Guess who?

DIA 1

Mal consigo abrir os olhos. Não tenho lembranças de como cheguei aqui, mas tenho uma certeza: estou preso. Grossas barras de ferro me separam do resto do mundo. Tentei sair de todas as formas, pela força e pela inteligência, mas não há escapatória. Estou encarcerado. Minha última lembrança é do dia anterior, deitando para dormir ao final do dia. Depois, um grande vazio na mente. Por mais que eu me esforce, não consigo lembrar de mais nada.

Inspeciono meu corpo. Não há marcas de violência. Não estou machucado, não há nada que indique luta corporal. Estou intacto. Ainda assim, não me sinto bem. Estou cansado, fraco. Não tenho forças para levantar.

Olho à minha volta e vejo vários companheiros que estão na mesma situação que a minha, trancafiados. Uns gritam por socorro desesperadamente, outros se calam com olhar resignado. Não posso ver muito além das grades, está escuro agora. Decido usar a sonolência como aliada e dormir. Dormindo o tempo passa mais rápido. Talvez seja só um sonho, talvez eu acorde e perceba que tudo não passou de um pesadelo.

DIA 2

Não era um pesadelo. Infelizmente. Abro os olhos e as odiosas barras de ferro continuam ali. É uma realidade: estou encarcerado sem entender o motivo e sem ter qualquer memória que explique essa atitude drástica. Sou obrigado a admitir e aceitar minha condição de prisioneiro. Por mais dolorosa que seja, a aceitação gera algum alívio, que me permite pensar em outras coisas que não eu. Inevitável: penso na minha família. Estavam ao meu lado na minha última lembrança. Será que eles também foram capturados? Será que eles estão aqui? Será que eles estão bem?

A preocupação com minha família me causa ainda mais desconforto do que meu próprio infortúnio. Eles precisam de mim, não estou certo que consigam sobreviver neste mundo sem a minha ajuda. Durante anos os protegi de tal forma que hoje me pergunto se não acabei por deixa-los indefesos demais. Tento forçar a vista na esperança de encontrar pistas. Pistas de onde estou, pistas de como fugir, pistas sobre o paradeiro da minha família. Nada.

Estão me alimentando. Apesar de não ter tocado na comida, que é horrível, ela me foi disponibilizada. Suponho, então, que me queiram vivo. Na verdade, se me quisessem morto, já poderiam ter me matado. Em vez de me consolar, a ideia me assusta. Uma série de coisas piores do que a morte passam pela minha cabeça. Nunca tive inimigos, não me lembro de ter arrumado briga ou causado qualquer tipo de confusão. É difícil entender os motivos pelos quais me trancaram do nada.

Percebo que um dos companheiros que estava na cela da frente desapareceu. A cela está vazia.

DIA 3

Sonhei com minha família. Não foi um sonho agradável. Nada é agradável nesta nova realidade. Acordei com os gritos de um companheiro novo que foi trazido para a cela que ontem estava vazia. Ele grita muito, como se isso adiantasse. Seus gritos eventualmente desencadeiam gritos de outros companheiros. Observo atento, mas tanto o escândalo como a resignação parecem ter o mesmo resultado prático por aqui.

Pela primeira vez provei a comida, que mesmo horrível, não é mais horrível que a fome. É verdade o que dizem, a fome é o melhor tempero. Jamais teria encostado nessa gororoba se estivesse no conforto da minha casa. Como tenho dúvidas se ela será reposta, comi apenas uma parte, assim garanto minha sobrevivência por mais um tempo.

Eventualmente cheiros estranhos invadem a sala. Cheiros fortes, que causam até ardência. Hoje ouvi alguns barulhos. Definitivamente, não estamos sós. Pensei em gritar, mas se gritar adiantasse, o companheiro da cela da frente não estaria na exata mesma situação que eu. Ao olhar para ele, percebo que mais um companheiro de cela, desta vez o da cela ao lado, desapareceu. Então é assim que funciona? Desaparecerá um por dia até chegar a minha vez?

DIA 4

Aproveitei o silencio e o escuro da noite passada para tentar encontrar uma rota de fuga. Tentei até o amanhecer. Apesar dos meus esforços, não consigo passar por entre as grades nem entortá-las. Também não consigo cavar um túnel. Foram horas de tentativas sem sucesso. Talvez eu tenha que me conformar em viver o resto da minha vida aqui. Tento ser forte, mas o desânimo toma conta de mim e choro por horas. Como esperado, ninguém escuta. Ou se escuta, não se importam.

A comida acabou. Comi o que restava e não sei dizer se vão trazer mais. Tento não enlouquecer imaginando os momentos felizes que passei com a minha família. Desde coisas bobas como verificar um barulho estranho de madrugada na sala (nunca tem nada de errado acontecendo, mas a gente sempre verifica) até passeios e eventos divertidos.

Sinto energia voltando ao meu corpo, o que torna mais difícil ficar trancado neste cubículo. No desespero do confinamento, tomo uma decisão: de amanhã não passa. Não vou viver o resto da minha vida prisioneiro, sem explicações, sem dignidade. De um jeito ou de outro, de amanhã não passa. Esta situação chegará ao fim, por bem ou por mal.

DIA 5

Acordo e percebo que outro companheiro de cela se foi. Sinto uma estranha calma e uma forte convicção de que colocar um ponto final nesta situação, não importa a que preço, vai me trazer alívio. Começo a pensar nas possibilidades. Não são muitas, mas ainda assim, tenho algumas escolhas. Traço um plano mental detalhado. Repasso o plano para tentar encontrar possíveis erros ou falhas. Sim, é isso. Está decidido. De hoje não passa.

Escuto passos vindo em minha direção. Isso é novo. Para minha surpresa, abrem a porta da minha cela. Em um gesto rápido, tento escapar, mas sou imobilizado. Não devo ser o primeiro a tentar fugir, tenho a impressão que eles até contavam com isso.

Sou levado, imobilizado, por um longo corredor. Ao me ver passando, todos os companheiros gritam sem parar. Não sou de índole violenta, mas diante desse cenário, começo a me posicionar para um ataque. Em algum momento terão que me soltar, e quando o fizerem…

Ao final do corredor, uma grande porta é aberta. Uma claridade forte me cega, após tantos dias no escuro. Tudo é muito confuso, ouço vozes. As vozes parecem familiares… sim! É a minha família! Não consigo ver se eles estão bem, se estão presos, a claridade continua me cegando. Quando finalmente consigo focar a visão, percebo que estou em seus braços.

MULHER: Olá Tobias! Sentiu nossa falta?
HOMEM: Ele parece bem…
CRIANÇA: Mãe! Mãe! Posso pegar o Tobias no colo?
MULHER: Com cuidado, filho, ele ainda está se recuperando da cirurgia
CRIANÇA: Ele está machucado?
VETERINÁRIO: Fizemos uma cirurgia sem cortar o Tobias, se chama laparoscopia, chegamos ao estômago dele pela sua boca
HOMEM: Que luxo, hein Tobias! Cachorro operado por laparoscopia!
CRIANÇA: Tadinho do Tobias!
VETERINÁRIO: Agora ele já está bem, podem levar ele para casa… e não precisa se preocupar, ele não sofreu nem um pouquinho!

Para chutar sobre quem escreveu este texto, para ter certeza sobre quem escreveu este texto ou ainda para dizer que entende porque seu cachorro tem pavor de entrar na clínica veterinária: desfavor@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (14)

    • Quase certeza, também…

      Mas eu já acho que seria dela estar (re ?)experimentando(-se) em um conto ( e, inclusive, em plot twist; e neste modo de plot twist) e (“vejo”) até uma relação com ter afirmado “um chega a fazer estilo do outro”

    • Mas não ser o forte do Somir não seria (segundo “os Siago…”) afalta de saber desenvolver a empatia ? Ele já teve um gato que a Sally já achou o mais feio de todos que já viu !

      Mas, sim, vi que a empatia dela como mais forte sobre “aquele (dia) do gatomotor”; apesar, até mesmo, de quando ela se declarou “anti-ecológica desde criança” (mas isso foi em momento de humor – risos).

  • Uma brincadeira nova? Gostei. Bom, eu gosto dos DesContos e sinto falta quando sexta-feira não tem. Agora só falta vocês dizerem que não foi nenhum dos dois e esse texto é de algum dos leitores.
    Mas, se é pra chutar, vamos lá… na primeira leitura não me questionei sobre quem havia escrito e presumi que fosse o Somir mesmo. Já estava imaginando que o personagem fora abduzido pelos alienígenas. Personagem com um nome incomum e um final inesperado, é o estilo dele. Na segunda tentei observar se era possível notar que não era um humano e se havia algo do estilo da Sally. Veterinários, presídios, assuntos que ela gosta. Um título em inglês, normalmente é ela quem coloca expressões em inglês em seus textos. Porém, como raramente ela escreve este tipo de texto acho que fica faltando um parâmetro.
    Então eu vou chutar que o Somir andou assistindo “Oz” (não é o do mágico não)essa semana e se inspirou.

    Quero ver se vocês adivinham quem fez este comentário. Ei, não pode olhar o IP!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: