Enquanto isso…

Enquanto isso, na frente de uma agência bancária tomada por assaltantes:

POLICIAL 1: E aí?
POLICIAL 2: E aí o quê?
POLICIAL 1: Vai me pagar aqueles cinquentinha que ficou me devendo?
POLICIAL 2: Porra, isso é hora de cobrar essas coisas?
POLICIAL 1: Ah, e tem hora agora? Eu fui até camarada, era pra ter cobrado na semana passada.
POLICIAL 2: Tem uma assalto acontecendo! Tem reféns lá dentro, eu acho!
POLICIAL 1: Essa hora? Tava fechado. Mas, tá, acabando essa merda você me paga, né?
POLICIAL 2: Ah, não fode! E esse reforço que não vem?
POLICIAL 1: Tá achando que é filme americano? Só aparece depois que chegar o pessoal da TV, e olha lá…
POLICIAL 2: Então pronto, chegou o pessoal da TV!
REPÓRTER: Boa tarde policiais, o que está acontecendo lá dentro?
POLICIAL 1: Tá filmando?
REPÓRTER: Não. Ainda não, vamos ligar o link.
POLICIAL 1: Deu merda, hein? Os caras lá dentro estão cheio de bombas, falando que vão matar geral.
POLICIAL 2: Essa não é a versão oficial! Corta isso!
REPÓRTER: Não está gravando. Eu nem estou com o microfone apontado… e qual é a versão oficial?
POLICIAL 2: Não sei ainda, ninguém veio pra dizer.
REPÓRTER: Então são só vocês dois aqui?
POLICIAL 1: É.
POLICIAL 2: Não! Não… temos equipes especiais e atiradores de elite a postos.
POLICIAL 1: Onde? Eu só vi a gente aqui.
POLICIAL 2: Cala a boca!
REPÓRTER: Vamos entrar ao vivo!
POLICIAL 2: Calma, calma…
REPÓRTER: Em 3, 2, 1…
POLICIAL 2: Só não diz que a gente está sozinho aqui, senão aqueles putos vão sair atirando geral…
REPÓRTER:
POLICIAL 2: Dá pra cortar?
REPÓRTER: Estamos ao vivo. Argh… cortaram…
POLICIAL 1: Oi mãe!
REPÓRTER: Cortaram.
POLICIAL 1: Minha mãe vai ficar uma arara se eu aparecer na TV e não falar um oi pra ela…
REPÓRTER: Existe o risco dos assaltantes saírem atirando?
POLICIAL 2: Eles podem achar que é um truque nosso. Não é, porque não tem ninguém aqui mesmo. Mas…
REPÓRTER: Oi? Oi? Estamos ao vivo de novo?
POLICIAL 2: Não é possível…
POLICIAL 1: Oi mãe!
REPÓRTER: Estamos aqui com os oficiais que responderam ao chamado. O senhor tem alguma declaração para dar?
POLICIAL 2: Ainda é cedo para traçar conclusões. Nossa equipe está preparada para lidar com a situação e esperamos resolver tudo de forma pacífica, minimizando os riscos para a população.
POLICIAL 1: O que ele disse. Falou bunito, rapá! Toca aqui!
POLICIAL 2: He… para.
POLICIAL 1: Ô pessoal da corporação, vamos mandar um reforço aí? Tá puxado só nós dois contra essa galera toda.
POLICIAL 2: NÃO! Edita essa parte!
REPÓRTER: Estamos ao vivo, senhor. Como podemos ver, os policiais estão pedindo por ajuda desesperadamente.
POLICIAL 2: Está tudo sob controle! *puxando o microfone*
REPÓRTER: Larga! Larga!
POLICIAL 1: Ó pessoal, não vem pra cá não porque os caras estão cheios de bomba. Tem que mandar o esquadrão pra cá! Ah! Maria Tereza! Ô Maria Tereza, cancela o dentista do Juninho que é aqui do lado. Vai dar merda aqui, viu? Não vem não! *puxando o microfone de novo*
REPÓRTER: Com licença, solta o microfone.
POLICIAL 2: A senhora precisa se afastar daqui. E você, vai passar recado com seu celular, seu animal!
POLICIAL 1: Acabou o crédito. E Maria Tereza não atende a cobrar nem a pau. Pode estar morrendo, disca pra ela a cobrar, nada… pão dura do caralho. Xiii… dá pra editar isso fora?
REPÓRTER: Que parte de ao vivo vocês não entenderam ainda?
POLICIAL 1: Já estamos aqui, né? Ó gente, eu sou policial, eu arrisco minha vida nesse trabalho e me pagam tão pouco que nem crédito no celular eu posso ter. Tem que valorizar mais a nossa profissão, né?
REPÓRTER: Um relato verdadeiro das péssimas condições da segurança pública brasileira.
POLICIAL 2: Eu já pedi para a senhora se afastar. E você, você cala essa boca!
POLICIAL 1: E eu menti? Ah! *puxando o microfone*
POLICIAL 2:
POLICIAL 1: Maria Tereza, te amo, viu? O negócio do pão dura era brincadeira. Não fica brava não. Eu te…
REPÓRTER: ATENÇÃO! Tem alguém saindo da agência. Um homem mascarado com um refém, ele está apontando a arma para o refém. Ele está dizendo algo…

HOMEM MASCARADO: Tá todo mundo bem lá dentro, ouviram? Se deixar a gente sair, ninguém se machuca.

POLICIAL 1: Chicão?
HOMEM MASCARADO:
POLICIAL 2:
POLICIAL 1: Não é a voz do Chicão? Ô Chicão!

O homem mascarado corre de volta para dentro da agência bancária, junto com seu refém.

REPÓRTER: O senhor conhece um dos sequestradores?
POLICIAL 1: Parecia a voz do Chicão. Ele trabalha com a gente.
POLICIAL 2: Não! Não! Ele se enganou!
REPÓRTER: O senhor está dizendo que os bandidos são policiais?
POLICIAL 1: Não, né. Se é policial, não pode ser bandido. Dã!
POLICIAL 2: Isso!
POLICIAL 1: Já seeeei! Ele é tipo um daqueles agentes infiltrados! Espião! Boa Chicão! Tem um dos nossos lá dentro.
POLICIAL 2: Mesmo se fosse, você acha uma boa ideia dizer isso na frente de um microfone, ao vivo para sabe-se lá quem?
POLICIAL 1: É… não, melhor editar fora isso, moça.
REPÓRTER:
POLICIAL 2:
POLICIAL 1: Ah é, burro! Dããã! Hahaha. Não tem TV dentro do banco.
REPÓRTER: O senhor confirma que um dos assaltantes é um agente policial infiltrado?
POLICIAL 2: Nada a declarar.
POLICIAL 1: Já sei! Não veio reforço porque eles já estão aqui. Tá vendo aquele carro na esquina? É do Marquinho. Uma vez ele me deu carona. Tem até o amassado na porta, tá vendo?
REPÓRTER: Esse Marquinho também é policial?
POLICIAL 1: Ah, tá querendo me pegar, né? Eu não posso ficar contando que tem gente nossa lá dentro. É operação secreta!
POLICIAL 2: Por que sempre me mandam fazer patrulha com você? O que eu fiz pra merecer?
POLICIAL 1: Não desmerece não, porque o capitão fez questão que eu estivesse patrulhando essa área. Numa coisa importante dessas, me escolheram.
POLICIAL 2: Meu Jesus amado… faz o seguinte. Liga pro capitão e avisa o que está acontecendo. Vai lá!
POLICIAL 1: Sim senhor! Ele pede pra eu falar porque o capitão detesta ele! Hahaha! *no microfone*

Um policial se afasta para fazer uma ligação, enquanto o outro tenta botar panos quentes na situação falando com a repórter. Poucos segundos depois, um segundo assaltante mascarado sai da agência, com uma mulher grávida como refém.

HOMEM MASCARADO: Nós estamos dispostos a soltar essa refém como sinal de boa fé.
POLICIAL 2: Ok, mande ela pra cá.
HOMEM MASCARADO: Nós queremos ter certeza que vocês não vão tentar invadir a agência.
POLICIAL 2: Pode deixar. Solte a refém e vamos con…

O celular do homem mascarado começa a tocar em alto volume. Ele fica congelado.

POLICIAL 1: Atende logo, capitão! Ele não está atendendo! *gritando de longe*

O homem mascarado solta a mulher grávida e volta correndo para dentro. O outro policial vai acudi-la imediatamente. A mulher o abraça, e visivelmente sussurra algo em seu ouvido. A repórter se aproxima correndo, junto com o câmera.

REPÓRTER: Senhora, senhora!
POLICIAL 2: Afasta-se! Chama uma ambulância!
POLICIAL 1: Ok!
REPÓRTER: A senhora tem alguma declaração?
GRÁVIDA: Eles disseram que vão explodir tudo! Que vão matar todo mundo!
POLICIAL 1: Agora?
POLICIAL 2: Claro que é agora! Onde já se viu chamar uma ambulância e não ser agora?
POLICIAL 1: Calma!
REPÓRTER: O que a polícia pretende fazer?
POLICIAL 2: Nós temos que nos afastar. Recebi ordens do comando de operações especiais para nos afastarmos.
REPÓRTER: Quando?
POLICIAL 2: Oi?
REPÓRTER: Quando você recebeu essas ordens? Eu estava do seu lado o tempo todo.
POLICIAL 1: Qual é o número da ambulância mesmo? Eu sei que tem nove.
POLICIAL 2: Não é possível…
POLICIAL 1: Deixa, deixa, eu achei…
REPÓRTER: Senhora, senhora…
POLICIAL 2: Afaste-se dela agora!

A repórter obedece, assustada. O outro policial termina de fazer a ligação, e volta-se para seu companheiro e a mulher grávida.

POLICIAL 1: Clau?
POLICIAL 2:
GRÁVIDA:
POLICIAL 1: Claudinha! Que mundo pequeno, menina! Nããão, tá grávida? O Almeida não contou.
REPÓRTER: Quem é Almeida? *gritando*
POLICIAL 1: Trabalha com a gente. Mas, Clau… deixe eu ver esse barrigão!
GRÁVIDA: Por favor, não.
POLICIAL 1: Eu sei dizer se é menino ou menina pela barriga. Não conta! Não conta, deixa eu veeerrr…
GRÁVIDA: Não!

O policial toca a barriga da mulher. Sua mão afunda na roupa dela.

POLICIAL 1: Mole, né? Essa eu não sei o que é não. O que é quando a barriga afunda assim?
POLICIAL 2: É nós dois morrendo, isso que é.
POLICIAL 1: Pessimista, né? Não dá bola não, Clau. Vai nascer perfeito se Deus quiser! Mas não tem que ver essa barriga não? Tem que ir no médico, quando a Maria Tereza engravidou do Juninho, a barriga era durinha. A sua afunda, ó!
POLICIAL 2: Volta aqui.

A repórter se aproxima.

POLICIAL 2: Paula, pega as crianças e some. Some agora. Leva a mãe. Eu te amo, viu? Te amo muito. *segurando o microfone*
REPÓRTER: O que está acontecendo?
POLICIAL 2: Fudeu, tá? Fudeu tudo. Só um milagre para nos salvar.
POLICIAL 1: Ih! Tem uma coisa dura na sua barriguinha… será que é a criança? O titio vai fazer cosquinha, vai sim, vai…
GRÁVIDA: Não! Não!

*click*

Uma grande explosão destrói a agência bancária. Estilhaços voam para todos os lados. Todos são arremessados longe.

POLICIAL 1: Aaaai.
GRÁVIDA: Eles ainda estavam lá dentro… não… Almeidaaa… não era pra ser assim… não…
POLICIAL 1: Será que o bebê está bem?
GRÁVIDA: AAAAHHH! *batendo no policial*

Uma chuva de notas começa a cair na área, atraindo todos os populares que se acotovelavam à distância. O policial ao lado da repórter começa a se levantar, ajudando-a na sequência. Alguns minutos se passam em meio à confusão de pessoas pegando notas de dinheiro carbonizadas. Um dos policiais está apoiado na viatura, pensativo. Uma nota de cinquenta reais vem voando lentamente em sua direção, ele a agarra.

POLICIAL 2: Eu quase sou demitido, quase tenho minha família assassinada, quase morro numa explosão e é isso que eu ganho?
POLICIAL 1: Opa! Cinquenta reáu… *tomando a nota*

Para dizer que não entendeu (aí é culpa sua), para dizer que o Zorra Total está perdendo ao não me contratar, ou mesmo para dizer que ter um policial honesto é muita ficção: somir@desfavor.com

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