Ligações perigosas.

Provavelmente o meu maior defeito é querer explicar demais as coisas. Bom, pelo menos o maior que soe agradável para se mencionar em público… sabe como é, defeito de entrevista de emprego. Mas antes que eu faça a proeza de perder o fio da meada no primeiro parágrafo do texto, voltemos: acaba de me acontecer algo que eu quero que tenha explicação, mas ela ainda não veio.

Mas antes, contexto: eu ainda não tinha decidido qual era o tema de hoje. Não que seja novidade, mas é contexto, oras! Nesse processo de saudável pânico pré-escrita, onde arrependo-me de não ter planejado algo com antecedência enquanto tento definir o mínimo de qualidade necessária para não ser exposto como uma fraude (dedos cruzados), frequento alguns fóruns para me inspirar. Um deles fala sobre política internacional, apinhado de reacionários racistas de todo o mundo num colorido espectro de ódio e intolerância do qual frequentemente retiro a opinião contrária.

Lugar bacana. Mas meio repetitivo. Você pode passar por páginas e páginas de opiniões inflamatórias, teorias conspiratórias e humor incorreto sem realmente encontrar novidades. Estava acreditando que era uma busca inútil e quase desistindo. Mas, numa das últimas páginas disponíveis, um tópico diferente: um cidadão dizendo que explorar o oceano era estúpido. Motivos: o oceano é uma merda, ninguém quer ficar perto dos viados dos peixes, e… foda-se sal. Além disso, não tinha nada para se encontrar lá mesmo. Evidente que atraiu minha atenção, que argumentação – com o perdão do trocadilho – profunda! E não só a minha, eram quase 300 as respostas a essa importante discussão.

Depois de ler a maioria delas, uma certeza: o status de merda do oceano é discutível. Realmente a coisa não avançou muito bem. Mas, em resposta ao argumento que não tem nada para se encontrar nas profundezas do oceano, um cidadão alemão (talvez a nacionalidade seja importante, talvez não, mas como vocês serão meus terapeutas hoje, não vou esconder nenhuma informação) posta um desenho de Cthulhu e um link para o artigo da Wikipedia sobre R’lyeh. Para quem não sabe, e vergonha não saber, Cthulhu é uma personagem do escritor H. P. Lovecraft (Harry Potter Lovecraft), um monstro/demônio/deus ancestral que está aprisionado numa antiquíssima cidade submersa chamada R’lyeh.

Tirando toda a mitologia da história, R’lyeh tem uma peculiaridade: Lovecraft chegou a passar a localização geográfica dela para as pessoas. 47°9′S 126°43′W. Se clicar no link sem saber o que é, vá diminuindo o zoom até perceber onde você está. Já viu? A grande sacada desse local é estar muito próxima de um ponto geográfico conhecido como pólo da inacessibilidade do Pacífico. Quando eu vi esse nome, tive que clicar no link para saber mais. Novo artigo: é o lugar mais distante de terra firme no mundo. Agora que eu sei que existe, já tenho um novo lugar para sonhar acordado quando estiver de saco cheio da humanidade. É provavelmente o lugar mais isolado do mundo. Quase 2.700 km de distância de qualquer ilha ou continente!

O conceito é muito interessante. Tanto que existem outros tipos de pólos de inacessibilidade, com vários contextos para suas definições. Tem o oceânico e tem os de terra firme (ou gelo, no caso do ártico). Nos continentes, é basicamente o mais longe que se está de um oceano. Cada um tem o seu, na Ásia é realmente longe, na América Central não é realmente impressionante… mas, o que importa é que cada um tem o seu. O da América do Sul fica no Brasil, o que era presumível. Um ponto no meio do Mato Grosso, cuja cidade mais próxima se chama Arenápolis.

O que uma pessoa normal faria? Provavelmente sexo ao invés de ficar caçando essas bobagens na internet, mas era um ponto bacana para terminar essa jornada. Uma informação para alegrar mesas de bar e impressionar mulheres: sabia que a cidade mais distante do mar na América do Sul se chama Arenápolis e fica no Mato Grosso? Mas… eu não podia me contentar apenas com esse quebra-gelo que com certeza fará parte das minhas futuras conquistas com o sexo oposto, não… eu tinha que saber como era essa cidade. Como as pessoas podiam viver com essa noção de levar suas vidas cotidianas num pólo de inacessibilidade? Isso deve mexer com a cabeça das pessoas… será que a arquitetura da cidade é não-euclidiana? (viu, se conhecesse Cthulhu teria entendido essa piada…)

Por sorte, a Wikipedia tem link para tudo. Por azar, parece que o meu súbito interesse na cidade não se traduzia numa gama de informações satisfatórias disponíveis. Claro, eu poderia ter me tocado que estava na versão em inglês do site e que provavelmente teria muito mais se fosse para a em português, mas a mente trabalha de maneiras misteriosas. Sem ter as informações que tanto desejava, voltei ao Google. Google tem as respostas.

Primeiro link, site da prefeitura. Agora sim, Arenápolis! Agora você me conta os seus segredos! É… não é um site que encha os olhos, ou mesmo que funcione minimamente bem, mas era meu caminho. Infelizmente esses sites de cidades pequenas são muito práticos, oferecendo serviços básicos mais do que contando a história e o dia a dia local. Uma pena. Eu agora sei que o prefeito se chama Farid (Diraf ao contrário) e que a cidade comemorou 59 anos. A página do Facebook tem 249 curtidas, e eu seria o primeiro dos meus amigos a curtir (o fato de eu não ter um perfil deve ter contribuido). Mas não me engano, as pessoas realmente não se interessam tanto por pólos de inacessibilidade. Eu mesmo não me interessava até agora…

Mas havia uma luz no fim do túnel. Um link com vídeos! Sim! Vídeos! Estava na hora de ver como era a vida no local, em movimento! Cliquei no link

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Hm.

“Legislação de cú é rola”. E não é qualquer cu, é o cu acentuado, o mais enfático de todos. O que será que Arenápolis estava querendo me dizer? O Universo falou comigo? Pois, pensemos: eu não quero ser arrogante, mas não consigo deixar de acreditar que essa mensagem foi deixada apenas para os meus olhos. Quem mais chegaria nesse link? Como uma pesquisa num fórum de racistas raivosos me fez chegar aqui? Como essa porcaria está no ar se alguém mais viu? Tirando a pessoa que fez, eu sou provavelmente a primeira pessoa que viu isso. Estava me esperando!

Era pra mim. Era pra acontecer. Mas, qual o significado? Legislação de cu é rola mesmo? Pensando bem, isso tem lógica: se o cu quiser cagar por aí, alguém tem que botar limite nele. A rola fode o cu, oras! Mas ao foder o cu, a rola não o deixa mais propenso a fazer merdas? E se o cu for fodido demais e não se importar mais com a rola? Isso tudo tem implicações. Se a lei nos reprime, há um limite de eficiência: se exagerar, ela mesma fica cagada. E outra: se a rola foder o cu o tempo todo, quando é que ele vai fazer o que precisa?

É tão profundo… profundo? Profundo como o oceano! Está tudo conectado, e se o cidadão que disse que o oceano era idiota soubesse de tudo? Eu fui explorar e encontrei o quê? Eu tenho a impressão que encontrei uma grande verdade enterrada no pólo da inacessibilidade. Aliás… se ela estava lá, não seria uma prova que na verdade as coisas estão tão inacessíveis quanto nossa vontade de encontrá-las?

Tem uma lição aqui. Tem sim. Eu só não sei qual é. Eu preciso de todos vocês, impopulares, eu preciso que nos juntemos e descubramos o significado de tudo isso. Isso aconteceu por um motivo.

E sim, eu tenho orgulho deste texto.

Para dizer que… não sabe o que dizer, para reclamar que isso aqui já foi melhor, ou mesmo para dizer que legislação de cu é rola: somir@desfavor.com

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Comments (64)

  • O administrador do site vai ficar assustado com tantos acessos e arrumar o link.
    Se é que existe um administrador do site.

  • O site dessa prefeitura deve ter o que, uns 3 acessos diários?
    A RID deve ter alguns milhares… Muitos vão conferir a brincadeirinha do estagiário… Quanto tempo vai demorar pra alguém perceber o aumento repentino de acessos e o motivo?

    • Eu duvido que tenha alguém sequer conferindo os acessos. Normalmente isso é feito nas coxas e só se mexem quando alguém reclama que está quebrado. Eu apostaria que se ninguém kibar a minha descoberta e mandar para as redes sociais, vai ficar por lá até a próxima licitação de site…

  • Esse primeiro link, das supostas coordenadas de R’lyeh, não parece estar certo… além de ser muito perto da costa da Nigéria, fica no oceano Atlântico, não no Pacífico.

    • Verdade, o link cagou mesmo. Já consertei…

      Se bem que estava funcionando quando eu fiz. Meio preocupante que tenha quebrado sozinho, ainda mais apontando para onde aponta…

      Ele espera?

  • Só assim pro Somir falar do Estado onde moro, hahahaha
    Ah ! Mais uma informaçao (in)útil : O carnaval em Arenápolis é um dos mais concorridos em Mato Grosso, quiçá do Centro Oeste.
    Não, não é piada.

    • Se eu quisesse fazer muita merda, eu provavelmente iria para um polo da inacessibilidade. E, você apostou no Bolão? Me escolheu? Mora perto de Arenápolis? Eu preciso conhecer esse lugar…

      • Bom, considerando que essa brilhante frase está no site da prefeitura e nem sequer notaram, a população desse município só quer saber de carnaval mesmo,que nem deve ser grandes merdas. Na verdade nunca é…

        Infelizmente não apostei no bolão. Uma pena, parece que 2016 será o ano das mortes e cagadas ( não necessariamente nessa ordem).

        Nunca fui em Arenápolis, mas agora quero conhecer. Mandarei postais , Somir.

        • Se eu fosse da agência da cidade, mandaria fazer postais com frases como:

          “Arenápolis, a cidade mais segura do país contra tubarões.” – Foto de uma criança mandando o dedo do meio para um tubarão, emputecido.

          ou

          “Bem-vindo a Arenápolis, você acaba de ganhar um seguro de 1 bilhão de dólares contra tsunamis.”

          Mas se for conhecer a cidade, manda as fotos pra gente! Arenápolis acaba de me conquistar.

    • Ainda bem, você não gostaria de lidar com nosso departamento de cancelamento de assinaturas, contratamos o mesmo consultor que montou o das operadoras de celular.

  • Gente, SENSACIONAL! Isso está escrito num site governamental, oficial!

    Será um surto de putez do webdesigner? Ou estão testando o desinteresse populacional na matéria?

    • Eu acho que é putez + incapacidade de fazer o trabalho. Perceba que o link dos vídeos cai numa página com nome de “legislacao.php”, foi uma cagada composta. Certeza que vão dizer que o site foi hackeado, mas não foi não.

  • Tentando decidir qual o grau do meu problema mental após rir como uma idiota de Harry Potter Lovecraft. Também passei para dizer que após 4 anos de lendas urbanas sobre o prêmio do bolão, a sua existência foi comprovada ontem à noite. Muito S2 para o Somir.

  • Acho que o Somir está com saudade das punições. Está se comportando bem a vários meses e agora essa decisão de ser simpático com os leitores resulta nesse surto.
    Mas o cara que disse que o oceano é uma merda tem razão. E todas aquelas toneladas de esgoto que tem lá?

    • Isso não foi um texto. Essa dama campineira está flertando com o desastre, na hora em que eu me emputecer ele não vai gostar…

      • Mas a graça está justamente em fazer o que ninguém mais ousaria!

        Quem mais faria um texto nonsense desses? Quem?

        Somir não é um bom escritor de ficção do nada: ele se permite.

        Os criativos quebram as regras.

        De chatinhos monotemáticos o mundo já está cheio. Nem tudo tem que fazer sentido. Eu curti o atrevimento. E esse Somir que se interessa pelos leitores não é incoerente. Inconsistente seria se ele se forçasse a ser sempre mais do mesmo.

          • Nós leitores sabemos que, no embrião do Desfavor, vocês criaram o casal neurótico “Sally e Somir”, que tinha uma relação doentia e mimizenta… Eram dois malinhas que viviam numa “DR FOREVER”.

            Eram caricaturas grotescas de tudo o que vocês abominavam em relacionamentos amorosos. Um deboche. Que fez sucesso. Que agradou. Que ainda agrada. As implicâncias são sempre muito criativas…

    • Hoje aprendemos sobre Cthulhu, R’lyeh, pólos de inacessibilidade e sobre a fascinante mente de quem produziu o site da prefeitura de Arenápolis. O saldo é positivo.

  • Se fosse em outra cidade era fácil prever demissão… Mas como é um pólo de inacessibilidade eu fico feliz pelo nível de foda-se do cidadão que gerencia o site.

  • As vezes eu penso em comentar só pra sacanear o Somir e não dar a satisfação a ele de ufanar-se que ninguém comentou.

    • Às vezes eu penso que a vida é só uma falha na simulação. Um bug chato no programa que os desenvolvedores estão tentando resolver há bilhões de anos, deixando seus chefes cada vez mais impacientes.

  • 1) Não entendi porra nenhuma.

    2) Em algum lugar, “Harry Potter Lovecraft” certamente vai ofender alguém.

    3) O computador fez alerta de vírus para um dos links que você postou. E bloqueoou! Não cliquei em mais nada. Será que você é confiável?

    4) Você tirou o dia para zoar com a nossa cara.

    • 1) Esse é o exato ponto do texto.

      2) Estou aproximando ele das novas gerações. E eu acredito que pessoas que se ofendam com isso possam ser úteis aqui…

      3) Qual link? Eu vivo perigosamente e não uso antivírus. E não, eu não sou confiável.

      4) É sempre uma possibilidade. Mas, rir comigo é uma possibilidade também.

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