Morar em Marte?

O futuro da humanidade provavelmente passa pela colonização de outros planetas. Considerando condições mínimas de conforto e estabilidade, Sally e Somir discordam sobre quais lugares poderiam viver. Os impopulares viajam junto.

Tema de hoje: Como colonizador, você moraria em Marte?

SOMIR

Sim. Como astronauta ou um daqueles malucos da Mars One não, mas para colonizar, claro! Mas antes de tudo, quero dizer que depois de anos agradando o gosto de vocês, agora chegou a minha vez com os temas. Finalmente uma discussão importante para a humanidade!

Admito que eu seja o tipo romântico que ao olhar para o céu durante a noite fica pensando que aquele fóton que atingiu minha retina pode ter viajado por milhões de anos luz. A escala do Universo é fascinante. Nascemos tarde demais para explorar o mundo e cedo demais para explorar o espaço, mas talvez a tempo de dar um pulinho num dos planetas vizinhos. Eu sei que depende de alguns grandes saltos tecnológicos para ser factível no meu tempo de vida (mais uns 10 anos no máximo nesse ritmo), mas pensar em morar em Marte não é tão maluco assim.

Imagina, imagina botar os pés em OUTRO PLANETA! Eu já piraria se fosse pra Lua, outro planeta é elevar isso ao cubo. Bilhões de anos de evolução culminando no ser humano finalmente alcançando um de seus vizinhos. Imagina estar a centenas de milhões de quilômetros da Terra, sendo um dos primeiros a desbravar o Universo fisicamente. A sua própria existência muda de categoria, você deixa de estar preso a um mísero planeta no plano celestial e passa a ser um cidadão universal. Quando alguém que ficar aqui perguntar para um de seus amigos onde você está morando, eles vão dizer… EM MARTE!

Você moraria em Marte! Algo que durante a maior parte da história humana foi apenas um pontinho luminoso no céu. É triste que mais pessoas não vejam a grandiosidade disso. Quando sua cabeça começa a realmente compreender a escala das coisas, é difícil não ficar embasbacado com o prospecto de ser a “apólice de seguro” de até agora a única espécie inteligente conhecida. Mais do que uma pessoa, você seria um emissário da vida num Sistema Solar que até segundo ordem, a concentrou apenas num de seus planetas. Mais do que isso, você seria a vida personificada.

Mas tudo bem, vamos pensar nas questões práticas. Tem uma longa viagem antes. Uns seis meses se tudo funcionar direito. Seria um saco esperar por isso normalmente, mas, considerando que você, um macaco pelado que vivia mais ou menos como os outros animais até poucos milhares de anos atrás, está trocando de planeta… oras, faz sentido aguentar essa chatice. E eu sei que é perigoso, mas vamos colocar em perspectiva: nesse caso você seria um colono, o que significa que as viagens “na loucura” já aconteceram várias e várias vezes antes. Você estaria numa viagem que já foi provada segura nesse estágio. E sobre a morte certa se algo der errado, se isso te impede, espero que nunca precise viajar de avião.

Chegando lá, sim, o terreno é inóspito. Mas se já estamos colonizando, significa que existem estruturas testadas e aprovadas para a vida humana. Claro que não vai ser um palácio, mas com certeza já vai ter passado da fase “lata de sardinha” de estações espaciais e missões pioneiras. Precisa de espaço e proteção para ter ar, água e alimentos disponíveis. E muito provavelmente as colônias serão debaixo da terra, com alguns pontos sobre a superfície para atividades externas. Tem cidades aqui no nosso planeta que tem diversas áreas de convívio subterrâneas, feito Toronto. Não é como se fosse algo completamente fora da capacidade humana de adaptação.

E outra, vocês acham que teríamos BMs por lá? Pioneiros que dependem de uma nave espacial para chegar ao seu destino vão ser muito mais bem selecionados. Não é esquema Brasil que só veio gente forçada e escorraçada, é um grupo seleto de pessoas que queria vir para Marte e teve que mostrar seu valor para ser escolhida. Podem apostar que os serviços por lá seriam de altíssima qualidade. E as conversas seriam de alto nível. Ainda mais numa comunidade num ambiente hostil, as pessoas inteligentes tendem a se unir mais ainda. A ralé demoraria muito mais para chegar por lá. Pobre adora ar-livre, não iria de cara.

Sobre segurança, é claro que é mais perigoso que a Terra, mas também vamos entender que seria um estágio mais avançado na exploração. Os cientistas estão carecas de saber sobre radiação, temperatura, gases tóxicos. O sistema de proteção teria mil travas e proteções para garantir a sustentabilidade da colônia. Marte tem muito gelo, estuda-se até terraformar o planeta usando esses recursos abundantes. Isso garante água, oxigênio e alimento. Não precisa esperar oxigênio chegar da Terra, faz por lá. E até na questão da praticidade: tudo fica mais leve num planeta com gravidade menor. Você seria mais leve e mais forte por lá! Dieta e musculação no mesmo pacote.

E você tem medo de malucos e psicopatas, oras, primeiro que esses costumam ser vetados nos testes iniciais, e segundo que ninguém é maluco de começar uma colônia de humanos sem um esquema de segurança. Não é você e mais dois astronautas, é uma cidade nascendo. Tem que ter estrutura, polícia, hospital… Marte é feito dos mesmos materiais que a Terra, em proporções diferentes. Vai ter indústria de extração (até porque não existiria colônia sem exploração comercial válida) para gerar os materiais necessários por lá mesmo. E com estufas grandes o suficiente, praticamente qualquer planta pode ser criada por lá. Sol tem, é mais fraco, mas tem. E se humano pode viver, animais também.

Sem contar as oportunidades típicas do pioneirismo. Você teria muito mais chances de se estabelecer como um membro respeitado da comunidade. Ganhar dinheiro, poder… podem ter certeza que assim que começar a funcionar a colônia, mais gente vai querer vir. Poder instantâneo sobre os novatos. E só por estar lá, você começa a ter mais voz sobre o que se deve fazer para expandir a colônia. Ao invés de nascer numa cidade que já está cagada, você vai vê-la desenvolvendo-se diante de seus olhos.

Eu sei que com o tempo o menor denominador comum vence e vai ter um monte de Marcianos Médios pentelhando, mas pelo menos no começo, a parte que talvez alguns de nós tenham chance de participar, ainda vamos estar livres deles. Marte é um risco, claro, mas seria uma chance espetacular de recomeço. Quando eu digo que a única saída desse planeta é um foguete, eu acredito nisso.

E, porra… é OUTRO PLANETA! Vocês não se impressionam com nada não?

Para dizer que eu sou maluco, para dizer que me ajuda na mudança, ou mesmo para dizer que só não vai porque a internet ia ser muito lenta (eu levaria uns 20 Hds lotados…): somir@desfavor.com

SALLY

Antes de mais nada quero esclarecer que eu fui contra o tema de hoje e que ele só prosperou em função de uma enorme fadiga mental experimentada no final de semana, que me impediu de dar uma sugestão melhor. Vamos acabar logo com essa palhaçada: você moraria em Marte?

Não. Não porque eu não sou maluca nem demente. Isso encerra o texto, mas eu preciso preencher duas páginas. Haja saco…

Primeiro que eu não saberia com que tipo de pessoa iria conviver. Poderia acontecer de chegar lá e só ter gente pau no cu, só ter gente estranha, o que por sinal, é uma tendência. Que tipo de descompensado quer morar em Marte?

Olha que eu já morei em Salvador e no Rio de Janeiro, eu não sou fresca, estou acostumada com gente burra, feia e mal educada, com clima inóspito e falta de infraestrutura. E mesmo assim não moraria em Marte. Uma coisa é você ligar para a polícia para reportar um assalto e ela se recusar a te atender por ser hora do almoço (Salvador) ou por alegar medo de ir ao local onde você está (Rio de Janeiro). Outra coisa é correr risco de falta de oxigênio e comida. Não, obrigada.

Ao contrário do Somir, eu me relaciono com outros seres humanos, por isso, sempre será um sofrimento me afastar das pessoas que me são queridas. Por qual motivo eu iria para um planeta inóspito e arcaria com anos-luz de distância das pessoas que eu gosto? Se o problema é curiosidade científica, vou, visito e volto. Morar em Marte é coisa de débil mental. Vamos todos chamar o Somir de demente nos comentários?

Qualquer que seja sua curiosidade sobre o local, uma mera visita resolve. Morar é uma roleta-russa. Você não sabe como vai ser o lugar (quem já escolheu hotel olhando fotinho de quarto sabe como se pode camuflar a realidade), você não sabe quem serão as pessoas e você não sabe quais serão os critérios de hierarquia. Não estou certa de que dinheiro valha em Marte. E se por um acaso se der uma situação onde o determinante seja a lei do mais forte, certeza que eu morro. Nem a pau eu me coloco em uma situação de risco assim.

Qual ganho uma pessoa pode ter morando em outro planeta? Se fosse necessidade, estilo Superman, ok. A Terra vai explodir? Beleza, me manda para Marte. Caso contrário me deixa em paz que eu estou muito cansada. E não pensem vocês que o Somir tem espírito aventureiro, pois não tem. Justamente por isso ele toparia ir para Marte: passa a vida trancado na frente do computador, tanto faz onde seja.

Eu não vou me colocar em uma situação onde, se um sistema de aquecimento falhar, eu morro. Onde, se ficar ao “ar livre” eu morro. Não quero viver trancada, não quero viver em uma redoma, muito menos depender de máquinas. Também não quero correr riscos, ninguém sabe ao certo como seria a reação do organismo humano após passar um longo período em Marte.

Estamos falando de Marte. MARTE. Se der errado, não é só pegar um voo baratinho da Gol e voltar para casa, é uma distância que pode chegar a 300 milhões de quilômetros. Não. Pode ser que você nunca consiga voltar, pode ser que demore anos. Pode ser que seus vizinhos sejam Regina Casé de um lado e Carlinhos Brown de outro. Pode ser QUALQUER COISA. Dá um tempo, eu não deixo minha vida tomar esses rumos randômicos não. Eu gosto de conforto, eu fico por aqui mesmo, onde tenho muito mais direito a escolha.

Quem me garante que em Marte existiram bons profissionais das mais diversas áreas que um ser humano precisa para conseguir sobreviver? Bons médicos, bons cirurgiões, bons dentistas… bons tudo. Não sei que tipo de profissionais seriam levados para lá. Não sei que tipo de aparelhagem teriam disponível para trabalhar. Não sei o quanto a atmosfera de Marte afetaria seu trabalho. Eu não sou cobaia, estou velha demais para isso.

Também não sei do que eu teria que abrir mão para estar ali. Será que vai ter chocolate? Será que vai ter remédio para dor de cabeça? Será que vai ter privada que dá descarga? Será que tudo isso vai funcionar em Marte? Eu me recuso a usar fraldas, eu me recuso a cagar em fossa, eu me recuso a coisa demais para topar uma aventura tão no escuro. Vão primeiro os buchas, se ninguém morrer, se ninguém ficar doente, se ninguém sofrer uma consequência grave, aí, talvez, eu visite um dia.

Essa coisa de “entrar para a história” mão me enche os olhos. Vão lá, façam história, eu quero viver confortavelmente. Não quero grandes feitos nem meu nome registrado em lugar algum. Fiz as pazes gostoso com a minha insignificância e acho isso muito saudável. Quero conforto e segurança, não tenho perfil desbravador.

É absurdo preferir não se mudar para um lugar onde faz -143°? Onde a atmosfera é 95% dióxido de carbono e só 0,07% oxigênio? Onde não tem água na superfície? Um planeta que por ser longe pra cacete do sol é escuro o dia todo? Onde a pressão atmosférica é menos de 1% comparada com a da Terra? Um planeta que tem as maiores tempestades de poeira do sistema solar, com ventos de até 500km/h? Isso é maior do que o mais forte dos furacões que já passou pela Terra. Também tem o maior vulcão do sistema solar, o Monte Olimpo, uma porra de 624 km de diâmetro e 25 km de altura (três vezes mais alto do que o Monte Everest). Lugarzinho aprazível, não?

Marte tem dois satélites/luas (que mais parecem duas batatas). Adivinha o nome? Uma se chama PHOBOS (medo em grego) e a outra DEIMOS (terror em grego). Só para constar, parece que Phobos está com os dias contados. Calcula-se que algo vai descompensar e ela vai acabar colidindo com Marte.
Vai pra lá, otário. Vai. Vai e me deixa aqui descansando…

Para reclamar do tema (com razão), para esculhambar o Somir (com razão) ou ainda para dizer que ele realmente deveria ir para Marte: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Eu costumo concordar mais com a Sally do que com o Somir, mas desta vez, não, e vou concordar com o Somir. Isso porque, felizmente, a curiosidade e a exploração sempre estiveram no DNA da humanidade.

    Não sei onde a humanidade estaria se a grande maioria dos seres humanos pensasse como ela. Mas acho que provavelmente ainda estaríamos em um estágio bem abaixo do atual…

  • Eu moro em qualquer lugar que tenha videogame, comida e pornografia à vontade. Só não coloquei internet na brincadeira porque no início da colonização a única comunicação vai ser com a Terra e vai ser lenta pra cacete.

  • Estou com o Somir nessa, a ideia de morar em outro planeta supera qualquer outra coisa, imagina só… posso ser lixeiro lá, mas vou ser lixeiro em MARTE! Sei que é absolutamente irracional sair de um lugar relativamente confortável para ir para outro com pouquíssima estrutura e com uma chance grande de morrer no processo. Mas foda-se, se for pra morrer que seja em outro planeta.

  • Somir ganhou… Eu tbm iria para marte, mas só depois de viajar no mundo inteiro e me convencer que a humanidade ta uma merda e o mundo não tem mais jeito…

  • Sally, além de concordar contigo, ri demais do seu texto! kkkkkkkkkkkk… Principalmente na parte do Carlinhos Brown e da Regina Casé!
    Eu tmb não conseguiria!!! Sou muito apegada as pessoas que gosto pra ir pra tão longe! O máximo que cheguei foi ao Chile! Mas qualquer coisa, qualquer merda, a passagem daqui praí nem é tão cara! huehehehueh…

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