Tela indiscreta.

+Muita gente não sabe, afinal é difícil de imaginar mesmo, mas existem hackers invadindo Smart TVs para assistir casais fazendo sexo no conforto de seus lares. Enquanto as pessoas estão instaladas em seus sofás, os “nerds” da Internet entram nos sistemas falhos de algumas televisões do tipo e acessam câmeras, que podem ser integradas ou não, e outros dispositivos.

Sempre falamos de tomar cuidado para não expor sua privacidade, mas também há de se tomar cuidado para não exporem contra sua vontade. Desfavor da semana.

SALLY

Eu sei que teve um estupro coletivo horroroso no Rio de Janeiro e que todos estão muito indignados, mas, por mais que seja dolorido de dizer, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos. Em 2016, no Rio de Janeiro, 13 mulheres são estupradas por dia. É uma realidade constante, não um desfavor pontual da semana, além disso é um tema fácil, estupro é errado, não tem nenhum ponto de vista novo, tudo já foi dito. É mais grave do que o tema escolhido? É sim. Mas a proposta desta coluna não é tratar do crime mais grave da semana. Então, esse não será nosso tema, não por considerarmos menos grave e sim pela proposta da coluna.

A história deste Desfavor da Semana começou quando várias pessoas descobriram que vídeos seus fazendo sexo dentro de suas próprias casas foram disponibilizados em sites pornográficos. Muita briga e confusão depois, investigações comprovaram que os casais de fato não concorreram para isso: nunca tiveram a intenção se der filmados. A resposta estava na internet: hackers usam qualquer coisa com uma câmera, desde celular, computador e até Smart TVs para filmar casais sem que eles saibam que estão sendo filmados.

Após invadir o celular, computador, TV ou o que quer que seja, eles acionam a câmera e ficam gravando o que acontece na casa da pessoa. Pegam as cenas de sexo e jogam em sites pornográficos. Geralmente a TV fica de frente para a cama do casal ou de frente para o sofá, com grandes chances de filmar cenas quentes. Muitos proprietários de TV, que nem sequer cogitaram que isso fosse possível, estão com sua intimidade exposta em sites pornográficos e alguns nem sabem disso.

Você pode ter sido filmado sem saber e estar em um site pornográfico. Eu posso ter sido filmada sem saber e estar em um site pornográfico. Consolida-se uma nova modalidade de evasão de privacidade: a evasão involuntária, forçada. Não basta não aceitar que te filmem, agora você também precisa tomar providências de segurança dentro da sua própria casa para que uma pessoa do outro lado do mundo não o faça de forma sorrateira.

Meu computador tem um adesivo tampando a webcam desde o dia em que conheci o Somir. Na nossa primeira conversa, pelo MSN, ele disse que se quisesse poderia acionar minha câmera desde sua casa e ver meu rosto sem que eu sequer desconfie. Não sei se era verdade ou não, mas a mera possibilidade me fez tomar precauções. Porém confesso que nunca me toquei da possibilidade de captar imagens via Smart TV. O desejo voyeur é tanto que temos que pensar nossas vidas com estratégias e constante vigilância para que a privacidade não seja violada.

Até então, quem tinha a privacidade violada de alguma forma havia se colocado em risco: se fotografou, se filmou, bebeu demais, usou drogas até ficar inconsciente, confiou em quem não deveria. Claro que nada disso justifica uma violação da intimidade, não é essa linha argumentativa. Minha intenção é dizer que, até então, havia como se prevenir através de certas posturas cuidadosas. Essa nova forma de violação gera também uma nova realidade onde você, se portando de forma até agora considerada exemplar, pode ser espionado no conforto da sua casa.

Isso nos leva à seguinte conclusão: quem insiste em preservar sua privacidade terá, além de andar na linha, de estar em constante paranoia tentando antever como pode ser espionado, até mesmo dentro da sua própria casa. As soluções antigas para resguardar sua intimidade não servem mais, e até cair essa ficha, muitos terão sua intimidade devassada. Por isso escolhemos esse tema. Para, antes de mais nada, dar o alerta.

A sensação de que sua privacidade pode ser tomada de você dentro da sua própria casa é algo forte, que certamente vai mexer com a sociedade quando o que hoje é uma gota d’água, virar um oceano em um futuro próximo. Vejo dois caminhos possíveis: o escaralhamento da privacidade em uma sociedade onde seja implícito que ela não exista mais e portando, sem maiores consequências para qualquer vazamento de qualquer coisa íntima ou a paranoia extrema explorada pelo mercado através de infinitos mecanismos de suposta proteção. Ambos os cenários me parecem tenebrosos. Ou paramos de nos importar, ou vivemos com medo.

Não falo do celular, do computador ou da TV em si. Estas são algumas das portas de entrada, mas o tema é algo maior do que isso. À medida que a tecnologia evoluí, surgirão novos meios, novos canais de entrada para nos expor. A discussão aqui é postural: quem quer preservar sua privacidade terá que passar a funcionar com uma atenção preventiva sempre ligada, uma constante vigilância tal qual a de quem mora em um bairro perigoso, sempre alerta para tentar não ser vítima de violência.

De certa forma, mulheres já tem algum treinamento nisso, aprendemos desde cedo que alguma vigilância é sempre necessária quando se trata do sexo oposto. Dificilmente uma mulher que está andando sozinha na rua vai passar por uma calçada estreita onde tem dois homens parados olhando para ela. É instintivo, ela vai atravessar, vai passar pela rua. Já está em nosso DNA não passar por um local estreito onde há um homem parado que ficará próximo de você. Por isso, creio que, ao menos no começo, as mulheres se saiam melhor nesta vigilância em busca da privacidade.

Homens serão presas fáceis. Eles nunca precisaram desta preocupação. Até bem pouco tempo, sequer rendia cliques um homem sem roupa ou fazendo sexo. Mas isso está mudando. Um incidente lamentável com um conhecido me fez perceber que tudo mudou. Ele saía com uma moça meio maluca, meio desequilibrada, de forma casual. Um dia, a aprendiz de Amanda se excedeu e ele rompeu oficialmente a relação casual que tinham. Com raiva, ela colocou fotos dele nu, que havia tirado do celular, enquanto ele dormia em uma das idas a motel que tiveram.

O que não seria nada há alguns anos atrás, repercutiu feio. Graças a seu corpo escultural ele rapidamente virou muso gay. Sua foto foi reproduzida em dezenas de sites gays e ele ganhou o apelido de “Bela Adormecida”. Não demorou até encontrarem ele nas redes sociais, o que fez com que ele receba zilhões de cantadas gays e as fotos serem amplamente divulgadas. Depois disso, não demorou para que todo mundo que soube do incidente ache que ele de fato era gay. Sua imagem hoje está irremediavelmente vinculada a gays. Nada contra homossexualidade, tudo contra a ser rotulado à revelia. O resultado, além da perda de um emprego, foi uma bela depressão. Então, pense duas vezes antes de não se importar com sua intimidade, às vezes podem ocorrer desdobramentos ruins, muito além dos que você imagina.

Estamos levantando o assunto antes que ele se popularize para que as pessoas que nos são queridas tenham a escolha a partir de hoje: saiba que se você quer preservar sua intimidade, vai ter que pensar preventivamente. Talvez com isso possamos evitar que algum de vocês sejam vítima desse tipo de abuso. A informação você já tem, agora resta se adequar a ela caso deseje manter sua vida privada de fato privada. Até onde você está disposto a ir para preservar sua intimidade? Comece a pensar sobre isso.

Para fazer como eu e colocar um post it na frente de todas as câmeras de todos os eletrônicos da casa, para vazar um nude seu propositadamente de modo a acabar com o medo disso acontecer ou ainda para pedir que eu te envie fotos do Bela Adormecida: sally@desfavor.com

SOMIR

O tema não me assustou tanto quanto assustou a Sally de cara, depois de tantos anos fuçando pelos porões da internet, pouca coisa me surpreende. Mas, depois, caiu a ficha: a percepção que eu tenho da coisa é diferente da maioria… talvez as pessoas não percebam o quanto essa forma de invasão de privacidade é prevalente e não tenham subsídios para se defender. Então, não se assustem não, mas temos que falar sobre como a coisa é feia.

O voyeurismo realmente pegou fogo com a internet e as mídias digitais. É fácil demais capturar imagens e disseminá-las por aí, hoje em dia quase todo mundo tem um celular com capacidade de gerar fotos e vídeos de alta qualidade onde quer que esteja. Computadores e tvs já vem com câmeras, há um grande mercado de câmeras espiãs… e muita, muita gente disposta a compartilhar esse material.

Isso nem tende a surpreender o internauta médio, aposto que a maioria aqui já viu pelo menos um ou dois vídeos íntimos vazados, ou alguém fazendo-se de repórter pegando algo na rua. O que eu talvez tenha que fazer muitos de vocês entenderem é que por mais que você tenha alguns poucos (se não estava procurando), isso só quer dizer que tem uma quantidade imensa deles flutuando por aí.

Raros são os casos de vazamentos que ganham mídia, a imensa maioria tem distribuição limitada. Aparecem nos arredores da área onde foram capturados e entre pessoas com interesse direto nos filmados. Ou mesmo surgem em locais especializados, fóruns e comunidades de pessoas cuja diversão é dividir e catalogar esse material. Cada história de privacidade devassada que acompanhamos é o topo da ponta do iceberg.

Porque tem coisas que até a mídia não tem coragem de mencionar. Ou, nunca teve acesso para saber que existem. Muitos de vocês vão se assustar se eu disser que existem pessoas que colocam câmeras até DENTRO de privadas para filmar homens e mulheres fazendo suas necessidades. Mas, até era de se esperar que algum maluco nesse mundo gostasse dessas coisas… e se eu disser que existem milhões desses vídeos? Do mundo todo? Que é tão popular que tem gente produzindo isso profissionalmente?

Ou, mesmo que tem gente colocando câmeras em chuveiros coletivos de spas, academias e até mesmo escolas? Que existem locais onde as pessoas trocam vídeos de familiares tomando banho? Que acontece demais de alguém estar filmando lugares públicos onde as pessoas fazem suas necessidades? Que já surgiram vídeos de dentro de cabines de troca de roupa de lojas? Que tem petabytes de material filmado em praias nudistas do mundo todo? Câmeras de segurança, então… e que tudo isso passa longe de ser um caso isolado?

Eu normalmente não menciono essas coisas porque pode gerar uma imensa paranoia, principalmente em mulheres. A pessoa não vai querer sair de casa, e talvez, nem em casa tenha sossego. Complicado. Mas, mesmo com tanta coisa acontecendo, são sete bilhões de humanos. Estamos absurdamente longe de uma realidade onde todo mundo pode acabar exposto, mas essa amostra de gente cuja intimidade é capturada não pode ser negligenciada.

A chance de alguém estar te filmando é muito pequena, mas ela existe. Se você desconfia de algo, não está sendo paranoico(a) demais não. Manter uma câmera apontada pra você com algo na frente é uma precaução razoável, assim como ter um filtro de linha na tomada do seu computador para o caso de dar algum surto na eletricidade. Estatisticamente o provável é que não aconteça, mas se aparecer no seu caminho, você já resolveu.

Se você desconfia que alguém está te filmando, aja como se alguém estivesse te filmando. Se você for mulher, principalmente. As pessoas acabam ficando com receio de confrontar ou sair de perto na possibilidade de não ser nada demais, mas não é loucura achar que é algo de mais. Tem muita gente sim tentando invadir a privacidade alheia. Não precisa andar de burka dentro de um quarto escuro da casa pra ficar livre, mas é hora de entender que não é algo que meia dúzia de gatos pingados fazem.

Já não nos acostumamos a prestar atenção nos arredores por causa de assaltos e outros tipos de ataques? É só colocar mais uma coisa nesse mix: a procura por câmeras. Elas são baratas e cada vez mais discretas. Claro, isso em locais públicos. Na sua privacidade, tudo depende de conhecer o lugar onde está e de confiar nas pessoas ao seu redor. E mesmo assim, seguir aquele instinto de olhar para aquela coisa meio “estranha” apontada para você.

Quem faz essas coisas conta muito com as pessoas deixando pra lá a sensação de que tem algo errado, como se fosse impossível ter uma câmera no banheiro que se está usando. Improvável sim, impossível não. Não é maluco quem coloca um adesivo em cima da webcam do computador, não é maluco quem vai fuçar em um elemento estranho no cenário esperando uma câmera… as chances é que por pura sorte nunca aconteça com você, mas se acontecer, o que parecia paranoia vai te gerar um grande alívio.

Imagina o quanto você acha que tem de fotos e vídeos tirados contra a vontade das pessoas na internet e multiplica por mil. Ainda não é o suficiente para todo mundo estar correndo esse risco, mas é o suficiente para não ser loucura esperar pelo pior.

Para dizer que agora está em pânico (na média não deveria), para perguntar o que eu estava procurando pra achar câmeras dentro de privadas (isso é o que mais assusta, eu não estava procurando), ou mesmo para dizer que eu só estou reforçando minha paranoia: somir@desfavor.com

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Comments (17)

  • Ah, então você esta vendo a minha cara, hein! Consola-me saber que pelo susto que levou, não voltará mais. É uma vantagem de ser feio.

    Caramba, isto é verdade! Aonde esse como voyerismo+tecnologia vai parar?
    Falta de originalidade ou preguiça de produzir conteúdo?

    Preocupante.
    Obrigado pela informação.

  • Mais uma paranoia adicionada com sucesso. A história da Bela Adormecida reforça ainda mais o fato de eu não gostar de dormir com ngm, além de ser um inferno dividir cama/cobertor tem esse risco no qual confesso nunca havia pensado com seriedade.

  • Eu sou muito paranoica com isso e também sempre colo um adesivo na câmera do note. E às vezes fico até com receio de fazer certas buscas e entrar em sites com medo de alguém ver tudo o que estou fazendo através de um espião no computador. No fundo sei que ninguém perderia tempo em algo assim comigo, mas sou meo fodida da cabeça mesmo. ahahahaha

    PS.: Vai virar notícia o dia que NÃO estuprarem alguém no Rio. Já ouvi histórias escabrosas só sobre o estacionamento do Galeão.

    • Sim, fiz uma postagem só sobre o Galeão. Aeroporto internacional mais tenebroso do Brasil. Essa semana desapareceu uma pessoa lá, até agora não encontraram.

  • Confesso que eu não sabia desse lance das SmartTvs até vocês falarem. Ainda bem que não tenho uma no meu quarto. E que coisa assustadora essa perspectiva para o futuro que a Sally mencionou com duas possibilidades terríveis: “o escaralhamento da privacidade em uma sociedade onde seja implícito que ela não exista mais e portanto, sem maiores consequências para qualquer vazamento de qualquer coisa íntima ou a paranoia extrema explorada pelo mercado através de infinitos mecanismos de suposta proteção.”. Dá pra ficar louco mesmo pensando nisso. Ainda mais pra pessoas como eu, que prezam demais a própria privacidade e detestam “aparecer” ou ser o centro das atenções.

  • O conceito de privacidade está sendo picotado, cuspido e pisado a cada dia. Não sei como ainda não inventaram um aparelho pra fetos tirarem selfies ainda dentro do útero.
    É essa mesma raça que sabe fabricar remédios e mandar robôs pro espaço?

    Só uma nota final sobre esse estupro coletivo: Daqui a algum tempo povo esquece e a menina vai ‘desaparecer’, assim como as outras milhares cujos casos nem chegam a tona. E uma delas pode estar na sua sala de aula, no seu setor da empresa, na casa/apartamento ao lado do seu…

      • No caso do estupro, tudo já foi dito, até demais. Politizara, polarizaram, culparam a vítima, culparam os homens como gênero… Exauriram o assunto de uma forma tão errada que não deu nem vontade de falar sobre o assunto.

        • Quando vi qual foi o assunto escolhido pra Desfavor da Semana, imaginei que vocês estavam se sentindo assim sobre o caso do estupro coletivo. Por mais horrível que o fato tenha sido, já falaram tanto – e falaram tanta bosta – sobre isso que já encheu o saco mesmo…

    • Sim. Aqui no Rio, pelas estatísticas, certamente todo mundo conhece umas duas ou três pessoas que foram estupradas. Mas não se fala sobre isso.

  • Busca da Mente

    O desfavor não é o estupro, mas a repercussão que o mesmo atingiu quando coisas piores acontecem como se nada… Esse desfavor é indiretamente correlato, mas parece uma jogada na linha de dar um tempo e tentar manter um publico mais elitizado.

    • Nossa linha editorial se baseia no que queremos falar na semana. Esse assunto “evitado” desenrola pra muita coisa, talvez volte durante a semana, talvez não. Estamos acompanhando…

  • Putz… Já vi meu notebook piscar a luzinha da câmera do nada e achava que era bug. E meu celular já ligou a câmera sozinho eu pensando que era defeito! Aff… Já colei fita isolante e espero que não tenham me filmado. Valeu a informação, RID!

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