Paz e filhos.

Crises são comuns em relacionamentos, e algumas delas acontecem ao redor de um grande passo na vida de qualquer pessoa: ter filhos. Sally e Somir mais uma vez dão pitaco no assunto, mas cada um de um lado. Os impopulares lidam com a crise.

Tema de hoje: filhos unem ou afastam um casal em crise?

SOMIR

Talvez seja um dos casos onde só colocamos hipóteses aqui e quem tenha noção disso na prática que resolva a questão, mas se eu tenho que tomar um lado na discussão, aposto que o filho vai unir o casal. Não que isso seja necessariamente uma receita de felicidade ou sucesso conjugal no longo prazo, mas existem sim fatores que corroboram com essa visão.

Dependendo do tipo de dor que você tiver, existem truques para aliviá-la baseados em apertar outra parte do corpo. E são científicos: o cérebro trabalha com prioridades. Ele tende a ignorar uma parte com dor se sentir alguma ameaça em outra que seja mais vital. Não estou bêbado, a ideia aqui é que é natural e até orgânico para o ser humano colocar problemas em perspectiva de acordo com sua gravidade. Perto de gerar uma nova vida, será que a crise do casal não começa a mudar de proporção?

Frequentemente crises são resultado de comunicação deficiente, pequenas coisas não tratadas que se acumulam ou saem de proporção até começar a colocar em xeque toda a relação. Diante de algo tão maior como o prospecto de um filho, não é de se estranhar que as pessoas fiquem mais abertas ao diálogo e também ressintam-se menos de suas mágoas. Tem coisa que realmente não é importante.

Eu imagino que a Sally vai argumentar sobre problemas práticos que todos os casais tem diante de uma gestação, mas se eles fossem tão impeditivos assim, as pessoas se separariam muito mais nessa fase. O que frequentemente vemos são casais tirando forças sabe lá de onde para encarar essa bronca. Pode ser a resiliência humana, pode ser um coquetel de hormônios especialmente planejados para gerar esse resultado, mas no final das contas, temos essa noção que filhos seguram casais.

Claro, não acho que seja sempre uma fase de rearranjo de prioridades e boa vontade para lidar com os problemas do casal, em muitos casos as pessoas só o fazem por se sentir obrigadas, mas se não houvesse alguma coisa ali nesse momento que mexesse com a cabeça das pessoas, as próprias dificuldades do momento implodiriam os casais, até mesmo os felizes. De alguma forma, surge uma força enorme em muitas pessoas para encarar a situação, e essa força pode contar sim para unir mais o casal. Se foi pelos motivos errados, a coisa explode uma hora ou outra, mas o que estamos discutindo aqui é o momento.

E no momento, um filho tende a unir mais do que separar. Não deixa de ser um reforço do conceito da relação: um projeto construído a quatro mãos que necessita de atenção constante para não morrer. É algo que até pelo medo de encarar sozinho une pessoas. Casais precisam de interesses comuns, de projetos para tocar… o que é um filho senão isso? Ei, eu prefiro escrever um livro juntos como projeto, mas convenhamos que as pessoas normalmente enxergam o filho como objetivo final do relacionamento. E quanto mais próximo de existir esse objetivo está, maiores as mudanças inclusive hormonais nas pessoas.

O estado mental necessário para acolher uma nova vida nesse mundo também pode aumentar a permissividade das pessoas. Você fica programado para lidar com quem berra e se caga de meia e meia hora, convenhamos que pode tornar mais simples encarar uma mulher muito emocional ou um homem imaturo. A natureza planejou tudo para sermos máquinas de fazer filhos, alguns de nós rejeitam a programação, mas a maioria vai reagir de uma forma mais previsível. Com o cérebro dizendo que você está cumprindo sua missão na Terra, acredito que se enxergue os problemas de uma relação como acessórios.

E nem é segredo, a maioria das pessoas com filhos que eu conheço dizem que eles viram o foco. Não é questão de gostar menos do parceiro, é a de gostar mais do filho, num grau que para muitos era até inimaginável anteriormente. Filho não salva casamento, mas tenho convicção que em média faz os que acabariam acabarem menos distantes do que sem filhos. O filho é também é quase como um segredo dividido apenas por duas pessoas, algo que ambos sabem que é sua responsabilidade máxima, gerando mais uma similaridade entre duas pessoas, por mais em crise que estejam.

Sim, existem muitos e muitos pais e mães de merda nesse mundo, principalmente os que teimaram em ficar juntos por causa dos filhos, mas é um erro analisar o todo por exemplos negativos. Não podemos ignorar que para cada maluco ou maluca que deixa o bebê morrer dentro do carro, milhões empurram os seus para frente. Existe sim uma “força da vida” influenciando o processo e deixando as pessoas mais resistentes ao que chamariam de crise anteriormente.

E vamos pensar em termos práticos: se um dos sintomas da crise é o afastamento até mesmo físico, a gestação coloca uma “desculpa” nisso que duas pessoas afeitas a se enganar (e são muitas) vão se aproveitar. Fazem isso até mesmo depois que a criança nasce. Essa não é uma parte bonita, mas eu não estou analisando só o que acho louvável. Quantos casais não ficam juntos por anos achando que vão voltar a ficar próximos quando os filhos estiverem maiores e descobrem logo depois que estão casados com estranhos? O filho e todas as dificuldades oriundas dele pode ser o crime perfeito para um casal em negação. É feio, mas une.

E é claro, tem a pressão social. Vamos ignorar o óbvio? Espera-se de um casal com um filho a caminho que continuem juntos. Novamente, não estou argumentando que é bacana, mas muita gente vai se moldar às pressões sociais só para não se sentirem deslocadas. A norma é não se separar quando tem uma criança a caminho, então quem é de engolir sapo vai engolir facinho, e até quem não é vai começar a revisar seus conceitos. A pressão que ambos sentem para resolver ou enterrar seus problemas não é receita de sucesso futuro, mas une também. A força que faltava pode estar justamente ali.

Seja qual for o motivo para a união, ela é mais prevalente do que o oposto. Goste ou não.

Para dizer que quando eu tiver filho vou entender (eu, hein), para dizer que podia ficar sem a parte escrota no fim, ou mesmo para perguntar se o desfavor é nosso filho coletivo: somir@desfavor.com

SALLY

No caso de um casal que está em crise, a chegada de um filho une ou separa?

Sejamos sinceros? Filho separa casal em crise. É uma alteração violenta de rotina que pressupõe novos fatores de estresse, mais cobrança, mais responsabilidade e mais motivos para atritos. Filho pode ser lindo no futuro, muitas alegrias, muita coisa boa, mas gestação e recém nascido são dureza.

Para começo de conversa, bebês pressupõe um período sem sexo. Mesmo que a gestação seja tranquila, existe um período de resguardo. Boa sorte ficando sem fazer sexo em um período de crise, vai ser bem mais difícil se reaproximar. Vai ser bem mais complicado de reatar o vínculo como casal. Pode até cair na armadilha de virarem amiguinhos.

Depois tem a privação de sono. Não subestimem o estrago que a privação de sono pode causar em uma pessoa. A irritabilidade de sucessivas noites sem dormir pode desestabilizar duas pessoas, deixa-las mais irritadiças, menos pacientes. Isso para quem já não estava bem é receita de desastre. Não tem como trabalhar desavenças nesse grau de sofrimento físico.

Um bebê é muita responsabilidade. É simplesmente um ser humano incapaz de sobreviver sozinho, que depende dos pais para não morrer. Não vejo como colocar uma sobrecarga de responsabilidade desse tamanho em um casal em crise. Estresse e pressão não são muito amigos de resolução de conflitos. Se com um ambiente propício já é trabalhoso, imagina com um ambiente que joga contra!

Não custa lembrar que é um período em que o cérebro da mulher está marinado em uma bizarra combinação de hormônios, que nem sempre lhe permitem a maior das racionalidades. Uma mulher mais sensível, emotiva e com uma carga extra de hormônios que afetam seu humor não é o melhor cenário para estabilizar uma relação, ocasião que pede ponderação e o desprendimento de saber ouvir e ceder.

Por mais fútil que seja, tem lá sua interferência, não dá para deixar de citar o quanto uma mulher embaranga na gestação. É claro que homem algum jamais vai confessar isso para a esposa (tipo de coisa que homem só conta para amigos e que eu já ouvi muito), mas é preciso um baita esforço extra e concentração para que ele se sinta atraído por uma mulher embarangada. Um esforço que talvez seja quase impossível uma vez que a relação já está em crise, pois não há mais a admiração como combustível.

E o embarangamento tende a piorar depois que a criança nasce. Normal, faz parte do projeto filho. A mulher dificilmente tem tempo para se cuidar como rotineiramente fazia. E a falta de tempo afeta não apenas a estética, como a rotina toda do casal. Não ter tempo para passar uma noite conversando enquanto toma um vinho, não ter tempo para um hobbie em comum, não ter tempo para atividades que poderiam reaproximar as pessoas é um veneno para a relação. Só se resgata uma relação de forma substancial cultivando interesses em comum.

Com um bebê é muito difícil ter tempo e disponibilidade para olhar para os problemas do casal e focar em uma solução. Quase não sobra tempo nem energia para resolvê-los. E, cá entre nós, vou contar uma coisa que o Somir não sabe ainda: os problemas só se solucionam quando você coloca tempo e energia neles, quando há empenho a longo prazo e, acima de tudo esforço, renúncia, sacrifício. Ignorar os problemas ou varrê-los para debaixo do tapete não os fazem sumir. E, convenhamos, quando se tem um filho, a prioridade deve ser o filho, não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.

Esse é um dos grandes sabotadores de relacionamentos: pessoas achando que dá para fazer tudo. Não dá. Existe uma quantidade limitada de energia e disponibilidade emocional de qualidade que uma pessoa tem disponível. Ela distribuí isso onde acha importante. Claro, os imbecilóides saem gastando, pois acham que é ilimitado. Arrogância é a principal característica do burro. Quando a disponibilidade emocional acaba, pois o idiota gastou no lugar errado, a coisa implode e ele nem percebe o motivo.Filhos são um estopim para isso, pois demandam muito do casal.

Relacionamento em crise tem que ser prioridade para ser resolvido. Demanda trabalho, investimento, disponibilidade emocional. Quando entra nessa equação outro fator que também é prioridade, bagunça tudo. Ou um, ou outro. Não dá para colocar duas coisas que demandam muito de você em primeiro lugar, se não você não faz nada direito. Vai explicar isso para as pessoas… acham que se você tiver muita vontade consegue. Taí um alto índice de divórcios para desmentir.

Pensa comigo: quantos casamentos em que a mulher deu o golpe da barriga para segurar o homem deram certo? Podem até continuar casados, mas ficaram mais unidos? O filho mais os separa que os une: o sujeito arruma amante ou trabalha até tarde por não ter o menor prazer de voltar para casa, ou bebe o tempo todo quando não está no trabalho… enfim, de alguma forma ocorre uma anestesia que permite a convivência, mas de forma alguma o casal fica mais unido.

Todo mundo sabe que filho não salva casamento. No máximo prende o marido por culpa ou por não querer ficar longe da criança, o que é bem medíocre. Passa longe dizer que isso uniu um casal, isso no máximo prendeu um homem dentro de casa pelos motivos errados. Não tem mistério: estresse, sobrecarga, privação de sono e aumento de responsabilidade não unem, desunem o que já estava ruim. Filho só une quem já estava em sintonia.

Convenhamos, quem leva uma relação nas costas é quase sempre a mulher e quando ela, Senhora do Relacionamento, está mal, cheia de hormônios e com noites mal dormidas, a condução da coisa não é das melhores. Mas, o que eu sei? Eu não tenho filhos nem relacionamento. É tudo em tese aqui. Opinem vocês que tem filhos…

Para dizer que filho estraga basicamente tudo na vida, para dizer que filho fora do casamento é que desune um casal ou ainda para dizer algo ruim a meu respeito por eu ter mexido na sagrada instituição da maternidade mais uma vez: sally@desfavor.com

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Comments (9)

  • Une sim. Mas depois que nasce. O período da gravidez tem os inconvenientes citados pela Sally. Contudo, se fazer coisas juntos, sair juntos e fazer sexo com amor une o casal, criar e educar um ser humano em comum fortalece o vinculo mais especialmente.

    • Não sei se durante une não… Mulher fica estranha na gravidez, sexo pode ficar limitado. O que eu mais vejo é homem trair esposa grávida. Na frente dá esposa negam, juram que não mas com os amigos dizem que sentem falta de sexo com mais… mobilidade

  • Difícil dizer, já que todo casal passa por crises. Sally apresentou alguns pontos como estresse, privação do sono e colocar novas prioridades na vida. Para ter um filho, antes de mais nada é preciso estar preparado para perder as noites de festa, as horas de boteco, as saídas com os amigos e até mesmo colocar de lado alguns objetivos pessoais e profissionais. Quando mais jovem, pensava que ter filhos ia me privar de muitas coisas e por isso não queria tê-los. Ocorreu o inverso, após o nascimento de meus pequenos, tive mais força de vontade para tentar ser melhor como pessoa, companheiro e pai.
    Filhos não salvam um casamento, diálogo e compreensão sim. Com meus filhos perdi muitas coisas, mas a maior parte delas não me fazem falta alguma. Ao invés de virar a noite bebendo, viro a noite acordado quando estão doentes. Ao invés de gastar R$100 só pra dar o ar da graça em uma balada fútil, guardo esse dinheiro para as fraldas. Um relacionamento em crise acaba com ou sem filhos, mas jogar a culpa em terceiros é o caminho mais fácil.

    • Filhos não salvam um casamento, diálogo e compreensão sim.

      Concordo, mas fica mais fácil ou mais difícil ter isso com filhos na equação? Ou, independe?

  • Não tenho experiência no assunto, mas no caso da minha mãe e pai eu fui a última gota que faltava para separa-los. Não só por stress, mas por minha mãe querer me “proteger” de alguns comportamentos ruins do papai.
    Acredito que se o relacionamento já anda falido o bebê vem pra abrir os olhos do casal incompatível.

    • Bom, pelo visto no seu caso tinha “alguém no volante”. Muito embora suas aspas no “proteger” sugiram que possa não ter sido o único caminho possível, o que eu costumo ver são casais sem direção que acabam ainda mais unidos por não ter a menor ideia do que estão fazendo, juntos.

  • Vou ficar no lugar comum, mas é o que eu observei acontecendo com amigos e conhecidos: Filho pode unir um casal num primeiro momento, mas depois pode acontecer uma separação ainda mais feia do que se tivessem separado antes.

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