Tender critica – 2

Você é pai? Mãe? Ou pretende ter um filho muito em breve? Os filmes escolhidos são para vocês, pois ter uma criança não é fácil. Muitas vezes você vai se arrepender, vai pensar nas coisas que precisou abrir mão e até mesmo sentirá uma vontade irracional de erradicar aquele transtorno da sua vida. Tudo isso é razoavelmente normal, a menos que você tenha certas predisposições psicopatas, aí o caldo engrossa. É por isso que trago para vocês dois filmes que falam sobre a relação entre pais e filhos e o quanto isso pode ser estressante, chegando a ter consequências catastróficas. Para quem acha que esse tipo de assunto só acontece em filme, os Nardoni, Suzane von Richthofen e o caso Bernardo estão aí para mostrar o quanto esse tipo de relacionamento pode ser problemático.

The Babadook

(Brasil: O Babadook ), 2014 – Direção: Jennifer Kent. Estrelando: Essie Davis, Noah Wiseman, Daniel Henshall. Gênero: Terror / Suspense


Quanta dor sentimental você consegue suportar? Quanto estresse e cansaço físico até chegar ao limite? Essas são questões que vão passar pela sua cabeça enquanto assistir “O Babadook”, uma coprodução canadense e australiana dirigida pela estreante Jennifer Kent. Aliás, tenho me surpreendido muito pelas últimas produções que vi da Austrália, vale dar mais atenção ao cenário cinematográfico do país. No caso de Jennifer Kent, ela toma uma direção muito bem orquestrada, utilizando recursos de imagem e som para criar um clima sombrio e arrepiante. Em Babadook vemos a história de Amélia (Essie Davis), uma viúva que tenta cuidar de seu filho Samuel (Noah Wiseman) da melhor maneira possível. Bem, o filme nos mostra que ela está fracassando na missão, já que o menino é o capeta em forma de guri e até mesmo eu, a paciência em pessoa, teria dado uns tapas no moleque. Hiperativo, Samuel é viciado em seus próprios medos, obrigando sua mãe a ter uma série de atitudes para verificar se há algum monstro embaixo da cama, no armário, etc.

Amélia por sua vez é uma mulher amargurada, reprimida, à beira do estresse e com sentimentos de culpa e raiva pelo filho. Tudo porque seu marido morreu no dia do nascimento de Samuel, causando um grave distúrbio na cabeça da mulher. É no sétimo aniversário do menino que o distúrbio aflora após ela ler um livro chamado “O Babadook” para o filho, deixando-os paranoicos com um ser muito parecido com qualquer bicho-papão por aí. Ao longo do filme vemos o quanto Amélia é perturbada pelos seus próprios sentimentos e o quanto ela é negligente em relação ao filho. Como por exemplo, mesmo ele sendo claramente problemático, ela apenas o leva ao médico após uma forte crise nervosa. Repare também nas refeições que ela prepara, normalmente coisinhas ralas e insossas, que parecem ter gosto de nada. Enfim, Amélia claramente não é uma dona de casa ou mãe exemplar e ela sabe disso, mais um detalhe para perturbar sua mente.

A primeira metade do filme mostra como amélia leva sua vida, dividindo sua vida trabalhando em um hospital psiquiátrico e a convivência problemática com a criança. A partir da metade do filme, entramos em um campo muito mais psicológico, demonstrando a influência do Babadook em uma mente já fragilizada pelo estresse do cotidiano. Aos poucos Amélia vai ficando insone, agressiva e começa a ter mania de perseguição, achando que o monstro do livro está perseguindo sua família. O medo somado aos outros sentimentos, deixam Amélia à beira da loucura. A partir de então a influência do Babadook vai ficando cada vez mais forte, chegando em seu ápice nos momentos finais da trama. Não vou revelar muita coisa para não estragar a imersão, mas fiquei um bom tempo com medo depois que assisti ao filme. Não exatamente com medo da história, mas com medo de que algo similar pudesse acontecer comigo ou com minha esposa.

Um dos pontos altos do filme são as interpretações dos atores principais, Essie Davis está excelente e sua química com Noah Wiseman faz com que o espectador hora tenha raiva do menino, hora torça para que ele consiga ajudar sua mãe no combate ao Babadook. Sobre o roteiro meu único porém é com relação ao pai morto, que aparentemente era um músico enquanto vivo. O cara pode ter sido um bonitão e ter feito um bom sexo com ela, mas sete anos é muito tempo para se encontrar um novo amor, tem que ter muita baixo estima para ficar se remoendo por causa disso. Nessa linha de pensamento, até é apresentado um personagem que flerta com Amélia durante o filme, mas ele perde sua importância e some da história sem muita explicação.

Outro detalhe interessante no filme é a edição de imagem e som. O filme nunca mostra mais do que precisa e nem se entrega aos sustos fáceis, porém o suspense criado pela trilha sonora é agonizante. Em determinado momento, eles estão lendo o livro e a música começa a aumentar, quando você acha que algo vai acontecer, eles fecham o livro, a música acaba e a cena corta para outro momento. Ao mesmo tempo isso é um alívio por não ter quase infartado caso houvesse um jump scare (link: https://www.youtube.com/watch?v=JRhLxx3vKPo), mas também é meio frustrante porque você estava esperando um susto naquele momento… é quase um orgasmo interrompido (sim, com referência a uma cena que pra mim é a mais importante de todo o filme).

Minimalista, muita parte da explicação do que está acontecendo é explicada através de simbologias. Como em determinado momento em que baratas saem de um buraco na parede, representando todas as coisas ruins que são reprimidas, mas que a qualquer momento podem explodir. Há também uma sugestão sobre a força feminina, de uma mãe solteira e viúva que precisa trabalhar e cuidar de uma criança difícil. De qualquer forma, o filme é denso e é preciso prestar atenção aos pequenos detalhes para descobrir como a mente humana faz suas associações irracionais. Se após os créditos finais você ficar pensando muito se esta ficando maluco ou não, significa que Babadook já pegou você também.

Ich seh, Ich seh

(Eua: Goodnight Mommy / Brasil: Boa noite, mamãe), 2015 – Direção: Severin Fiala, Veronika Franz. Estrelando: Susanne Wuest, Lukas Schwarz, Elias Schwarz. Gênero: Terror / Suspense


Fiquei sabendo desse filme meio que por acaso, já que ele foi pouco divulgado aqui no Brasil, mas tem recebido críticas muito positivas em sites especializados, muitos deles alardeando que este é o filme mais aterrorizante dos últimos tempos. Sempre que vejo algo assim, me lembro daquelas antigas capas de VHS, que vinha dizendo “O filme mais assustador do ano” – jornal x, “Arrepiante” – jornal y e isso sempre indicava que o filme não era nem o mais assustador e nem o mais arrepiante, pelo contrário, era sempre uma droga. Para minha sorte, não foi o caso com “Boa noite, mamãe” que, apesar de ser um bom filme, não é tão assustador assim. Pra começar o filme é austríaco, ou seja, não espere nada parecido com uma produção de Hollywood. Com forte influência da escola européia de cinema, o filme possui longas tomadas, poucos diálogos e deixa o suspense para os momentos de silêncio e a subjetividade das cenas.

O filme começa com a cena de um musical e depois corta para uma casa no meio do nada, rodeada por plantações no interior da Áustria. É nesse ambiente que conhecemos dois gêmeos, Lukas e Elias, que por acaso são os nomes reais dos atores. Os dois estão lá, sozinhos, brincando no meio da plantação, quando um carro surge e de dentro sai uma mulher com a cara toda remendada dizendo ser a mãe deles. Logo de cara os dois desconfiam da mulher e o filme mostra sem pudor como uma pessoa próxima pode se tornar um estranho após um trauma ou uma mudança física. Isso fica bem claro já que em nenhum momento eles citam o nome da mãe, sempre a tratando como mamãe ou aquela mulher que tomou o lugar da mamãe.

Dos dois gêmeos, Lukas é o mais desconfiado com relação à impostora e aos poucos vai fazendo sugestões para testarem a mulher. Para quem é macaco velho na sétima arte, vai matar o mistério da história nas primeiras cenas do filme, como foi o meu caso. Para quem não desvendar logo de cara, o filme vai de pouco em pouco desatando nós. Primeiro descobrimos que a mulher era uma importante apresentadora de TV e aparentemente sua cara está remendada devido à uma cirurgia plástica estética. Conforme você vai entrando na desconfiança dos irmãos, dá a impressão que a fama deixou ela vaidosa e ao mesmo tempo rabugenta, principalmente por causa do processo de separação do marido, que não aparece em momento algum da história.

No entanto, vai se percebendo que há muito mais por trás do que isso, já que até a metade da história, há um certo esforço para não mostrar o rosto dela, fazendo com que o espectador desconfie dela também. A partir da segunda metade, as ataduras são tiradas e nem isso faz com que os gêmeos deixem de desconfiar da mulher, tudo por causa de uma certa foto encontrada em um álbum de família. A partir daí, a história se inverte e a desconfiança começa a ser direcionada para os gêmeos, que podem estar sofrendo de prosopagnosia.

Esse jogo de gato e rato vai se estendendo ao longo de vários minutos, a maioria deles centrados apenas nos três personagens. Outras pessoas aparecem no decorrer da história, mas são momentos bem descartáveis, até mesmo a cena em que aparecem dois voluntários da cruz vermelha parece estar lá apenas para dar alívio à tensão que vai se criando no interior da casa. Por isso, quem não for acostumado a longos momentos de silêncio e a melancolia de longas cenas casadas com trilha sonora opressora ou som ambiente, com certeza vai sentir o dedo coçar para avançar o filme para as cenas finais.

Pois é no final que se percebe a intenção do filme, com um plot twist que pode decepcionar aqueles que já tinham matado a charada da história. Minha impressão foi: “ah, bem que eu desconfiava, mas esperava que estivesse errado”. Isso não tira todo o mérito do filme, que trabalha muito bem com as dúvidas que os gêmeos vão criando. Metáforas mostram o quanto a situação ali está deplorável, inclusive as famosas baratas, o que invariavelmente te fará comparar esse filme com “O Babadook” caso assista na sequência, outro erra cometido por mim, que quase morri de depressão após as sessões.

Enfim, tanto “O Babbadook” quanto “Boa noite, mamãe” mostram que muitas vezes o terror vem de dentro de casa, com pessoas que amamos, mas não reconhecemos mais. A violência doméstica tem matado tantas mães, crianças e até mesmo pais por aí que realmente não recomendo esses filmes para pessoas de mente fraca. Eu, que não costumo me impressionar muito com filmes, precisei de uma semana até conseguir digerir o que tinha assistido, mas talvez isso não ocorra com pessoas ainda solteira e sem filhos, que não sofram com os pequenos estresses desse tipo de cotidiano.


Dica de filme ruim da semana: The boy.

Por: Tender, o pseudo crítico

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Comments (34)

          • Conselho de amiga: com seu nome as pessoas passam a ter acesso a muita coisa sobre você, principalmente em redes sociais, onde podem encontrar fotos, nomes, rostos e outras informações suas e de terceiros que talvez não sejam muito bacanas de divulgar em um antro de psicopatas raivosos e vingativos como é o Desfavor. Uma coisa é você se expor, outra é expor a terceiros. Sei lá, pensa bem aí se isso vale a pena… eu no seu lugar teria medo. Nunca se sabe quem está lendo.

            • “Antro de psicopatas raivosos e vingativos”

              Me-do.

              (Por favor, não me machuquem. Sou uma senhorinha aposentada inofensiva. )

              • Isso nos incluí. Vento que venta lá, venta cá. Podemos ser machucados mas também podemos machucar. Vamos ver quem se arrisca.

                  • Ninguém tem motivo para ter medo de nada, desde que fique cada um no seu quadrado e ninguém invada o espaço de ninguém.

                • sei dos riscos e tive apoio dos familiares

                  sair do anonimato é uma maneira de quem sabe um dia monetizar o projeto

                  agora está feito, o site está no ar e em breve os vídeos também

                  obrigado pelo apoio, pelas dicas e pelas broncas também (aprendi a dar valor nas broncas)

                  • Isso é verdade, Tender.

                    O único jeito de ter chance de fazer sucesso é saindo do anonimato. Quem não aparece não é lembrado. Quem não é visto não existe.

                    A Rosana Hermann fez um vídeo ótimo sobre como o novo analfabetismo será não ter vlog, não saber editar vídeo, não entender nada de linguagem de vídeo.

                    Até escritores estão criando canal no Youtube para divulgarem seus livros. Blog acabou (desculpa, Desfavor! Mas parece que o pêndulo não vai virar para o lado dos blogs escritos nunca mais). Vídeo veio pra ficar.

                    Quer saber? Tá certo o Tender-Chester-Ericson-Cunha. O mundo é de quem tem coragem.

                    • Blog acabou como fonte de renda, mas eu acho que público para leitura sempre vai ter. Basta saber fazer nos moldes que o povo quer: superficial, com um único tema da moda e carregado de evasão de privacidade.

                      Mas fama, realmente, sem mostrar a cara é impossível.

                    • O cara do canal do otário fez fama sem se mostrar. Somente depois mostrou a cara.

                      Os videos que estou preparando pro meu canal quem apresenta é o Hugo. Sem mascara real, apenas digital. Mas pra mim a questão nem é a privacidade em si. E sim o fato de todo mundo focar no quem. É um saco isso.

          • O problema de se expor é que as pessoas focam muito em QUEM fala, e não apenas no O QUE.

            Mas se vc colocasse em risco terceiros, pensaria com mais ‘carinho’ o lance do anonimato.

            • chester é mais um personagem/apelido que qualquer coisa

              até minha família me chama de chester

              sempre fui adepto da polemica e já criei varia inimizades por isso, mas nada que afetasse diretamente minha vida

              anonimato e jornalismo são palavras que nao combinam…. nunca fui anonimo de fato e qualquer um com mais dedicação me descobriria na rede

              de qualquer forma, espero que gostem do site

  • Sempre quando peço pra meus contatos me indicarem filme assustador, na maioria das vezes falam os que eu já vi. Tender Critica vai buscar novidade até na Áustria! Demais! Vou catar logo pra assistir…

    • obrigado pelo depoimento

      a ideia é bem essa mesmo, trazer coisas mais alternativas, não só em filmes, mas também séries, quadrinhos e etc…..

  • Babadock eu gostei. Ótima surpresa.

    Agora o Goodnight mommy achei sensacional. Adorei o plot twist – que admito não esperar, por estar preso ao suspense.

    Gostei de tudo. Enquadramentos, fotografia, atuações, e reparei também na decoração da casa. Até uma mudança em um quadro durante o filme.

    Ps.: Estou gostando de suas análises.

  • Só de ter vindo da Austria, Goodnight Mommy deve ser bem interessante. Afinal, como não se inspirar nos casos de Natasha Kampusch e o da Familia Fritzl em termos de horror?

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