Sob pressão.

Meu objetivo é simples: quero resolver todos os problemas do mundo. Atingir um estado utópico de paz, tolerância e entendimento. É pedir demais? Não é, né? Mas uma dúvida me consome, é algo que se interpõe no caminho dessa solução para tudo e que aparentemente ninguém resolveu ainda… quanta pressão aplicar?

Não usei drogas, é assim mesmo. Quando eu falo de pressão, eu quero dizer a quantidade e a gravidade da tentativa de correção de curso da mentalidade humana. Vivemos num mundo que pode ser dividido em vários grupos com suas vantagens, desvantagens e é claro, suas necessidades. E esses grupos invariavelmente entram em choque. Machistas, feministas, heteros, gays, brancos, negros… se há um jeito de categorizar o ser humano num grupo numeroso o suficiente, ele vai acabar cruzando o caminho de outro.

Nessa embate entre interesses, surge a pressão. Um grupo apertando o outro para ter seus desejos atendidos. E muitos desses grupos não estão pedindo nada mais do que o que deveria ser obrigação numa sociedade minimamente justa. A forma de pressão em voga confunde-se demais com a noção do politicamente correto, o conceito de que se modifica a sociedade envergonhando as pessoas de suas visões de mundo.

É até sintomático que na hora de cobrar os homens brancos heterossexuais por direitos mais igualitários, a pressão seja basicamente reclamação e vitimização. Porque antigamente pressão era exercida de formas bem mais agressivas: espancando e matando quem não partilhasse de sua opinião ou mesmo quem não aceitasse seu papel social. Quando era para pressionar as ditas minorias, fizemos na base da pancada, quando chegou a hora dos opressores históricos começarem a receber o troco, a sociedade resolveu que apontar o dedo e reclamar muito já estava de bom tamanho.

Como sempre deveria estar, aliás. Pressionar qualquer grupo de seres humanos sempre deveria ter sido feito no máximo na base da encheção de saco, e não com violência. Aprendemos essa lição a tempo de tratar com mais humanidade quem mais aprontou. É certo, mas… é conveniente demais, não? De qualquer forma, a humanidade sempre precisou usar desse expediente da pressão entre grupos para chegar a alguma conclusão. Mesmo que fosse uma conclusão cretina como a escravidão. Nosso modus operandi, podemos dizer.

Aceitando que essa dinâmica de pressão entre grupos que se enxergam diferentes é a forma de gerar mudanças sociais, resta entender quanta pressão é eficiente e quanta é contraproducente. Talvez eu tenha escolhido a coluna que escolhi para colocar o texto só por essa ideia: tenho a impressão que a pressão feita contra grupos como mulheres, gays e negros (só para ficar em exemplos mais numerosos e conhecidos), mesmo que tenha sido brutal, não deu muito certo não. Esses grupos estão aí reclamando e exigindo seus direitos.

Podemos ver as coisas por dois ângulos: ou a pressão feita para fazer esses grupos aceitarem uma posição de inferioridade foi demais, ou foi insuficiente. Gerou sim uma sociedade onde são tratados de forma injusta e inferior, mas não alcançou o objetivo de fazê-los aceitar essa posição. A vitória do opressor é bem menos doce quando o oprimido ainda tem noção de sua condição.

Se a pressão fosse suficientemente maior, os grupos oprimidos seriam muito mais homogêneos na noção de que só de dividirem o mundo com os opressores já estaria de bom tamanho. Pensando bem, se eu quisesse manter pessoas debaixo das minhas botas, eu com certeza roubaria delas a humanidade ao ponto de aceitarem seu direito a existência como privilégio. Não foi isso que aconteceu. Os grupos historicamente oprimidos continuam com a sua humanidade viva, percebem-se dignos de direitos humanos básicos ou pelo menos ressentem-se (mesmo que de forma pouco articulada) da injustiça a qual são expostos.

Vejam bem, não estou dizendo que “faltou chibata” como se fosse uma escolha consciente, não absolvo quem tenha perpetrado essa opressão; mas acredito até que na média o ser humano nem é capaz de manter uma campanha de violência sobre outros seres humanos pelo tempo necessário para desumanizar os oprimidos definitivamente, até mesmo por incapacidade de alcançar esse padrão de “excelência”. É bom manter a guarda alta contra movimentos discriminatórios, mas talvez a pressão tenha seu limite de eficiência, mesmo quando feita de forma cruel. Gosto de acreditar que o espírito humano não se curva assim, mas sempre quando incompetência é uma variável é bom levá-la em consideração. Que bom para a humanidade que essa pressão não tenha sido suficiente para calar definitivamente quem exige ser tratado como é, como ser humano, mas pode ter sido mais sorte que juízo.

E se, no sentido oposto, a pressão fosse suficientemente menor, algo me diz que os movimentos atuais pelo tratamento mais humano de todos os grupos que formam nossa sociedade também teriam falhado. Analogia do sapo na panela: se você quer estabelecer alguma forma de superioridade entre os grupos, faça isso de forma lenta e escondida. Implementar um padrão de beleza que beneficia basicamente só uma raça foi um golpe de mestre, por exemplo. A pressão não ocorreu de forma violenta e óbvia, ela foi se solidificando geração por geração até envenenar a cabeça de muita gente. Pressão nesse contexto gera um poder de mudança social mais estável. Vai custar para mudar essa noção, e quem tenta peitar essa ideia muito de frente lida com a rejeição e o escárnio até mesmo daqueles que são prejudicados pelo padrão! É impressionante como a dose “certa” de pressão se instala na cabeça das pessoas.

Eu trago todos esses elementos à tona porque percebo que a forma atual de pressão, a que atinge as pessoas de sociedades mais modernas e igualitárias, essa pode até vir num pacote menos grotesco do que segregação física e violência, mas está mal posicionada historicamente no espectro da quantidade aplicada. A pressão politicamente correta aumenta a cada dia, e mesmo com objetivos teoricamente mais nobres do que definir relações de superioridade entre seres humanos (muito embora vivam errando a mão e sendo criticados aqui, inclusive), vai ficando cada vez mais distante do caminho da mudança de atitude continuada e mais próxima da pressão excessiva que já vimos que consegue resultados com o custo de uma revolta futura.

É feio falar isso, mas os vilões da sociedade atual, os homens brancos heterossexuais, já tentaram toda essa coisa de mudar a cabeça da humanidade para servir melhor aos seus interesses, e da experiência dessas tentativas podemos aprender muito. Ver o que funciona com o passar dos anos e gerações e o que tem vida mais curta. Como eu acredito que a humanidade tem mais ou menos os mesmos defeitos com variações na sua capacidade de exercê-los (ninguém presta), desconfio que quanto mais poder nas mãos de quem quer mudar o mundo pelo politicamente correto, mais e mais erros na quantidade de pressão ideal serão cometidos.

E aí movimentos tidos como ridículos atualmente (movimentos pelos direitos dos homens, por exemplo) vão ter mais e mais lenha para queimar. Porque é uma insanidade não perceber que todo mundo tem motivo para reclamar, o que muda é a quantidade de questões que impactam negativamente suas vidas. Pressionar os opressores históricos com a mesma falta de noção da força aplicada que eles mesmos demonstraram no curso da evolução social humana é o clássico da insanidade: fazer a mesma coisa esperando resultados diferentes.

Mas eu entendo, sacanagem começar a fazer tudo direito justamente na hora de fazer um grupo prestar contas pelos abusos cometidos. Só que aí temos que decidir se vale mais a pena justiça ou vingança. Se repetir o trote na próxima turma de calouros vale a manutenção da mentalidade do trote. Alguém deveria parar o ciclo de erros, aplicando a pressão ideal para uma mudança resistente de mentalidade ao invés de sentir o doce gosto da vingança com o exagero na repressão. Acho injusto cobrar isso de quem pagou o pato até agora, mas… mesmo achando que é pedir demais, não é pedir o certo?

O certo não sublima todas as nossas mesquinharias? Quem vai ter o orgulho de bater no peito e dizer que pagou o preço para ter um mundo melhor e mais justo? Porque se não for agora, o pêndulo volta como a Sally gosta de dizer. E se voltar na nossa mão (eu sou membro do clube dos opressores achando justo ou não), vocês vão confiar justamente na gente para quebrar o ciclo? Sério? Quando que isso deu certo na história? Quando o homem branco se sente injustiçado (tendo méritos ou não), precisa de uma guerra mundial para tentar parar o desastre subsequente. Não me parece uma boa ideia deixar isso correr solto de novo.

Por isso eu quero falar com todos os outros grupos, a bola ainda não está no seu campo, mas pela primeira vez na história está se aproximando. Pensem bem se vão chutar de volta… e isso tem tudo a ver com regular a pressão exercida. Alguém vai ter que ser o adulto nessa relação…

Para dizer que essa coisa de trocar espelhinho por terras não vai colar de novo, para dizer que concorda que é injusto fazer direito justamente agora, ou mesmo para dizer que eu só estou batendo o pau na mesa: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Acho que depende o “para que”. Alemães nazistas conseguiram mudar hábitos de higiene e horários com imposição e costume, com leis rígidas e punições.

    Mas, em compensação, não me lembro de registros de mudança permanente com violência excessiva. Bem fogueiras eliminaram outras religiões, nem câmaras de gás, nem mesmo choques, tortura e prisão eliminaram os pensadores contrários à ditaduras. Pode calar muitos por muito tempo, mas não muda efetivamente um pensamento.

    Eu acredito mais na pressão subliminar . Na pressão sutil, no exemplo de quem as pessoas admiram. Acho que funciona melhor por mais tempo…

  • A analogia do sapo na água morna foi muito boa. É fácil identificar uma violência óbvia e lutar contra ela. É fácil revidar um tapa. Difícil é quando o rosto está queimando e doendo, mas não há nenhum “inimigo” por perto para culpar por aquela dor. Difícil é perceber que a temperatura da água está aumentando lentamente…

    A sutileza é a arma dos fortes de verdade. Fortes: aqueles que vencem destruindo o adversário de dentro para fora. Aqueles que nos fazem achar que a panela de água morna é uma piscina aquecida segura e confortável. Aqueles que nos convencem a acreditar que o pensamento que nos impuseram sempre foi nosso, espontâneo e livre.

  • “Meu objetivo é simples: quero resolver todos os problemas do mundo. Atingir um estado utópico de paz, tolerância e entendimento.”

    Será o primeiro caso de um ateu que merece ser canonizado?

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