Discussão enjaulada.

Aconteceu duas vezes nos últimos dias, pessoa entra em jaula de animal selvagem no zoológico, os animais enjaulados são mortos para proteger a pessoa. Sally e Somir concordam com a imbecilidade de quem entra na jaula, mas discordam sobre quem deveria morrer nela. Os impopulares soltam suas opiniões.

Tema de hoje: se uma pessoa entra na jaula do animal, o animal deve ser morto para protege-la?

SOMIR

Com dor no coração, digo que sim. Claro que é tentador tomar o lado do bicho que, francamente, não tem a menor culpa do que está acontecendo. Claro que parece um desperdício matar dois leões para proteger um maluco suicida, mas… infelizmente a vida não é feita só daquilo que achamos mais agradável de acreditar. Existem padrões para se seguir. Muitas vezes eles criam situações incômodas, mas a importância de um padrão não é ser a melhor escolha 100% das vezes, é ser uma linha guia das quais se pode presumir mais.

E pra chegar onde chegamos, seguimos o padrão do direito à vida do ser humano. Definimos que muito mais que qualquer outro animal nesse planeta, nós formaríamos uma sociedade que tenta, no limite do possível, defender cada um de nós. Claro, animais mais sociais apresentam comportamentos parecidos de defesa do parecido, mas não com o grau de zelo que o ser humano alcançou. E sim, apesar dos enormes absurdos que povoam nossa história, fazemos isso. O que muda nos últimos anos é a noção de união da espécie, sendo as pessoas fisicamente parecidas ou não.

Até parece que eu estou falando de um mundo onde as pessoas se respeitam e protegem, não? Mas mesmo assim, o conceito básico, o padrão ao qual me refiro, esse segue norteando a evolução social. Redução de mortalidade é fator positivo, vidas mais longas, menos violência… tudo o que impacta o que consideramos uma evolução do mundo passa por proteger vidas humanas, praticamente a qualquer custo.

E se esse é o padrão, às vezes ele vem com aplicações que não nos agradam. Um humano deve ser protegido contra um leão, como padrão. Não porque a pessoa é boazinha e o leão é malvado, mas porque pra não perder a linha guia do que efetivamente resolve os problemas do nosso mundo, não se pode ficar pensando muito em mérito na hora de considerar os direitos. Ninguém precisa merecer direitos básicos, até porque merecimento é algo terrivelmente subjetivo nas mãos erradas. Enquanto estar vivo for um direito básico do ser humano, por ser humano, não importa se ele merece ou não, se gostamos dele ou não.

E para o azar dos leões, nós fizemos as leis primeiro e temos como impô-las. Leão não nasce com direito à vida equivalente ao do ser humano, evidente que existem e deveriam mesmo existir leis que evitem que pessoas ataquem animais indiscriminadamente, mas na hora da comparação de quem tem mais direito de estar vivo, ou o ser humano escolhe o outro ser humano ou todo o sistema no qual nos baseamos não faz mais sentido.

Nada mais natural do que ver a notícia e pensar que foi maldade com os bichos, que estavam lá na deles e não tinham como saber que seguir seus instintos os traria a morte no caso. Dá raiva desse ser humano maluco que foi se enfiar na jaula e causar a morte dos animais, mas não é raiva que define como lidamos com o conceito de direito à vida do humano em linhas gerais. É até mesmo um sangue frio de saber que é muito mais justo deixar uma pessoa morrer naquela situação, mas escolher o nosso acordo social do mesmo jeito. É um preço que se paga pela continuidade do processo.

Eu quase volto no meu argumento sobre a pena de morte: por mais que o cidadão tenha muito justificada a vontade de matar alguém que lhe fez um grande mal, não quer dizer que o Estado deva agir dessa forma. Para o bem, e infelizmente às vezes para o mal, é essa linha insensível que permite que se estabeleça um padrão para proteger os inocentes. Ou mesmo para evitar que existam penas desproporcionais. Ninguém deve analisar casos desse tipo com o sangue ainda fervendo. Até porque o ser humano toma péssimas decisões no calor do momento.

Se não fosse o padrão de colocar a vida humana acima de tudo, o pessoal do zoológico poderia muito bem ter escolhido manter os leões vivos. Muitos de nós bateríamos palmas, mas… depois de tudo feito, não? Porque na hora, quem tem que tomar a decisão de atirar não sabe de toda a história. E se a pessoa foi drogada contra a vontade dela e solta ali? E se alguém empurrou a pessoa dentro da jaula? Como saber, no tempo necessário para impedir o ataque de um animal selvagem, se a pessoa “merece” morrer?

É por isso que tomamos essas decisões ANTES das coisas acontecerem. Para ninguém ter que calcular prós e contras, para inclusive evitar que pessoas usem preconceitos internalizados para tomar essas decisões. Se não fosse um padrão proteger a pessoa, será que a taxa de brancos e negros salvos de animais selvagens seria equivalente? Ricos e pobres? Ei, homens e mulheres… ou, pensem comigo: mulheres gostosas e mulheres feias? Será que o julgamento de valor do ser humano ali seria sempre isonômico?

O padrão não serve pra te deixar feliz com o resultado sempre, nem mesmo pra evitar TODAS as injustiças, ele serve para garantir que na média as coisas funcionem de forma vantajosa para nós mesmos. Se é pra diminuir o número de dementes que entram (ou abandonam os filhos que entram) em jaulas de animais mortíferos, a segurança tem que ser melhor, devem existir mecanismos de aviso, e principalmente, deve-se punir exemplarmente quem causa a morte desnecessária de um animal selvagem, muitos deles em risco de extinção. Como a Sally sempre diz: vai no bolso dessa gente, faz pagar pelo resto da vida uma indenização ao zoológico. Mete uma multa terrível para quem ameaçar entrar na jaula ou se colocar em situação de risco. Faz os pais de uma criança solta no zoológico terem que lutar para manter a guarda dela depois.

Faz tudo, mas não mexe no padrão. O padrão existe para nos proteger, por mais raiva que tenhamos de gente burra e inconsequente.

Para me chamar de enabler de retardado, para dizer que esse padrão não anda servindo de nada, ou mesmo para dizer que leão é bicho lindo de deus: somir@desfavor.com

SALLY

O protocolo da maioria dos zoológicos é fixo: se houver uma situação de risco de vida a um ser humano, o animal deve ser sacrificado na mesma hora para salvar o humano. Parece justo? Não. Eu não acho que seja.

O bicho é retirado do seu habitat natural, é enclausurado em condições escrotas, leva uma vida de merda e ainda paga com dor e morte se um ser humano decide fazer uma imbecilidade. Tá certo isso? Uma coisa é se um tigre foge da jaula e ataca visitantes que de forma alguma concorreram para isso. Nesse caso, ok, atira no meio dos olhos. Outra bem diferente é se um imbecil se sente no direito de entrar na jaula do tigre e abraça-lo.

Não se engane, minha vertente aqui não é a de defensora dos direitos dos animais e sim darwiniana. Em uma linha de coerência que mantenho desde 2009 no Desfavor, continuo achando que uma ato suicida não deve ser prestigiado onerando terceiros, mesmo que esses terceiros sejam animais. A pessoa fez uma escolha e escolhas tem consequências. Não digo deixar morrer assistindo e comendo pipoca, dá para usar um tranquilizante se for o caso. Só não precisa matar o bicho por uma imbecilidade cometida por um humano.

Semana passada um ser humano entrou na jaula dos leões e os leões foram sacrificados. Sinceramente, quem entra na jaula dos leões está cometendo um ato de suicídio. Vai punir os leões por isso? Por favor… eu acho que o protocolo deveria mudar para um tranquilizante. Joga um dardo no popô do leão e, se der tempo, deu, se não paciência, quem entra na jaula de um carnívoro com o dobro do seu tamanho tá sabendo que pode morrer. Cá entre nós, quão filho da puta você tem que ser para tentar se matar dessa forma, causando um transtorno para vida de todo mundo? Merece aplauso e esforços uma pessoa dessa? Por muito menos a sociedade crucifica e grita que tem que matar.

Esta semana uma criança de quatro anos entrou na jaula de um gorila e… adivinha? O gorila foi morto. A criança se dirigiu à jaula do gorila ENGATINHANDO. Houve tempo de sobra para pará-la, o que faltou foi atenção e cuidado. Não é possível que só eu perceba a discrepância entre ato e consequência, né? Por favor, se botar filho no mundo, CUIDA. Se não cuidar, bem, amigão, é isso que acontece, seu filho morre. Vamos combinar que provavelmente a morte seria mesmo melhor para uma criança que é tão negligenciada que consegue entrar na jaula de um gorila no zoo.

O fio condutor do meu argumento é: responsabilidade pelos seus atos. Cobramos responsabilidade pelos atos das pessoas o tempo todo na vida em sociedade. Se não paga o aluguel, é despejado e fica sem ter onde morar (tendo ou não criança envolvida), se comete um crime é preso ou até morto, dependendo do país. Ora, se chegamos até a tirar a vida de uma pessoa em função de responsabilizá-la pelos seus atos, porque não deixar que ela arque com as consequências de ter entrado na jaula de um bicho, sem assassinar o bicho?

Talvez se isso fosse prática, tomassem mais cuidado ao ir a um zoológico. Aparentemente, saber que vão fazer de tudo para te salvar, não importa qual o tamanho da imbecilidade que você faça, não está ajudando muito. Sinceramente, é questão de livre arbítrio. Quem quer pular no tanque para nadar com uma orca fez uma escolha e essa escolha tem consequências.

Mesmo no caso das crianças, foi uma escolha social. Temos um pacto social de permitir que idiotas relapsos tenham filhos. Quando eu falo que deveria existir restrição para quem pode ter filho, me chamam de nazista. Então toma, aceita que só podemos intervir para proteger essas crianças até certo ponto (e quase nunca adianta). Quer viver em uma sociedade onde idiotas podem ter filhos indiscriminadamente? Pois bem, você vai ver crianças morrendo. Faz parte desse pacote.

Não entendo porque zoológicos são bolhas onde não se responsabiliza a pessoa pelos seus atos. Foge à lógica que rege todas as regras sociais. E, novamente, não é uma questão de bicho x gente, se você pula o muro de uma casa onde há um cãe feroz e o cachorro te ataca, o dono não tem a menor obrigação de sacrificar seu cão para te salvar. Legalmente, o cão não precisa ser sacrificado, ele tinha o direito de te matar. Mais: você pode, literalmente, soltar os cachorros na pessoa (perguntem à Dolly). Então, não entendo, juro que não entendo, porque bicho no quintal pode e bicho no zoo não.

Zoológicos são uma realidade paralela, um mundo com regras distorcidas que não casam com as regras gerais da sociedade. Se você deixa seu filho atravessar a rua sem supervisão, ele vai morrer atropelado. É um fato da vida. E você não vai poder culpar o motorista por isso. Se você deixa seu filho andar no parapeito da janela, grandes chances dele cair e morrer e você não pode culpar o engenheiro que fez o prédio. São desdobramentos, são consequências dos seus atos como pai/mãe. Qual é a dificuldade?

Ninguém vai concordar comigo, mas eu honestamente acredito que se um cão tem o direito, legalmente, de te matar se você faz a imbecilidade de entrar no território dele, muito mais tem um gorila da montanha, que só tem 700 exemplares vivos no mundo todo. No entanto, enfiaram uma bala na cabeça do gorila, por causa de pais relapsos, e agora temos 699. Tá certo isso? Não é possível que só eu ache uma aberração!

Que retardo mental é esse que deu na humanidade? O bicho está lá, na casa dele, quieto. Se você entra, tem que arcar com as consequências. Com que direito a pessoa acha que pode entrar no tanque de uma orca ou na jaula de um leão e ser salva às custas da vida do bicho?

Uma coisa é a escolha humano x bicho quando o humano não concorreu para o embate, nesse caso, não se pensa duas vezes, vamos socorrer o humano. Já vi historias tenebrosas, desde um babuíno que sequestrou um bebê tirando-o do seu berço até um golfinho que tentou estuprar uma pessoa. Beleza, nesses casos, mete bala! Mas porra, quando o humano voluntariamente se colocou naquela situação? Bom, ai é escolha, e escolha tem consequências. Por premissa de vida, eu me recuso a limpar a bunda de quem fez escolha errada.

Atirar em animais nessa situação é premiar a imbecilidade, é tratar pessoas como retardadas, é desencorajar o raciocínio. Uma sociedade saudável não fica limpando a bunda de idiotas nesse grau de imbecilidade, pois os recompensa, eles procriam e acabam estabelecendo uma Idiocracy. Gente estúpida tem que morrer, pelo bem da sociedade, parem de salvar idiotas urgentemente!

Para se indignar comigo, para se indignar comigo pelos motivos errados ou ainda para concordar comigo em silêncio pois o tema é controverso demais: sally@desfavor.com

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Comments (22)

  • “Responsabilidade para os responsáveis” (Lavey) é digno. Mas devo discordar da Sally com relação à motivação: o maluco entrou pra se suicidar. Como se pode garantir isto?

    Como colocou o Somir, e se ele foi drogado por terceiros e jogado lá… Dentre outras possibilidades citadas. Com exceção da criança, o qual foi vitimada por negligência.

    Direito e preservação da vida humana deveria ser a prioridade.

  • Fico com a Sally. Nesse caso, não ia sacrificar os leões por causa de um imbecil. Deixava ser comido para não passar seus genes adiante. O mundo agradece.

  • Eu também achei um absurdo matar os leões por causa de um desgraçado que se atirou nu na jaula em vez de dar um tiro na cabeça ou se jogar de uma janela como todo mundo. Pulam na jaula de um predador os leões puxem uma cadeira e ofereçam um chá? Mas, por outro lado, depois que os animais sentem o gosto do sangue humano ninguém mais segura.

  • Adriana Truffi

    Tô 100% de acordo Sally.
    Uma moradora do Chile me disse que o cara que se meteu com os leões era um fanático religioso que queria domar os leões… Mas enfim, agora por conta dessa estupidez os bichos estão mortos.
    Penso que se um cara é diretor de um zoológico, o compromisso principal dele deve ser com os animais que ele teoricamente zela. Se os humanos não tem o mínimo de civilidade pra frequentar esses locais sem causar danos aos “moradores”, então que se feche à visitação pública.

  • Concordo com a Sally, principalmente porque o texto dela deixa explícito o verdadeiro padrão da sociedade atual, onde a pessoa tem sim que ser responsabilizada por suas ações, e mais: arcar com as consequências de seus atos. O padrão apontado pelo Somir, ao meu ver, já é seletivo em relação à quem deve proteger ou condenar. Desproporcionalidade é esses padrões serem ligados apenas a partir do momento em que se cruza a entrada do zoo. Acredito que o próximo passo pra evolução seja eliminar uma a uma incongruências como essa e – parafraseando a Sally – deixar de limpar a bunda desses retardados.

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