Só o que interessa.

+“Muitos problemas de relacionamento surgem por causa das finanças. Isso pode ser evitado com o Meu Patrocínio”, argumenta Jennifer Lobo, 28 anos, CEO e fundadora de um polêmico site de relacionamentos que pretende unir “Sugar Daddies”, homens bem-sucedidos em busca de uma parceira, a “Sugar Babies”, mulheres atraentes que desejam alguém que as apoie financeiramente.

Unir homens e ricos e interesseiras às claras? Hipócrita não é, mas… tem sim o seu lado desfavor da semana.

SALLY

O tema quase não foi escolhido. Cheguei a pensar que estava sendo moralista ou preconceituosa. Mas quando meu coleguinha se chocou com a notícia, eu percebi que de fato é algo a se refletir.

Uma rede social chamada “Meu Patrocínio” se propõe, abertamente, a unir homens com dinheiro com mulheres interessadas nesse dinheiro. Isso mesmo que você acaba de ler. Os homens pagam para se cadastrar e sinalizam em um questionário o quanto estão dispostos a depositar na conta da mulher por mês, em três pacotes: o básico (até dois mil), o médio (entre seis e dez mil) até chegar ao maior de todos (acima de vinte mil).

A criadora, uma filha de brasileiros radicada nos EUA (sempre, sempre, sempre que tem vexame online tem brasileiro no meio, impressionante), não vê problema algum no tipo de serviço que promove: “eu ganho meu próprio dinheiro, mas quero ser mimada”, diz ela, incentivando a que mulheres com fonte de renda própria acessem a rede social para receber presentes e mimos dos homens cadastrados. Detalhe: para mulher o cadastro é gratuito.

Em tese a proposta é que homens paguem uma quantia mensal na forma de presentes ou dinheiro vivo em troca de atenção e encontros. Você pode pensar que é prostituição, mas eu não acho que seja, porque ao menos a prostituta se livra do cliente depois que faz sexo. Essas mulheres tem um compromisso de atenção, algo que envolve, além de tudo, a parte social. Talvez seja pior, bem pior do que prostituição. É prostituição em um grau bem mais profundo. Além do seu corpo, vendem sua alma, seu tempo livre, seu lazer, sua mente.

Em uma visão superficial (a que eu tive assim que vi a notícia), pode parecer preconceito se chocar com ela: é tudo às claras, não há golpe, todos os envolvidos estão ali de comum acordo. Então… porque se incomodar?

Tem legitimidade para causar incômodo sim, não como doença, mas como sintoma. Não pelo moralismo, cada um faz o que quer. Mas pela institucionalização da relação monetizada. Por existir um público tão grande disposto a transformar relacionamento em negócios. São pessoas, tanto quem paga como quem recebe, que desistiram dos relacionamentos por afeto ou amor na sua vida. Pessoas que entregaram os pontos e decidiram fazer de relacionamento um comércio, um bem. Tem muita gente fazendo isso no mundo, tanta, mas tanta, que me leva a pensar que esse será o padrão dentro de algumas décadas.

Lembrarão dos relacionamentos por afinidade, por amor, como algo risível, tolo, romântico. Convencerão a si mesmos (essa gente é expert em se enganar) que no fundo, no fundo, todos os relacionamentos sempre foram por interesse mesmo, só que velado. Essas novas modalidades bizarras substituirão os relacionamentos como hoje os concebemos. Namoricos virtuais sem contato físico, interações sociais pagas, todo tipo de bizarrice.

Não quero recriminar as atitudes individuais de cada um naquela rede social (apesar de internamente, recriminar – e muito, acho degradante para a mulher e para o homem). Quero falar disso enquanto sintoma de algo muito estranho que está acontecendo com os relacionamentos: eles estão sendo substituídos por alternativas mais fáceis, como compra (ou seria aluguel?) de pessoas, relacionamentos virtuais e tantas outras modalidades estranhas que no final das contas, são tudo menos relacionamentos.

O que eu não entendo, e dificilmente alguém consiga me explicar, é por qual motivo essas pessoas desnaturam um relacionamento até que ele deixe de sê-lo. Qual é a dificuldade em assumir “eu não quero/não posso/não sou capaz de um relacionamento então vou viver sem isso”? Não. Distorcem as coisas até fazer parecer que tem um relacionamento tão válido como qualquer outro. Vivem uma relação teratológica emulando normalidade. Qual é o problema em assumir a realidade da vida?

Suponhamos que eu goste de comer merda. Na verdade, eu só gosto de comer merda, não como comida. Sofro de um caso crônico de coprofagia. Suponhamos ainda que eu não quero me tratar, eu gosto de comer merda e é assim que quero viver. A coisa decente a fazer é realizar as minhas refeições em casa e levar minha vida de forma normal. Caso eu queira me expor, eu como merda na rua e arco com as consequências disso. Mas não, essas pessoas vão a restaurantes, pedem para disfarçar a merda de mousse de chocolate e a comem na frente de todos, apesar do cheiro, repetindo “qual é o problema? é uma refeição como outra qualquer, é uma mousse de chocolate”.

Não, não é. Os tempos podem mudar (e de fato estão sempre mudando), mas hoje, um relacionamento implica em algumas premissas básicas que esse tipo de contrato não tem. Não estou cagando regras, estou falando de conceitos básicos: relacionamento virtual não é relacionamento, relacionamento pago não é relacionamento. Quer tê-los mesmo assim? Maravilhoso, tenha-os e seja feliz. Mas assuma, bata no peito e diga: esse é o modelo de interação com outro ser humano que me deixa confortável, eu sou um ponto fora da curva, eu não me encaixo em relacionamentos.

É como a outra notícia que também apareceu esta semana sobre o “HSH”, um grupo de homens que faz sexo com homens mas juram de pés juntos que não são gays, se dizem heteros com convicção. Novamente, sem querer ser caga-regras, mas é meio que uma premissa básica: se você sente atração sexual por outro homem, você é gay. Ou bi. Eles acreditam que quem pensa assim é preconceituoso. Eu acredito que eles estão em estado de devaneio. Tá rolando uma dificuldade séria em assumir as escolhas: dá o rabo para outro homem mas é hetero? Desculpa, mas não.

É como aquela pessoa desajustada, fora de si, sem noção, que acha que um relacionamento à distância é um relacionamento. NÃO É. Relacionamento pressupõe intimidade, convivência e muitas outras coisas que a distância inviabiliza. Não é real, é uma fantasia, algo pela metade, uma interação extremamente superficial para suprir as carências e fazer as pessoas acreditarem que um dia viveram um grande amor. Sabe o que parece? Os gays do século passado que casavam com uma mulher só para não assumir socialmente o que eram. São os novos Betas, que arrumam relacionamento virtual (porque não bancam um real) só para prestar contas para a sociedade que tem alguém. Ahhhh… Vão dar meia hora de cu! E aproveitem, porque nem gays serão considerados se fizerem isso!

Por gentileza, chega de maquiar a realidade para parecer socialmente conforme os padrões. Coisa mais ridícula essa rede social tentando fazer parecer que ali tem relacionamentos tão sinceros quanto os espontâneos, ou pior, que toda mulher, no fundo no fundo, custa um preço mensal. NÃO. NÃO PORRA. O que tem ali é uma nova categoria que vem se apresentando das mais diversas formas: interação monetizada. Não é e nunca será relacionamento e é muito doentio que quem participa disso não tenha essa consciência.

Mas as pessoas se enganam, elas tem prazer em se auto-enganar. E em tempos escrotos e opressivos, politicamente corretos, os que estão à sua volta aplaudem esse auto-enganar, pois esfregar a verdade na cara do outro é considerado quase que uma ofensa. Na sua frente, as pessoas dirão o que você quer ouvir (já pelas costas…). Nesse pacto perverso de passar a mão na cabeça do outro, estamos dando autorização social para as pessoas fazerem as coisas mais bizarras sem medo de ouvir a verdade.

Vamos parar de banalizar relacionamentos? Se você não convive, se você não tem intimidade, se você tem que pagar para a pessoa estar ali, mermão, acorda para a vida e cresce: não é um relacionamento. É uma fantasia, um negócio ou um sintoma grave, muito grave, do seu desajustamento social. Assume e vai ser feliz, ou, caso tenha esse desejo de se inserir na “normalidade social”, vai se tratar. O que não pode é pegar uma mula, colar um chifre na testa e sair por aí mostrando para todo mundo que lindo unicórnio que você tem.

Sério, o mundo está muito doido. Tá ficando sem graça isso.

Para achar graça da minha revolta, para utilizar este espaço seguro para sentar a pata e falar o que você realmente pensa sem medo de ser taxado de preconceituoso ou ainda para me ignorar e correr para se inscrever no Meu Patrocínio porque 20 mil por mês vale a pena: sally@desfavor.com

SOMIR

Minha primeira reação foi a de que pelo menos era algo honesto. O que dois adultos fazem em pleno consentimento sem atrapalhar a vida de terceiros realmente não nos diz respeito. Uma chance para interesseiras saírem dos armários! As pessoas que vivam suas vidas, certo? Nada contra isso exatamente, mas quando chegamos nesse grau de especialização na hora de formar relacionamentos humanos, é hora de parar e revisar se estamos indo num bom caminho.

A internet mudou a forma como as pessoas se relacionam. Pode ser tanto uma ferramenta de aproximação como de afastamento, dependendo muito de quem está usando. É ótimo que possamos conhecer pessoas que jamais conheceríamos em outros tempos: afinidades e interesses que transcendem fronteiras, fazendo-nos depender menos do acaso na hora de encontrar alguém com quem queremos ter algo e mais do que realmente somos e desejamos. Quem já sentiu a sensação de encontrar a agulha no palheiro de personalidades com ajuda da internet sabe muito bem disso. Tem gente rara demais nesse mundo para depender de pura coincidência local.

A internet colocou as pessoas numa vitrine, e podemos escolher muito mais. Isso é ótimo! Muda os paradigmas de relacionamentos humanos nos permitindo refinar a pesquisa para exatamente o que queremos! E nesse ínterim, explodem os sites de relacionamento, inclusive alguns bem específicos como o que ilustra a coluna de hoje quanto aquele embuste do Ashley Madison. É evidente que esse vai acabar também numa grande festa da salsicha com milhares de perfis masculinos idiotas disputando a atenção de bots ou profissionais da área, e gastando dinheiro por isso.

É o desespero por uma solução fácil que realmente alimenta todo esse mercado. Homens querendo relacionamentos pagos, mulheres querendo levar vantagem com uma racionalização furada que não estão realmente se prostituindo. Atalhos. O que importa é ter a vitrine de gente à disposição pela esperança de dar um tiro mais certeiro. A pessoa vai ter exatamente o que acha que quer, e com o menor esforço possível. Uma verdadeira droga para o ser humano (com trocadilho…).

Mas eventualmente bate-se num limite dessa “previsibilidade” das relações humanas. Elas deixam de acrescentar assim que você define padrões muito específicos do que está esperando. O que acontece demais são pessoas procurando por versões de si mesmas através de qualquer atalho disponível, como se esse fosse o objetivo final. O problema da vitrine é que ela te reflete… quem quer uma relação de ecos vai encontrar uma, mas essa é justamente a fórmula que não existe: a de que pessoa vai construir algo junto com você. Alta, baixa, bonita, feia, inteligente, bonita… não existe realmente uma solução. Quanto mais começamos a tratar as pessoas como produtos, com expectativas de atributos específicos para “valer a compra”, menos humanas são essas relações.

São relações comerciais. Custo e benefício superficiais como fiéis de uma balança que jamais foi afeita a equilíbrios. Hoje em dia se aceita ou rejeita um ser humano com um passar de dedos, o mercado parece saturado de produtos, mas vira e mexe as pessoas reclamam da falta de opções. Bom, as opções dependem de um considerável grau de investimento para dar frutos, isso a tecnologia não consegue mudar. Quem busca relacionamentos humanos significativos pesquisando uma vitrine vai acabar comprando o próprio reflexo, justamente para sentir que fez um bom negócio. De tão autoinvestidas, as pessoas tendem a buscar o que já sabem como funciona.

E essa aventura do descobrimento do outro fica sem graça. Se somos perfis, não somos inteiros. Se isso tudo não passa da busca pelo lucro momentâneo, não há motivo para investir. Mercantilizar não só o relacionamento como a procura por ele vai ter um custo, e essa conta chega na forma de afastamento cada vez maior. Já temos algoritmos escolhendo pessoas compatíveis, levando em conta só o que as pessoas querem dizer sobre elas mesmas para apresentá-las. Começa a ficar claro que isso vai desembocar numa situação onde relaciona-se com quem diz o que se quer ouvir ao invés de quem diz algo que acrescente. Já é o caso dos feeds das redes sociais, a próxima parada são os relacionamentos.

E outra, na hiperoferta de gente, mesmo que abstrata, fica fácil pular fora quando algo incomoda essa necessidade imediatista de espelhamento. Quem quer valorizar o próprio investimento na personalidade vai querer a segurança de quem pensa parecido para acreditar que não jogou fora a vida até ali. É o eco, novamente, o doce som do eco que nos reconforta em nossas escolhas e abafa quaisquer vozes dissonantes.

O mercado existe para vender mais. É preferível que os produtos tenham prazo de validade, que durem o mínimo possível para que a pessoa tenha que gastar de novo. A lógica vai se manter. É interessante para um mercado de relacionamentos que eles explodam depois de um tempo de uso e as pessoas tenham que voltar para a loja em busca de outro. Ainda mais se elas acreditarem que só deu errado porque a outra pessoa não era “compatível” o suficiente. Sempre vai ter o plano Plus com mais opções de filtragem na vitrine, é um modelo lucrativo.

Mercantilizar relacionamentos vai muito além de oferecer dinheiro em troca de sexo e companhia, é a própria noção do que é um relacionamento que vai ficando cada vez menos valiosa. O site em questão demonstra só uma faceta do problema, e talvez sua obviedade anuvie nosso julgamento sobre o quadro geral. É mais do que isso. Mas é isso.

Para dizer que achou muito moralista, para dizer que achou muito romântico, ou mesmo para dizer que com esse textão ninguém vai me escolher na vitrine: somir@desfavor.com

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Comments (25)

  • Só falo merda hein moça, ainda diz que não é hipocrita??? Kkkkkkk Se os homens nos escolhem pela aparencia, pelo corpo, nada mais justo que cobrar para isso, parece até que quer ser uma de nós, se cadastre fofa é gratis

    • Que triste seu raciocínio. Uma aproximação inicial nem sempre se dá pela aparência, mas mesmo quando se dá, é apenas um começo. Aparência não segura relacionamento, o que une duas pessoas é uma construção do casal. Não acredito em relacionamento pago não, por isso não vou me cadastrar. Felizmente eu consigo ganhar dinheiro com meu trabalho, relacionamento depende apenas do meu querer, sem qualquer vínculo com dinheiro. Nada melhor do que ser livre para dar um fora na pessoa a hora em que eu quiser e ter dinheiro para me bancar sem ela!

  • Em algum lugar eu li que não importa a natureza do relacionamento, todos eles são uma relação de troca. Ninguém se relaciona de graça; o que acontece é que na maioria das vezes o preço não envolve dinheiro. Se você tem um amigo próximo, você se relaciona com ele porque ele te faz feliz e faz você se sentir bem quando vocês conversam ou fazem algo juntos. A “moeda” aqui é a atenção que você recebe dele e os sentimentos bons. Não envolver bens materiais dá a sensação de que é “de verdade”, em comparação a um relacionamento baseado na troca financeira. Se tem uma pessoa que você conhece que, pra você, ela “não fede nem cheira”, você não sente vontade ou necessidade alguma de se relacionar com essa pessoa ou aprofundar esse relacionamento – é o que normalmente você sentiria em relação a um colega de trabalho ou à moça que trabalha no caixa do supermercado que você costuma ir.

    Mesmo que eu fosse milionário, eu nunca apelaria pra esse serviço. Me sinto desconfortável em interagir com uma pessoa sabendo que ela só está comigo pelo tamanho da minha conta bancária. Mesmo no caso de prostitutas, que no caso só serviriam pra aliviar minhas necessidades carnais, a idéia de contratar uma também me deixa desconfortável, apesar de eu ter vontade e condição financeira pra isso.

  • Só escancarou algo que sempre aconteceu. Acho deselegante, mas honesto. Quem achar degradante, não é obrigado a fazer.

  • Quando eu li a notícia pensei logo que só podia ser coisa de BR. Acho que eles se merecem! Bando de mané pagando caro pra pegar as prostis.
    Obs: Rachei de rir dos apelidos lá do bolão. O email alicatetemne foi sensacional!!!
    Obs2: Alicate já dizia que se fosse mulher não iria trabalhar, bastaria dar.
    Obs3: Nem o Alicate paga o que esses daí pagam, leva só pro mAtel hahaha

      • “Um troll por excelência busca desmascarar a hipocrisia social. (…) Um troll que se preze não procura confusão pela confusão, ele é um faxineiro social. Ele pega pessoas escrotas, que tem um lado negro acentuado e ainda assim se sentem no direito de apontar o dedo e julgar com extremo rigor outras pessoas e retira suas máscaras. O troll desmascara esse tipo de canalhice. Um justiceiro social, talvez.”

        Se não há hipocrisia a ser apontada, pra que trollar?

        • Você não sabe onde eu estou mirando. Se fosse algo simples eu nem colocaria que o “se der certo” porque bastaria trollar um rico ou uma interesseira, e isso seria fácil fácil.

          • Somir, confesso que estou esperando ansiosamente. Abra o seu coraçãozinho e conte a grande ideia vinda dessa cabecinha geniosa!

            • Se eu contar antes de saber se vai dar frutos perde a graça na hora da revelação. Com a Des Avisados eu vou começar a montar várias trollagens de longa duração para usar durante o ano, de acordo com os resultados.

  • Compreendi que vocês não foram moralistas na escolha do Desfavor da semana e que não se chocam com o que adultos fazem (com consentimento) das suas vidas.

    Achei perfeito o que o Somir falou: “O problema da vitrine é que ela te reflete…” e vou roubar essa frase para a minha vida. Mas, mesmo entendendo o ponto de vista de vocês, não consigo enxergar o porquê de isso ser tão chocante.

    Casamento foi um negócio por muitos séculos. Para os ricos, casamento era aliança financeira e política, que envolvia dotes e interesses familiares. Para os pobres, também. Relacionamentos envolviam tudo, menos “amor”. Meninas eram obrigadas a casar com velhos. Pais vendiam filhas. Os menos ogros não vendiam, mas escolhiam os parceiros das filhas e dos filhos pensando “no melhor para toda a família.”

    Quem nunca escutou as histórias de bisavós (ou mesmo avós) sobre como mal conheciam o parceiro e se casaram porque os pais achavam que era o melhor para eles? Todo mundo tem na família a história de algum antepassado que se casou obrigado. E havia os conformados, que até hoje contam que o amor “vem com o tempo” e que os pais fizeram o melhor pra eles, porque o contexto da época era aquele. Outra coisa: virgindade e fidelidade femininas eram preciosas não pelo romantismo, mas porque não tinha DNA pra provar quem era e quem não era herdeiro legítimo de fato. Não era o amor, mas sim a exclusivdade e a monogamia os pilares de sustentação dos negócios das famílias.

    Quanto tempo demoramos para termos direito ao divórcio? Quanto tempo até que o termo “mulher honesta” fosse retirado do Código Civil? Quanto tempo até pararem de absolver por unanimidade os maridos que matavam em nome da “honra”?

    A prostituição também era um negócio. Sexo sempre foi um negócio. Sempre. Havia e há prostitutas por vocação, por necessidade e por violência (tráfico de mulheres, pais vendendo filhas, mulheres ameaçadas por cafetões, mulheres que são drogadas e obrigadas a se prostituírem… Tudo isso é real. E é também real que muitos homens de todos os países não se incomodam com isso e aceitam ser clientes sem se importarem se as mulheres estão ali de livre vontade ou não. Quantos europeus “evoluídos” não viajam para o Brasil para desfrutarem do turismo sexual e não se importam se a “prostituta” é uma menina de 11 anos?)

    Namorar, se relacionar, fazer sexo por amor… tudo isso é recente. Até o que a Disney fez com as histórias das princesas (muitas horríveis que envolviam pedofilia, necrofilia e estupro), transformando-as em contos de fada bonitinhos é recente. O amor romântico é novíssimo na história do nosso Planeta.

    O mercado obedece a lógica da oferta e da procura. Sexo, afeto, amor não passaram a ser um negócio agora: sempre foram. Mercantilização dos relacionamentos faz parte da história da humanidade. Todos nós somos descendentes dela. Todos nós já tratamos alguém como mercadoria. Todos nós já fomos tratados como objeto. Não estamos piorando por causa da Internet.

    Como o tema de hoje pode ser um desfavor, diante da nossa história de horrores? Não é bom que as pessoas tenham a ilusão de que vivem em um momento histório em que são LIVRES para escolherem?

    PS: “Se somos perfis, não somos inteiros.” Não, não somos inteiros. Nunca fomos. Acho uma graça que vocês se choquem com tudo isso. Achei uma graça os dois textos. Sally e Somir são dois românticos, que embora digam o contrário, são demasiadamente humanos, com corações gigantes…

    • Por isso mesmo me choca tanto: mulheres foram usadas como bens, como negócios, como forma de adquirir terras por séculos. Daí lutaram pra cacete para ter sua independência, sua valorização e… adivinha onde vão acabar? No mesmo lugar, na relação monetizada. Brigaram tanto para poder casar por amor, para no final das contas se vender assim? Acho triste. Desmerece a causa feminina.

      • Não me choca porque vejo como algo que nos é natural. Foi assim, é assim, será assim por muito tempo ainda. Somos todos descendentes, em algum lugar das nossas árvores genealógicas, de relações monetizadas.

        Esse site, como vocês disseram, tem a vantagem de não ser hipócrita. Pode até ser um jogo triste, mas todos entram conhecendo bem as regras.

        • Será que a relação monetizada não era regra por ser imposta à mulher? Muito triste que agora, que ela tem escolha, repita o padrão que tanto a oprimiu…

          • Verdade, mas existem tantas realidades paralelas… As pessoas vão se adaptando…

            Eu achava prostituição a mais degradante das profissões. Mas li o livro da Gabriela Leite, “Filha, mãe, avó e puta” e mudei radicalmente de ideia. Não fiquei só no livro: pesquisei, conheci pessoas… Hoje acho que degradante é quando não se tem escolha. Gabriela estudou Ciências Sociais na USP, mas escolheu ser prostituta. Não de luxo, mas de rua. Atendia homens de classe média baixa por ser a sua vocação. E conheceu muitas outras mulheres que também escolheram ser putas.

            Eu preferiria lavar banheiros de rodoviária, limpar as ruas depois do carnaval de Salvador e viver com menos de um salário por mês a deixar alguém que não me interessa tocar em mim. E daí??? O mundo não gira ao meu redor. Essas mulheres do “Meu patrocínio” estão lá porque acham que a ajuda financeira dos velhos compensa a atenção que elas tem que dar.

            Dentro do limite do possível, o “sugar daddy” e a “sugar baby” escolheram fazer tudo às claras e sem nenhuma hipocrisia. Acho que estão certos. “Meu corpo, minhas regras”.

            • O que me preocupa não é a escolha delas, cada qual faz a sua, mas a negação em dizer que é um relacionamento como qualquer outro. São cada vez mais pessoas a desistir de relacionamentos sem ter o culhão de oficialmente desistir, se enganando e tentando fazer parecer que estão em uma versão nova de relacionamento quando na verdade estão em uma tapa-buraco. E me preocupa que em breve sejam maioria, pois isso me afeta diretamente: estou solteira e se o padrão de “relacionamento” virar isso, provavelmente vou morrer sozinha. Triste.

              • Triste? Será? Sallyta, faça como eu. Sempre que penso: “Vou morrer sozinha!”eu também penso: “Deus me ouça!”

                hahahahahahahahahahahahahaha

                O que eu não quero é morrer pobre ou sem dignidade.

                PS: Se você está solteira é porque quer. Os bobões que precisam fingir para a sociedade que estão num relacionamento e se convencem que existe namoro virtual, que podem pagar por afeto ou que esse “Meu patrocínio” não é uma forma de prostituição NUNCA te interessariam mesmo…

                • É que eu gosto de estar em relacionamentos, eu sinto muita falta deles… Não vou abrir mão da minha dignidade, banco ficar sozinha, mas me faz falta.

                  #RelacionamentoSaudades

                    • Ah, pode apostar que em Buenos Aires eu não passaria pelas BOSTAS, B-O-S-T-A-S inacreditáveis que já passei aqui. Seriam outras bostas, com as quais eu saberia lidar melhor.

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