O melhor medo.

Tenha medo do tema de hoje! Sally e Somir gostam de filmes de terror, mas não concordam quando tentam definir o melhor de todos. Os impopulares nos assustam com suas opiniões.

Tema de hoje: Qual o melhor filme de terror de todos os tempos?

SOMIR

Eu vou escolher “A Bruxa de Blair”. Não, sério.

Estou entrando com consciência que não vou encontrar muita gente disposta a concordar, respeito muito a escolha da Sally, mas acredito que quando o assunto é filme de terror, um fator se eleva acima de todos os outros, inclusive os mais óbvios como roteiro, cinematografia, atuações… o melhor filme de terror de todos os tempos é aquele que te assustou depois da infância.

Porque não sei quanto a vocês, mas pelo menos pra mim não dá mais pra ter medo vendo um filme. Não aquele medo primal de criança, aquela dissociação completa entre realidade e ficção dentro da cabeça que mexe com seu senso de segurança em cenas mais intensas. Tenho memórias vívidas de ver Nosferatu quando era pequeno. Sim, aquele filme que logo logo vai completar 100 anos! Um filme tosquíssimo para padrões atuais, mas que pra quem não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, era aterrador. Poltergeist me deixou com muito medo também.

Mas, eu era criança. Eu tinha medo até do coelhinho da páscoa… não conta muito. Depois que a cabeça já consegue separar o filme como um universo paralelo, precisa de algo muito forte pra conseguir te puxar para dentro de novo. Poucos filmes conseguem a combinação exata de forma e timing para despertar essa sensação novamente em alguém mais velho. Porque não é só um roteiro bacana e uma produção competente, o terror está muito ligado com a hora certa de alcançar a pessoa.

Bruxa de Blair não foi o primeiro filme a usar o estilo de “filmagem encontrada”, o que eu fui descobrir bem depois, mas foi o que popularizou o conceito na cultura moderna. Para quem não lembra, o filme é uma colagem de cenas filmadas por um grupo de amigos que se enfia numa floresta para achar sinais de uma bruxa local. As coisas não evoluem bem, como se pode prever pelo gênero do filme.

Ajuda muito pegar a plateia de surpresa. Não parecia um filme profissional. Não me impactou, mas fizeram uma campanha antes do lançamento fazendo as pessoas acreditarem que era tudo verdade. O filme tenta te enrolar nessa premissa de documentário, mas teria que ser muito tonto(a) para acreditar que algo real seria lançado no cinema com campanha publicitária… muita gente caiu nessa, mas é gente que provavelmente cai em qualquer coisa que vê por aí.

Eu digo que não me impactou porque eu fiquei sabendo que o filme existia alguns minutos depois de chegar no cinema. Pra minha “sorte”, ainda era num cinema estranho (antigamente nem todos eram em shoppings, crianças…) num lugar meio perigoso, ia acabar mais tarde do que eu estava acostumado a estar na rua, a sala estava meio vazia. E eu nem estava com mulher do lado pra ter que fazer pose de machão. Claro que a minha experiência de “tempestade perfeita” não é argumento para definir o filme como o melhor, mas… não fosse ele como era, não teria a chance de fazer esse combo.

Filme de terror é sobre o medo. E o desconhecido é terreno fértil para essa sensação tão primal. Se eu tivesse visto a campanha, provavelmente teria ligado o modo cético/do contra e não ter me envolvido. E se logo na primeira cena já desse pra sentir que aquilo era um filme profissional como tantos outros, a imersão teria tomado uma pancada. Eu achei ruim, mas acredito que pessoas mais novas aqui devem ter sentido algo parecido com “Atividade Paranormal”, o renascimento desse estilo no cinema.

Ver um filme de terror como espectador é bem diferente de como testemunha. Nem todo filme precisa dessa pegada de “primeira pessoa”, mas os que conseguem fazer isso direito saltam aos olhos. Bruxa de Blair é provavelmente o melhor exemplo de todos no estilo. Desde lá eu já vi vários outros “found footage”, mas a sensação de ver pela primeira vez algo assim não pode ser repetida.

Mas dá pra falar do filme sim sem bater na tecla da experiência e da surpresa… Bruxa de Blair se arriscou a ir onde a maioria dos filmes do gênero não ousa: no estabelecimento do clima de tensão. Ele começa devagar, te apresentando personagens. E mantendo tudo bem reduzido. Demora até qualquer coisa fora do comum acontecer, e mesmo assim, sempre numa dúvida cruel sobre o que está causando.

Os sustos vem no susto mesmo. Normalmente você sabe num filme de terror quando vai dar merda pela cena, em Bruxa de Blair, você se vê frequentemente temendo a chegada da noite. O clima está montado pra você sentir que vai dar merda, mas sem muita previsibilidade. O medo é do que não se conhece. E mais um ponto positivo, que até é spoiler: não tem monstro ou vilão visível até ser tarde demais.

Tudo bem que provavelmente foi recurso para usar menos efeitos especiais e baratear o filme, mas é tão bom quando o filme não te enfia o que deveria te assustar na sua cara na primeira chance possível… em Bruxa de Blair é o contrário: é aquela coisa da criança preocupada se tem algo debaixo de sua cama. O medo do medo. Mesmo grandes clássicos do gênero não tem a coragem de ficar te cozinhando tanto tempo quanto esse filme. Tudo pra garantir que a tensão cresça até explodir no final. E mesmo no final, não tem nada muito bem explicado.

Tem roteiros melhores? Tem. Tem direção melhor? Com certeza. Tem atuações melhores? Também tem. Mas, quando o filme acaba e você fica com aquela sensação que passou os últimos momentos da sua vida se cagando de medo, é aí que você sabe que viu um excelente filme de terror. Terror é um dos gêneros mais pessoais de todos. É o que você sente, e basicamente só.

E fiquem felizes porque não estávamos escolhendo os piores. Porque aí eu gastaria umas 80 páginas aqui…

Para dizer que cada vez se decepciona mais com meu suposto elitismo, para dizer que Cinderela Baiana te deixou com mais medo, ou mesmo para dizer que no seu tempo que os filmes assustavam mesmo: somir@desfavor.com

SALLY

Qual o melhor filme de terror de todos os tempos? Fácil: O Exorcista.

Reflitam sobre o que está sendo perguntado. Não quero saber o mais bem feito, o que você mais gostou ou mais tecnológico. É para definir o MELHOR filme de terror de todos os tempos, ou seja, o conjunto da obra: roteiro, impacto no público, etc. Minha escolha não poderia ser outra, amo tanto esse filme que ele já ganhou inclusive postagem própria.

É um filme de 1973, ou seja um filme de 43 anos de idade, que ainda impressiona e causa medo. Eu tive uma cunhada que nem ao menos me permitiu entrar na casa dela com o dvd do Exorcista na bolsa, me fez voltar para a minha casa e deixar o dvd lá porque tinha medo “daquilo” dentro da casa dela. Pessoas tem medo do filme em abstrato, sem assisti-lo, até hoje. Virou uma lenda, uma entidade autônoma e conseguiu algo que um filme dificilmente consegue: ser mais aclamado e famoso do que o livro.

Ok, olhando hoje, friamente, os efeitos especiais são risíveis e fazem o seriado Chaves parecer obra do James Cameron. Mas porra, em 1973? Era uma época em que se amarrava cachorro com linguiça, não tinha a facilidade da computação gráfica de hoje. Esse resultado em 1973 foi notável, fruto de perfeccionismo e criatividade. Louvável. Todo mundo seu o sangue para que aquilo saia daquele jeito, basta ler minha postagem sobre o filme que você vai entender o grau de comprometimento.

Não há relatos na história de outro filme que tenha mexido tanto com o medo e o inconsciente coletivo. A Warner foi obrigada a retirar o trailer de exibição, pois um surto de desmaios e ataques de pânico tumultuavam e até mesmo impediam a exibição do outro filme. Ele foi considerado assustador demais e só deveria ser visto por quem declaradamente estivesse pagando para vê-lo. Mesmo assim, nos testes feitos antes da estreia a reação das pessoas foi tão intensa que chegaram a cogitar não colocar o filme em exibição. Boato dos estúdios para fazer fama do filme? Poderia ser, não fosse a reação em massa depois da sua estreia comprovando seu impacto sinistro.

Sua exibição gerou muitos problemas. O pavor era tanto que junto às poltronas de cinema era disponibilizado um saco para vômito. O filme foi proibido para gestantes e pessoas com problemas de coração. Pessoas desmaiavam na sala de cinema. Um surto de histeria coletiva tomou vários países, tanta gente foi parar no psiquiatra que vários países proibiram a exibição do filme temendo pela saúde mental da população, e não me refiro a terra de gente ignorante e sim lugares como a cidade de Londres. Um homem tentou sair da sala de exibição apavorado mas o medo foi tanto que o fez desmaiar e quebrar uma costela, processando o estúdio.

É muito difícil fazer um filme que apavore todas as tribos, todas as culturas, por mais de 40 anos. Não apenas assusta, mas tira do sério, mexe com a saúde mental das pessoas. A dose certa de suspense, de maldade, de medo, permeado por uma ousadia que nem nos dias de hoje vemos, como a cena em que a menina (Regan) se masturba com um crucifixo. O filme por si, como entidade, gera medo.

Não foi sorte nem acaso, pegaram o autor do livro para fazer o roteiro do filme, com isso impediram que uma boa história fosse escrotizada para ficar palatável para o cinema. Não. O Exorcista é desconfortável, apavorante e mexe com os medos mais profundos que temos de uma forma que faz realmente perder o controle se você não for uma pessoa muito bem resolvida. Já vi muito corajoso tremer na base vendo esse filme. Talvez não hoje, tempos onde já vimos de tudo por causa da internet, mas à época da exibição, certamente era algo desconcertante.

É raro ver um filme mexer com esses sentimentos primitivos, virar a chave que nos faz perder o controle, ainda mais enquanto fenômeno mundial. O Exorcista é um dos dez filmes mais vistos da história do cinema se a conta for feita proporcionalmente, de forma justa. Apesar de todas as diferenças sociais e culturais, o mundo se cagou de medo desse filme. Pessoas saíam de dentro da sala de exibição apavoradas e aos gritos no meio do filme, desmaiavam, vomitavam e até se urinavam de medo. Nunca mais vi filme algum sequer chegar perto disso.

E não é uma questão individual, não estou te perguntando qual filme você sentiu mais medo. Estou perguntando qual é o melhor filme de terror de todos os tempos. O Exorcista virou referência mundial de medo. Não um medinho que te deixa tenso, um medo que mexe com o seu psicológico a ponto de conseguir fazer algumas pessoas pararem no consultório médico e precisarem de medicação. Se isso não é acertar em cheio na essência do medo humano, não sei o que é.

Foi um fenômeno mundial que nunca mais se repetiu. Virou um mito, uma lenda. Hoje, quando se fala neste filme, temos o medo do medo que vamos sentir ao assisti-lo. Ele criou esta espécie de medo ao quadrado, onde você já entra sugestionado e mergulha de tal forma na história consegue até abstrair efeitos especiais toscos. Antes que qualquer coisa significativa aconteça, o medo já está lá e não vai mais embora. O timing do filme é impecável, em uma crescente na medida exata para te manter em estado de pavor o filme todo.

Assim como Tolkien popularizou e deu cara ao mundo nerd de Elfos e Anões, O Exorcista criou todos os estereótipos e padrões de possessão demoníaca que temos até hoje, o filme fez história e referências. Nada em matéria de possessão fica muito distante da base genial criada pelo filme. É uma pedra fundamental na divulgação do modus operandi do Demo e, de quebra, ainda provou como a psique humana é fraca, a ponto de um surto de supostas possessões demoníacas após o filme brotarem no mundo todo. Assusta e dá lição sobre o ser humano, poderia ser melhor do que isso?

Existem pessoas que até hoje não tiveram coragem de ver esse filme pelo medo do medo. Pessoas que sabem que aquilo que está na tela, apesar de ser inspirado por uma história real, é uma obra de ficção com atores encenando e mesmo assim, não se atrevem a olhar, ou, no caso dos mais ignorantes, nem querem que o dvd entre na casa. Um marco no mundo do terror que ajudou a determinar a linguagem que viria e predominaria quase meio século depois. Tudo parece pequeno se comparado a O Exorcista.

Não se compara desiguais com desiguais. É óbvio que se comparado de forma simplória com um filme mais moderno, O Exorcista vai perder, mas se você comparar dentro do contexto de cada filme, ele é imbatível.

Para sentir medo do medo do medo, para citar aquele que você considera o melhor filme de terror de todos os tempos ou para dizer que o Congresso brasileiro é o pior filme de terror de todos os tempos: sally@desfavor.com

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Comments (28)

  • ‘Medo apos a infancia’ ?

    Filme de terror, para mim, é igual a pimenta:

    Ainda não encontrei um que ardesse de verdade.

  • Não assisti o Exorcista e nem quero, me deu uns arrepios de medo só de ler o texto. Não tenho psicológico pra lidar com isso não, certamente eu seria umas dessas pessoas que saiu gritando do cinema feito louca e ia direto procurar um psicólogo!

    • Acho inteligente se conhecer e conhecer seus próprios limites, é fundamental para não se colocar em uma situação de violência.

  • Eu não sei se aconteceu com mais alguém ou se sou maluco mesmo, mas só tive coragem de assistir O Exorcista depois de adulto e depois de ter virado ateu. Quando era moleque e acreditava em diabo, me cagava de medo só de ver o anúncio do filme que passava no SBT. Depois achei um filmaço e o top era quando a encapetada mandava bem nos insultos pro padre!
    Bruxa de Blair achei chato.

  • Dentre as opções, fico com Exorcista. Até porque presenciei essa experiência na infância por duas oportunidades.

    Mas, pessoalmente, imbatível mesmo foi o filme Helter Skelter…

  • O Exorcista ganha fácil, é um clááássico! Sem querer soltar spoiler, mas sempre que vejo ginasta fazendo ponte eu lembro do filme, é um bug mental que vou levar pro resto da vida.
    Muita gente torce o nariz para A Bruxa de Blair, mas taí outro filme em que me apavorei todo. O segredo é se permitir entrar na pele do personagem. Lembro que estava sozinho em casa na noite que assisti o filme. Cadê coragem depois pra apagar as luzes? Dormi no claro, igual criança!

  • Fico com o Exorcista.

    Quando tinha uns 13 anos, eu e uns amigos do meu prédio fomos numa locadora do e pedimos uma indicação de um bom filme de terror (nos reuníamos para ver filmes toda semana em casa). A dona da locadora, sem pensar duas vezes, indicou o Exorcista.

    Resultado: um menino teve que fazer acompanhamento no psicólogo, tamanho o trauma (ele começou a acordar no meio da noite com a camiseta encharcada do sangue que saia do nariz dele), outra menina não conseguia mais ficar sozinha em casa depois da escola (ela ficava na minha casa até a mãe dela chegar do trabalho), outro vizinho chorava todo dia antes de ir dormir e minha irmã só tomava banho se eu ou minha mãe estivesse com ela no banheiro. Eu comecei a dormir de luz acesa e se alguém apagasse, eu automaticamente acordava berrando, não importando quão profundo eu estivesse dormindo.

    Meus pais me proibiram por um bom tempo de chamar gente pra ver filme em casa.

    Uns 5 anos depois, um conhecido colocou a foto da menina possuída no perfil do msn. Perdi até a respiração quando vi aquilo. Confesso que fiquei com medo e pedi pra ele trocar a foto…

    O Exorcista é uma lenda, um clássico, um referência do gênero. Arrisco dizer que ninguém é o mesmo depois que o assiste.

  • Com certeza: O Exorcista!

    Aproveitei para ler o outro texto e adorei descobrir tantas histórias inusitadas de bastidores.

  • “O Exorcista” é tudo que a Sally disse. Um cult do gênero. Vi no cinema, na época que estreou aqui. E não assisti novamente, apesar do hábito de ver bons filmes mais de uma vez. Mas o vilão é um velho conhecido, e mesmo assustando, a gente sabe que o capeta não é real.
    Por isso minha escolha é “O Iluminado”. Um filme perfeito.
    Em segundo lugar, o Congresso Nacional, que tá mais pra reality show de terror.

  • Eu passei muito tempo com Exorcista, mas depois assisti Event Horizon e mudei de idéia, é um dos mais subestimados filmes de terror que veio do espaço, teve pouca divulgação. E tem o Sam Neil <3

    E sério, Bruxa de Blair?

  • Este tipo de filme nunca me atraiu. Nos anos 70 eu já ficava aflita com os Sleetaks do Elo Perdido.
    Assisti uns poucos trechos de Poltergeist…e tive taquicardia.
    Assino o atestado de nádegas flácidas!

  • Terror é um dos meus gêneros favoritos no cinema e… por mais que eu entenda a escolha do Somir (I feel you bro), vou ter que ficar com a Sally nessa.

    Tive medo de assistir a Bruxa de Blair por muito tempo, e o filme não desaponta de forma alguma, eu adoro e é um dos meus favoritos. Mas O Exorcista é um clássico insuperável.

  • Não assisti A Bruxa de Blair. O Exorcista é o melhor dos que eu assisti. Acho que parte do cagaço de A Bruxa é a história que se criou em torno do filme. Enfim, não tenho mais como voltar no tempo e assistir no cinema, sem saber de nada.

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