Siga o líder.

Eu tenho uma fantasia recorrente: a de ter o poder de influência e decisão sobre outras pessoas. Não me refiro a dar conselhos para pessoas próximas e gatos pingados de internet, mas de ter aquele tipo de controle quase que… religioso… sobre a mente alheia. Pior, sou arrogante o suficiente para acreditar que vou acertar muito mais que errar e meus “súditos” só tem a ganhar aceitando minha palavra. Mas, calma… não estou tentando te cooptar para minha seita, não ainda…

Na verdade, estou pensando sobre os desbravadores (quem define regras e métodos para se viver melhor) e os seguidores. Em dado momento da vida, pelo menos, todos nós assumimos o papel de seguidores. Oras, crescemos assim, com alguém nos direcionando (com diferentes graus de acerto) na vida. Se é da nossa natureza seguir outras pessoas ou se é um reflexo da forma como o mundo nos foi apresentado, eu não sei dizer. Talvez ambos. Algumas pessoas acabam mais dóceis para essa ideia, possivelmente até exploradas por decorrência disso, outras (como eu) cismam de fazer tudo do seu jeito, muitas vezes quebrando a cara no processo.

O que eu sempre tive dificuldade de entender – e acredito que não esteja sozinho nisso – é o momento certo de “virar o disco” e trocar o papel de desbravador pelo de seguidor. Existem vantagens em ambos os lados: se você decide que vai viver segundo as próprias regras, experimenta uma sensação de liberdade e controle sem igual. Se você escolhe seguir um caminho mais bem trilhado, tende a ter mais tranquilidade e segurança na vida. E é claro, existe o lado negativo… sempre se paga algo em troca dessas decisões. Seja o peso da responsabilidade de ir “improvisando”, seja a limitação de ter regras definidas pairando sobre suas escolhas.

Pode parecer até óbvio dizer que basta analisar a situação e fazer o julgamento no momento, levando em conta o que você tem em jogo e a capacidade percebida de quem você poderia seguir. Mas o que vemos demais por aí é gente se entregando sem o menor critério nas mãos do primeiro que demonstra confiança sobre o que está propondo. Ou mesmo gente que resolve reinventar a roda quadrada e cismar que está tudo certo. Pessoas (algumas até muito inteligentes) quebram a cara nessas escolhas, dia após dia. Se fosse fácil escolher, provavelmente não erraríamos tanto.

Então, onde está esse ponto de “virada”? Onde você marca o ponto entre originalidade e experiência alheia no qual é seguro trocar de lado? Minha teoria: ninguém sabe, é quase como se fosse a aleatoriedade evolutiva em atividade dentro da sociedade humana. Uma incerteza perene e inerente a uma mente falível, incapaz de analisar variáveis suficientes. Mas talvez justamente na aceitação da incerteza que resida uma resposta válida: se é um processo evolutivo, pensemos nas mutações corretas!

Não entendeu o parágrafo anterior? Não é culpa sua, eu coloquei muita coisa junta ao mesmo tempo. Vamos desenrolar: argumento que na hora de escolher entre tomar a dianteira de uma situação ou apenas seguir o que outros estão fazendo, encontramos uma incerteza que não é apenas burrice ou arrogância. Tem algo a mais nisso. Assim como a natureza transformou bactérias em humanos depois de incontáveis tentativas (a maioria absoluta frustradas), o bom senso também é resultado de um processo evolutivo meio às cegas.

Cada vez que uma pessoa consegue liderar outras a agir como quer, cria uma “mutação” no comportamento humano. Se ela vai vingar ou não, são outros quinhentos. As que seguem em frente não necessariamente vieram de uma excelente compreensão da realidade e frequentemente nem são saudáveis para o nosso desenvolvimento como espécie. Sorte pode contaminar o resultado: o Brasil é um país essencialmente cristão porque calhou de seus descobridores mais bem armados professarem essa fé, por exemplo.

Mutações que se mostram fortes vão se tornando parte do senso comum das pessoas. E assim, sobrevivem. Mutações que surgiram na hora errada (ou eram ruins mesmo), afundam na história, provavelmente nunca mais mencionadas. É duro de acreditar que o conceito de democracia só surgiu na Grécia e não foi tentado milhares de vezes antes, em mais um exemplo. Muitas ideias que hoje tomamos como óbvias provavelmente não foram por muito tempo. Até que alguém com poder de liderança as colocou em prática e uma série de fatores que inclui a aleatoriedade tratou de mantê-las vivas pelos anos seguintes.

De uma certa forma, somos o resultado de mutações comportamentais “agradáveis” para líderes, mas não necessariamente para seguidores. O que francamente explica uma sociedade tão focada em hierarquia, exploração e desigualdade como a que temos. Se ninguém com poder de convencimento tivesse escolhido defender uma causa, ela não teria se mantido até os dias atuais. E como pessoas com poder de convencimento costumam ter um impulso de dominância e controle – não desenvolveriam essas habilidades para ficarem caladas num canto – o resultado dessa evolução do bom senso está fortemente ligado a um tipo de visão do mundo. Nosso senso comum foi forjado pelos vencedores num ambiente de competição extrema.

O que me leva a crer que seguir outra pessoa nas suas escolhas de vida te leve basicamente a dois caminhos: repetir o comportamento de competição ou tornar-se recurso de pessoas dominadoras. Auto-ajuda e religião! Ou você se coloca num pedestal, ou você é base dele. Porque elementos como cooperação e divisão de responsabilidades não são “naturais” para quem desenvolveu nossas regras sociais, nem por achar que foram pessoas mal intencionadas, mas porque o que gera a vantagem delas para gerar seguidores é justamente o comportamento dominante. Não há meio termo, ou pisa nos outros (seja dominador você também), ou é pisado (é bom pra você aceitar o que lhe é imposto).

Por isso que eu levantei aquela questão no começo do texto: a dificuldade de decidir se você vai liderar ou seguir como método de fazer escolhas melhores na vida. No fundo, é tudo muito parecido. Tudo decidido de acordo com os gostos dos líderes de hoje ou outrora, criando uma falsa dicotomia. Não é exatamente uma escolha, é fazer parte de um jogo de cartas marcadas. E eu acredito que é justamente aí que muita gente quebra a cara… achando que é importante OU sair atropelando o mundo para fazer o que quer OU aceitar de forma bovina o que lhes é imposto.

Não são justamente esses tipos de pessoas que mais enchem a nossa paciência na vida? Quem é tirano e quem é passivo demais? Por que temos que escolher entre um desses papéis na hora que temos um problema? Há uma terceira via, escondida no meio dessa enxurrada de discursos de ambos os lados: cooperação.

E se ao invés de seguir ou liderar, você escolher se juntar com outras pessoas? Resolver problemas juntos, deixar a hierarquia de lado e pensar como um time, só para variar. Dividir é um conceito que acabou deixado de lado na nossa evolução como espécie, justamente por não ter o poder de permanência evolutiva das soluções baseadas em dominância. Não se formam líderes ou seguidores nessas situações, as mutações do comportamento humano nesse sentido acabam soterradas pela história, contada por quem estava focado em inventar novas regras e de segui-las.

Cooperação tem um poder de resolução de problemas sem paralelos. Às margens do que consideramos soluções válidas, ela foi capaz de manter nossa sociedade coesa e funcional por todos esses milênios. É isso que nos deixa no topo da cadeia alimentar, é isso que cria tecnologia, que gera conceitos abstratos importantíssimos como justiça e direitos… líderes e seguidores são apenas nossos egos querendo sequestrar o significado do caminho incrível que trilhamos até aqui.

Liderar ou seguir? Cooperar. Essa é a resposta correta, sempre foi. Mas ela não vende livros, não enche auditórios, não gera dízimos… porque ela não foi criada para agradar pessoas que já estavam no poder. A evolução da sociedade humana nos pregou uma peça. Foi a cooperação que resolveu nossos problemas, mas infelizmente vai ficando cada vez mais escondida na sociedade desigual (crescentemente mais desigual) na qual vivemos.

Eu gostaria de mandar nos outros e ditar as regras para elas porque sou egocêntrico, mesmo tendo vontade genuína de fazer algo de bom para o mundo. Não me faz mais corajoso ou mais capaz. Assim como não torna por comparação os seguidores em fracos ou ignorantes… são apenas pessoas que inflam seu ego através do outro. Querer ser especial – por aceitação ou por imitação – é natural do ser humano. Mas é só uma vontade, não um jeito de resolver as coisas.

Não sei por quanto tempo mais a ideia de cooperação vai continuar segurando esse mundo funcionando minimamente bem, mesmo sendo colocada em segundo plano o tempo todo. Espero que essa onda de egoísmo do ser humano atual não seja uma doença forte o suficiente para sufocar a base na qual construímos tudo o que temos de bom.

Eu sei que é gostoso se sentir validado por seguir ou ser seguido, mas… não custa cooperar, não?

Para dizer que vai ficar surpreso quando o texto não mudar no meio, para dizer que eu ando muito hippie, ou mesmo para dizer que vai cooperar me mandando parar com esse papinho: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Desfavores relacionados:

Etiquetas: , ,

Comments (10)

      • Somir
        Você como piadista é um ótimo chefe de equipe.

        Se doeu é porque eu acertei!! kkkkkkkkk

        Tá vendo muito Jogo de Tronos!! Todo cara que conheço que assiste esse lixo é meio sequelado…

  • Somir, depois que você resolveu reconquistar a Sally, aflorou um lado meio esquisitão em você. Cadê aquele Somirzão corintiano, mijando na pia e pouco se importando?

  • Eu não acredito em cooperação como solução para todos os casos. Seres humanos são como cães, se estressam menos quando delegam decisões.

    Por causa disso, a maioria as evita e quando são confrontados com essa necessidade podem atrasar ou até impedir um resultado satisfatório.

    Exemplo: barco afundando. Uns putos correm para todos os lados, gritam se desesperam. Outros tentam tirar a água de dentro do barco com o que tiver a mão. Todos acabam afundando junto com o barco. Se a decisão do que fazer entrar em pauta então…. Vira Corinthians e palmeiras e todo mundo morre. Em alguns momentos precisa ter alguém com bom senso para bancar a decisão e orientar a cooperação para que, com um objetivo definido, a solução aconteça. Não à toa todos os esportes de cooperação tem uma ou mais figuras de decisão: técnicos, capitães, líderes. Em situações críticas, com muitos aspectos e de evolução rápida, alguém tem que tomar a frente ou corre-se o risco de acabar brasileirando: vamos apenas levando, levando, muito se discute e nada se faz de fato.

    O outro ponto é a diferença entre poder e liderança. Liderança mesmo sem poder formal torna ideias e inovações viáveis…

  • Se esse tivesse sido o primeiro texto que eu li do Desfavor, ficaria com medo de comentar. E de voltar…

    Talvez permanecesse como leitora silenciosa…

    É que essa sua confissão, no primeiro parágrafo, se analisarmos de forma mais profunda… Pode ser meio perigosa…

    Mas, contexto, contexto…. A conclusão foi ótima! Cooperação, igualdade, colaboração e união de forças: um novo caminho… uma saída digna para a humanidade!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: