Tendências.

O caso da garota estuprada por mais de 30 homens com certeza fez seu barulho pela mídia brasileira nesses últimos dias. Nós do desfavor resolvemos dar um passo atrás, porque, francamente, não íamos adicionar nenhum ponto de vista muito original na história. Mas, agora, eu posso trazer uma informação diferente aqui… não sobre o caso, mas sobre como o país reagiu a ele. E, de quebra, mostrar uma ferramenta que aposto que pouca gente sabe que existe: o Google Trends.

Unindo o inútil ao desagradável, especialidade da casa. O Google Trends é uma ferramenta do Bin… evidentemente, do Google. Mais ou menos como nós aqui compilamos as barbaridades pesquisadas que caem no desfavor, o Trends analisa a desgraça toda. Todas as pesquisas feitas, sejam para onde forem. Ferramenta útil para quem trabalha com análise de tendências, mas também como uma janela para a alma das pessoas.

O país supostamente em choque com o caso e com a divulgação do vídeo expondo a garota, e… bom, vejam esse gráfico sobre a evolução do termo “vídeo de estupro coletivo” nos últimos tempos:


Isso não é o número de pesquisas, e sim o quanto o Google define a relevância dele. Mas podem ter certeza que para alcançar relevância “100”, precisa de milhões de pessoas pesquisando por isso. E por que eu decidi analisar esse termo específico? É compreensível a curiosidade num caso midiático como esse, mas… o povo estava escolhendo um termo bem peculiar se queria se informar sobre o assunto. Outro termo que bombou foi “estupro coletivo”, como vocês podem ver nesse gráfico:


Quanto mais gente procurava pelo termo geral para achar o caso, mais gente queria era achar o vídeo! O que me leva a crer o próprio vídeo foi componente determinante no “sucesso” do caso, que estamos vendo sem parar recentemente. E mesmo com as autoridades reforçando sem parar que a divulgação também foi criminosa (e pela idade dela, seria criminosa até se fosse consentido), o BM não se abalou. Continuou pesquisando.

Na verdade, se pararmos pra pensar, o vídeo e sua popularidade também foram fatores determinantes no interesse das autoridades em correr atrás desse caso. Tinha algo turbinando o potencial de interesse do cidadão médio no caso, e conhecendo o Brasil, com certeza não era o sofrimento de uma mulher pobre. Era o vídeo. Porque estupros, inclusive os coletivos, acontecem aos borbotões, muitos até denunciados… mas, precisou de uma representação clara do caso para acontecer esse salto de interesse.

Sério, até o assunto em aberto bateu o recorde histórico de pesquisas:


Pelo menos sob o que diz respeito ao Google, esse é o maior caso do tipo da história recente brasileira. E nem o argumento que mais gente usa a internet agora vale, porque essa é uma média de relevância, não um comparativo de números diretos. Com certeza o que mudou nesse meio tempo foi o perfil do internauta médio. De 2004 (quando o Google começa a capturar os dados) até aqui, praticamente todo mundo com um batimento cardíaco conseguiu acessar a internet e buscar nela pelo menos um interesse.

Então, eu começo a imaginar… o caso ganhou a popularidade que ganhou porque tem mais gente usando a internet que procuraria pelo vídeo? Porque essa lógica tem seus perigos: o surto de atenção ao tema foi causado pelo maior interesse em explorar uma vítima? E sem nenhum juízo de valor: a profusão de opiniões sobre a suposta culpa dela no caso não bebe da mesma fonte? Nem quero entrar no tema exato porque gera uma discussão que julgo vazia, mas pensando nos dados coletados e na sua evolução de acordo com a popularização da internet, sinto que estamos finalmente vendo a cara do brasileiro com números para bancar.

Talvez quando falaram de “cultura do estupro” estivessem mirando em uma coisa e acertando em outra. A evolução equivalente do interesse pela notícia e a busca pelo vídeo da garota sofrendo o abuso não necessariamente diz que o brasileiro corrobora com o estupro como ato, mas demonstra sim que se o assunto é “estupro da dignidade”, a busca pela exposição do outro no seu momento mais vulnerável, essa cultura vai de vento em popa.

E, repetindo, pelo visto no final das contas era a possibilidade de “presenciar” a cena na internet que mais colocava lenha na fogueira. Seria razoável imaginar que a queda das pesquisas de ambas as pesquisas nos últimos dias seria resultado do assunto morrendo, mas… e se for o contrário? E se a preocupação com bloquear o material tenha causado a queda na relevência? Enquanto as pessoas achavam que podiam ter acesso ao vídeo e a novidades relacionadas a ele, o assunto explodiu. Quando a maioria das pessoas viu que não havia mais o que extrair dele em imagens, as pesquisas caíram consideravelmente.

Não sei se me fiz claro, provavelmente não, mas a ideia central é que esses dados podem estar dizendo algo sobre os interesses e opiniões desse povo que ninguém está realmente cutucando. Pelo menos não onde eu estou buscando minhas informações. Que as autoridades tupiniquins só mexeriam a bunda em caso de grande comoção nacional era extremamente previsível, é claro. Mas, estamos começando a juntar dados agora para perceber como o que realmente move as pessoas e a mídia a criar essa comoção é justamente… querer ver o crime acontecendo.

Talvez, de um jeito bem inesperado, a “cultura do estupro” realmente exista. Mas ela não necessariamente tenha relação com o crime sexual em si, e sim com a visão cada vez mais turva da sociedade sobre privacidade e preservação da dignidade alheia. Quando a pessoa não sente restrição alguma ao observar outro ser humano numa situação dessas, abre-se mão de um direito muito básico.

Na era das redes sociais, todos os crimes são coletivos, pelo visto.

Para dizer que não entendeu nada mas gostou de brincar com o Trends, para dizer que não sabe de que lado eu fiquei, ou mesmo para dizer que eu parei na hora do pulo do gato (essa opinião eu já proferi milhares de vezes): somir@desfavor.com

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Comments (6)

  • A mente do povo pesquisado parece cauterizada. “Que se dane o crime e suas consequências! Eu quero ver o babado…”

    Estamos indo bem.

  • Interessante a pesquisa. Mas acho que a tendencia tem mais a ver com a curiosidade natural do ser humano por desgraças, sangue, morte e sexo, do que propriamente o interesse velado de fomentar a cultura do estupro – como teve o cuidado de mencionar de certa forma.

    Quanto ao assunto do video, vou me limitar ao que comentei na rede:

    “De um lado, gente que se importa mais com a vida regressa da vítima, do que com um estupro;

    do outro, gente que finge se importar com estupro, mas não se escandaliza com uma menor exposta a drogas, orgias, armas e toda uma cultura do tráfico e objetificação vangloriada por estes setores.

    No meio disso, alguém que será esquecida dentro de alguns dias por conta da próxima tragédia, e teve sua vida completamente revirada e exposta por conta do que chamam de empoderamento e sororidade.”

    • Sim, o ser humano tem uma curiosidade enorme com essas coisas. Mas, em tempos de redes sociais, talvez seja a primeira vez na história de olhar para isso e suas repercussões. Sobre o seu comentário, a parte final é a parte mais brutal de todas. Usada, DE NOVO.

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