limite de capacidade, com o reator acusando no máximo mais algumas horas de carga nesse estado. Osiab pede para que seus oficiais mantenham alerta máximo na procura de naves inimigas ao redor.

O estado de alerta se mantém por mais duas horas, colocando pressão máxima nos estoques de energia da nave. Sem nenhum sinal de atividade adversária reconhecível, o capitão fica com a difícil missão de se decidir entre a necessidade de poupar energia e a de se manter preparado para rechaçar um ataque. Sua grande experiência em combates o faz crer que caíra em ainda mais uma armadilha, a de gastar preciosa energia antes da hora. Quem quer que fosse o adversário, conhecia bem os problemas que ele enfrentava. Pior, isso só aumentava a probabilidade da sabotagem nos sistemas de navegação, havia um ou mais espiões infiltrados em sua tripulação.

Os oficiais olhavam preocupados para Osiab. Compenetrado em seus pensamentos, um longo suspiro anuncia sua decisão:

CAP. OSIAB: Prepare-se para uma manobra de interceptação da nave adversária.
OFICIAL: Ok, capitão! Começando os procedim…
CAP. OSIAB: Não! Sem avisar ninguém, sem pedir preparações. Só faça.
OFICIAL: Mas, capitão…
CAP. OSIAB: AGORA! PREPAREM TODAS AS ARMAS! ATACAMOS COM TUDO ASSIM QUE CHEGARMOS!

A Namiopsek III entra em modo de bolha espacial, mesmo com a maioria de seus ocupantes sem quaisquer condições de resistir à manobra. Sem a correta preparação e proteção nas áreas designadas, o salto entre dois pontos distantes no espaço tende a ser fatal para a maioria dos humanos. Só a ponte e o sistema de armas principais contam com os sistemas adequados para proteger seus ocupantes. Osiab decidira-se por arriscar tudo. Sua tripulação por uma vitória.

O motor galáctico ruge, levando ao pânico milhares de pessoas. Em poucos segundos, a nave desaparece e reaparece bilhões de quilômetros dali. Osiab berra a ordem de ataque sem esperar, milhares de canhões disparam simultaneamente, levando a nave ao colapso quase total de suas reservas de energia.

Para a surpresa dele, nenhuma explosão.

OFICIAL: Capitão! A nave não está aqui!
CAP. OSIAB: Seu imprestável, você nos trouxe ao lugar errado!
OFICIAL: Não, capitão! Foi o computador que nos posicionou aqui.
CAP. OSIAB: Onde estão os inimigos?
OFICIAL: Pelo visto… em lugar algum.
CAP. OSIAB: Não é possível… qual o status da nossa tripulação?
OFICIAL: … 0,68% de sobreviventes.
CAP. OSIAB: Malditos! Eles sabiam que eu ia fazer isso… como eu pude ser tão inocente? Mas como eles enganaram nossos sensores? Tinha que ter uma nave aqui…
OFICIAL: Capitão?
CAP. OSIAB: Ligue a transmissão de emergência. Eu aceito minha derrota, os sobreviventes que decidam se vão ser tomados prisioneiros ou não.

Passa-se mais uma hora. Osiab não fala mais nenhuma palavra. Ás portas da sala de comando, juntam-se vários dos sobreviventes, berrando desesperados por alguma explicação. Os oficiais entreolham-se, considerando a possibilidade de extinguir suas próprias vidas antes da captura iminente. A situação só muda com o alarme de proximidade.

OFICIAL: Capitão, estão se aproximando.
CAP. OSIAB: Me coloque em contato com o hangar.

O oficial faz o que lhe é pedido. A tela central mostra agora vários soldados acotovelando-se na área de comunicação do hangar. Osiab respira fundo:

CAP. OSIAB: Hoje eu falhei com vocês, soldados. Não pretendo me esquivar disso, jamais. Morrerei com essa nave. Vocês, contanto, tem uma escolha. Vocês podem render suas armas e esperarem o tratamento de prisioneiros de guerra… não julgo nenhum de vocês por isso. Mas, estou liberando também todos os caças para qualquer um que quiser pilotá-los. Vocês podem escolher pela sua vida, ou podem escolher a sair dessa vida lutando. Decidam-se.

Alguns dos pilotos ficam vacilantes, mas uma boa parte deles corre para os caças, alguns com a expressão fria, outros contentes feito crianças. Logo dezenas dos caças estão no espaço. Com os sistemas de comunicação da nave desligados, não há como monitorá-los. Apenas uma câmera acompanha a última tentativa de luta da Namiopsek III. Osiab e seus comandados observam as naves se aproximando.

OFICIAL: Capitão! Capitão!
CAP. OSIAB: Diga.
OFICIAL: Estou recebendo sinais das naves que se aproximam… e…
CAP. OSIAB: E?
OFICIAL: São… são nossas?
CAP. OSIAB: Como assim nossas? É um truque!
OFICIAL: São quatro naves batedoras Classe II… com a nossa assinatura.
CAP. OSIAB: Eles não foram destruídos então?
OFICIAL: Ah, meu Zorg! Não! Os nossos caças vão acabar com elas sem o sistema de comunicação funcional…
CAP. OSIAB: Aquele vídeo…

O oficial coloca as mãos na frente do rosto. Três explosões distintas podem ser vistas em sequência. Demora mais alguns minutos até ver-se a quarta. Um dos últimos sistemas ativos, o scanner local, apita.

OFICIAL: Capitão…
CAP. OSIAB: Deixe-me adivinhar, agora sim chegou a nave dos inimigos.
OFICIAL: Acabamos de detectar uma nave há sete bilhões de quilômetros de distância… e…
CAP. OSIAB: E?
OFICIAL: Somos nós…

O reator da Namiopsek III finalmente entra em colapso. Num último suspiro, gera um pequeno buraco negro que engole a nave de uma só vez.

FIM

Para dizer que não entendeu, para dizer que entendeu até não entender, ou mesmo para dizer que eu só escrevo essas coisas para inventar nomes feios: somir@desfavor.com

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