Meta neles!

Agora vai! Agora vai? A Comissão Especial da Câmara analisou e aprovou o pedido de impeachment contra a presidente Dilma, e agora o processo segue para um circo ainda maior: a votação na Câmara, com todos os deputados. Como o Brasil não cansa de nos surpreender negativamente, desconfio que o assunto ainda pode voltar como Desfavor da Semana. Por isso, vamos falar um pouco menos do processo e um pouco mais dos envolvidos nessa votação: eles e nós.

Impeachment não é pouca coisa, é demitir o funcionário mais alto da democracia brasileira. E é uma boa coisa que ele exista, com certeza, a capacidade de demitir o chefe por justa causa seria bem vinda em virtualmente todas as áreas da sociedade. E antes que você comece a pensar por que estranhou eu usar a palavra “funcionário” e analogias com chefes e demissões… bom, não deveria. É isso que todos eles são por lá: funcionários… nossos, por sinal.

Mas é claro que o conceito fica muito turvo num país assolado pelo fisiologismo. Com raríssimas exceções, estão todos lá em benefício próprio, seja acumulando poder para fazer dinheiro, ou mesmo cortando intermediários e acumulando patrimônio na cara dura. Só que… turvo em termos: porque a ideia de carreira política faz muito sentido para todos nós. Normalmente quem se elege uma vez tenta continuar pulando de cargo em cargo pelo tempo que aguentar. É uma forma de ganhar a vida e garantir o sucesso da própria família e amigos.

É uma carreira, mas não os vemos como funcionários. Pessoas com mais estudo e conhecimento não enxergam assim por desencanto, e pessoas menos capacitadas tendem a nem entender direito o que se espera dessa profissão. Até começo a rever a ideia de que brasileiro enche a boca pra falar que se estivesse lá roubava igual só por ser um povo desonesto, talvez nem tenham outra resposta pra dar. “Ajudar as pessoas” tem cara de resposta de miss, idealismo de fachada por completa falta de outras ideias.

Pudera, num país tão carente, bastou distribuir uma renda pra lá de mínima pra conseguir se segurar no poder por mais de uma década sendo aclamados pelo povão. Fácil agradar quem não esperava nada. Dizem que o brasileiro precisa cobrar mais de seus governantes… mas, será que eles sabem o que cobrar? Tudo bem reclamar de um buraco na rua de casa, mas… apontar erros no desenvolvimento da política econômica? Eu mesmo, que tenho bastante educação comparado com a média, posso no máximo chutar sobre o assunto… e ficaria bem perdido se enfrentasse a palavra de um especialista.

O cenário que estou querendo pintar aqui é o seguinte: nossos líderes desempenham uma função muito lucrativa sob a fiscalização de chefes que quando não estão ausentes, não tem a capacidade de sequer entender o que deveriam fiscalizar. O que estamos vendo agora são funcionários de diferentes setores da nossa empresa brigando entre si para escolher o destino de outra. Tudo isso num processo burocrático, enrolado e francamente, inalcançável para a maioria de nós.

E agora eu coloco um pé dentro da coluna Dés Potas, mas mais para exemplificar o que realmente me incomoda nesse caso todo: a democracia. Democracia a qual já defini como uma merda, mas a menos fedida que temos. Não estou mudando de time e começando a defender um golpe autoritário, mas é muito complicado melhorar alguma coisa se ficamos cegos para seus defeitos. A democracia é um sistema péssimo que só existe nos moldes atuais para mitigar os riscos da incompetência e do egoísmo humanos. É o último ponto de equilíbrio possível antes de tudo ficar ainda pior.

Mas ela não é boa. Principalmente em países como o Brasil. E ela não é boa porque nos faz esquecer que deputados, prefeitos, senadores e presidentes são meros funcionários cujo objetivo é fazer o Estado funcionar minimamente bem. Funcionário não tem que passar 10 sessões discutindo opiniões pessoais aos berros em comissões burocráticas, funcionário que não bate meta ou que adultera balanços pra esconder prejuízos tem que ser demitido. Nada pessoal, são apenas negócios.

Só que depois de alguns milhões de votos, esses funcionários ganham uma aura de poder quase que mística. Imagina só se você tivesse uma empresa e a cada processo seletivo todos os seus clientes indicassem alguém pra trabalhar lá dentro? Como é que você demite essa pessoa se ela fizer besteira? É como se esse poder a fizesse se sentir maior que a empresa. Pode fazer o que bem entender, e quando algo der errado, insistir para mudar a regras para se beneficiar.

O melhor sistema para um país seria um muito próximo ao de uma empresa, onde popularidade não conta. Onde gente formada nas áreas que pretende desenvolver disputasse a tapa as vagas, sendo escolhidas por especialistas que podem não só enxergar forças e fraquezas nos candidatos, como analisar os planos que pretendem colocar em prática. Simplesmente não faz sentido que uma pessoa que mal sabe entender o que lê (quando sabe ler) possa escolher em igualdade de condições quem quer que mande no país por quatro anos!

Nada contra essa pessoa, na verdade, é para o bem dela. Eu sei que estou trafegando por uma avenida de pensamento perigosa agora, todo maluco autoritário deve acreditar que quaisquer crimes que cometa sejam para o bem de todos. Mas é uma questão de organização de um Estado que vai continuar tendo leis e limites para suas figuras de autoridade. Essa empresa chamada Brasil pode ter um presidente, mas ele ou ela não é seu dono. Os cidadãos daqui que são. O presidente deveria apenas cuidar do gerenciamento. Assim como os outros funcionários dos mais diversos Poderes e níveis.

E quem cuida de gerenciamento não pode ficar sem ter metas. Não metas que o próprio presidente ou seus aliados tirem da cartola, mas metas definidas por gente capacitada e com conhecimento aprofundado da situação do país. Sim, fingimos que temos tudo isso atualmente, mas sem o elemento principal para que elas deixem de ser mentira: a consequência. Não fosse essa maravilhosa e terrível democracia, Dilma poderia ser demitida por justa causa apenas por não estar fazendo seu trabalho direito. Mas sem uma meta real (diferentemente das imaginárias como as de inflação e crescimento do PIB) para comparar com os resultados alcançados, como definir se a funcionária presta para o cargo?

No mínimo poderíamos ter um sistema de “promessas oficiais”. Cada candidato preenche um documento dizendo os resultados que pretende alcançar em cada uma das áreas que vai gerenciar, e caso não bata a meta em um ano, estaria sumariamente demitido, sem choro nem vela. Povão pode amar a pessoa, mas ela prometeu algo que não foi capaz de cumprir. Azar se caiu um meteoro no país nesse ano. Não bateu meta, rua. Pode até se candidatar de novo, o que não pode acontecer é não ter repercussão.

Isso pelo menos faria o povo ter que se responsabilizar frequentemente pelo o que está escolhendo. Dilma já teria caído, por exemplo. E se o Aécio merdasse, como era meio previsível, já teria caído também. Bateu a meta? Vai pra próxima (que tem que ser mais ousada ainda) e tenta bater de novo. Se continuar mandando bem, fica no cargo. É claro que não seria realista pelos custos astronômicos de uma eleição, mas quem disse que não daria pra deixar o processo mais simples se fosse todo ano? E, se não fosse obrigatório ainda, mais fácil. Vota por um aplicativo no celular, vota num terminal eletrônico em pontos de grande circulação que serviria para outras coisas depois… nem é meu ponto tentar desatar esse nó aqui, é mais sobre tentar entender que esse processo complicado da democracia no Brasil existe também para perpetuar o descaso dos funcionários eleitos.

E essa nem é a única ideia, é só uma forma de manter a ilusão da escolha no povo. Ganha eleição quem gasta mais e melhor, pouca gente sabe quem merece ser eleito ou não. Se fôssemos profissionalizar essa coisa toda, teria que abolir o voto livre. Só poderia participar quem comprovasse a capacidade e o interesse de fazer essa escolha. Carisma não resolve crise, trabalho e capacidade técnica sim. Foda-se se o povo gosta ou não de alguém, o que importa é se bateu a meta ou não.

Mas é claro que isso é utópico. O triste é perceber que somos tão incapazes como país que só nos resta a democracia como escapatória minimamente aceitável. Meritocracia deveria ser o sistema geral, mas… ela anda em falta. Enquanto isso, os funcionários continuam mandando nos chefes deles.

Para dizer que realmente não esperava esse caminho no texto, para dizer que só topa se cair a lei seca no dia da votação, ou mesmo para dizer que a meta é ganhar dinheiro e essa eles sempre batem: somir@desfavor.com

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Comments (11)

  • Fim da dominação das empresas no setor político.
    Concordo com sua ideia do voto seletivo.
    A Democracia é apenas um meio para coibir o despotismo.

    Concordo com tudo.
    Algo tem que ser feito. O que não pode é continuar como esta.

    Esses sacripantas são nossos funcionários. Disto nunca devemos esquecer.

  • “Onde gente formada nas áreas que pretende desenvolver disputasse a tapa as vagas, sendo escolhidas por especialistas que podem não só enxergar forças e fraquezas nos candidatos”

    Mas quem escolhe os analistas? Ou melhor: quem vigia os vigilantes?

    O problema não é o sistema, são as pessoas. O sistema nacional é bem interessante. Mas daí você tem políticos como o Cunha, que sozinho movimenta meio bilhão de reais em propina para eleger 150 deputados, e o cara desmonta o sistema porque ele, sozinho, é “dono” de uns 30% da Câmara.

    Não sei se voto obrigatório é ou não uma boa ideia, mas não gosto da justificativa de que “voto de quem não entende não vale a mesma coisa”. O sentido da democracia é que todos nós somos iguais. E a democracia é um sistema que pode falhar em tudo, mas é meritocrático: quem está lá, está porque mereceu, ganhou votos. Se essas pessoas estão por motivos errados, então nós devemos colocar mudanças que retirem essas motivações de campo.

    Por último, também discordo da prerrogativa de demitir o funcionário todo ano. Imagine que você é um investidor estrangeiro pensando em abrir um negócio nesse tal de Brasil porque pode ser lucrativo. Aí você abre a Wikipedia e vê que tivemos 7 presidentes em 7 anos e que, de uma hora pra outra, a gente pode sair de um governo de direita para um governo de esquerda porque deu um meteoro no mundo e nosso presidente não bateu a meta.

    Aliás, essa proposta deixaria o líder do Executivo muito fragilizado. Imagina que se o presidente não fechar o ano com, digamos, superávit de 5%, ele tá demitido. Aí o presidente da Câmara, de oposição, coloca em votação em novembro 3 ou 4 pautas que, se aprovadas, vão comer o orçamento e fazer o ano fechar em déficit. Só de pirraça, só porque quer tirar o presidente dali.

    • Eu até poderia teimar um pouco defendendo as sugestões (embora você levante ótimos pontos), mas acredito que o que realmente valha a pena nessa discussão é a pergunta inicial:

      Mas quem escolhe os analistas? Ou melhor: quem vigia os vigilantes?

      Atualmente, as empresas que financiam as campanhas políticas brasileiras, direta ou indiretamente. O sistema, na prática, falhou. Não necessariamente falhou para sempre, mas nesse momento é o seu estado. Os critérios para a formação das equipes responsáveis por lidar com os problemas brasileiros nem turvos são: troca de favores, manutenção de poder, governabilidade, suborno descarado… embora seja evidente o perigo de se afastar dos processos democráticos, o que eu argumento aqui é que não se pode perder o que nunca se teve. A democracia existe apenas como mecanismo de proteção contra o autoritarismo. Ou fazemos algo com ela, ou vamos continuar coagidos a aceitar um sistema problemático sem realmente fazer nada para melhorá-lo.

      • Nisso concordamos. O sistema é lindo na teoria, mas totalmente corrompido. Por isso sou a favor da queda do financiamento empresarial de campanhas. Não sou ingênuo de achar que isso vai acabar com a corrupção, mas vai começar a dificultar.

        Gostaria de conseguir pensar em mais ideias de fazer com que a política deixasse de ser um plano atraente de carreira do ponto de vista financeiro, mas não consigo.

  • Eu compreendo essa ideia que, de fato, é bastante tentadora. Mas ela tem a desvantagem de acenar perigosamente ao arbítrio e a tirania. Existe, sim, muita coisa na política que poderia ser resolvida por técnicos, mas há muitas que não.

    Melhorar a merenda ou aumentar os leitos no hospital público? Aprovar ou não o aborto? Legalizar ou não as drogas? A eutanásia? As cotas? Não há respostas técnicas, com isenção científica, para essas perguntas. Há, no entanto, respostas políticas, pois tratam-se de escolhas políticas.

    Sendo assim, quem deve fazer essas escolhas é a sociedade, o conjunto da sociedade. Do contrário, o que se terá é uma casta de iluminados impondo sua visão de mundo sobre os outros. Com que legitimidade?

    Penso que a solução passa muito mais por incentivar a participação política. Capacitar, desde o ensino básico, as pessoas para a cidadania. Nossa população experimenta a democracia há pouco menos de trinta anos e sempre foi carente de tudo. Quem tem fome não vai se preocupar com offshores na Suíça. Penso que, satisfeitas as necessidades básicas para a sobrevivência, e com maior vivência democrática, nosso povo passará, naturalmente, a exigir serviços melhores e profissionais. A meu ver, junho de 2013 foi um primeiro arroubo nesse sentido.

    • Existe, sim, muita coisa na política que poderia ser resolvida por técnicos, mas há muitas que não.

      Discordo. Os exemplos que você dá não necessitam de emoção para serem tratados. Existem respostas técnicas para cada uma dessas questões, e no final das contas, as respostas técnicas são as mais próximas do humanismo. E se elas se provarem erradas, outros técnicos vão ter subsídios para reavaliar os métodos de ação. O Estado como empresa que defendo aqui não trabalha com o conceito de lucro e/ou exploração humana. Essa não é a sua função. Uma decisão técnica pode sim considerar o bem estar da população, seguindo os preceitos dos direitos humanos e sem obrigação de gerar lucro financeiro pra ninguém.

      Normalmente o conjunto da sociedade age de forma bem mais egoísta do que um grupo de especialistas. A sociedade não deixa de ser uma soma de vontades pessoais, desejos e medos pouco educados, sem nenhuma repercussão por uma opinião estúpida ou raivosa, mentalidade de bando, responsabilidade difusa. O especialista frio tem reputação a zelar e a responsabilidade definida.

      Não que eu discorde que deve-se incentivar a participação política, mas já começa a me cansar a ideia de da “voz do povo” ser indicativo de decisões melhores para o povo. É meio como achar que um grupo aleatório de leigos vai ser melhor para diagnosticar uma doença do que um time de médicos. Nada contra esse grupo pessoalmente, mas… o especialista tem suas vantagens.

  • Acredito que a solução mais simples nesse caso é o voto facultativo isso já elimina indecisos e pessoas que não entendem ou não se importam com política, além disso título de eleitor deveria ser só para maiores de idade, adolescentes maconheiros/comunistas não deveriam chegar nem perto de uma urna e não chegariam se não fossem obrigados

    • Eu até entendo por que quiseram colocar o sistema obrigatório no Brasil, mas chegou num ponto onde claramente não nos trouxe muitas vantagens. Talvez valha a pena experimentar os problemas do outro lado, só pra variar.

  • Texto espetacular, Somir. É por causa das suas análises e de certas sugestões “fora da caixa” – ainda que utópicas – como as que você deu hoje que eu gosto tanto de ler seus textos, ainda que não os comente muito. Parabéns. E o post de hoje já está mais do que divulgado entre os meus contatos. Só espero que quem por acaso baixar aqui pra ler consiga captar a idéia.

    • Obrigado! Mesmo que a ideia não seja realmente possível de colocar em prática no sistema atual, só de começar a (re)entender pra que realmente servem nossos políticos já seria um excelente começo.

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