Mau uso das palavras.

Sabe criança, que quando aprende uma palavra nova, que considera de impacto, a utiliza compulsivamente nas frases mais descabidas? Por exemplo, criança que aprende a palavra “algoz” e a acha impactante trata logo de usá-la em frases como “hoje meu Nescau está algoz” ou “meu casaquinho da Pepa é muito algoz”. Assim é o brasileiro médio. Pega palavra que não sabe muito bem o que significa, mas sabe ter um impacto negativo, e sai atribuindo a aqueles que quer desmerecer, totalmente fora de contexto. Mas, como são maioria, a moda pega.

Palavras fortes e importantes, com um significado histórico que não pode ser perdido, vem sendo banalizadas nas bocas de bueiro de idiotas que entendem ser mais valioso ofender bastante o interlocutor do que respeitar a coerência. É como quando você xinga um juiz de “filho da puta”. Você não quer dizer que a mãe dele é uma prostituta, que faz sexo por dinheiro. A intenção é ofender, desqualificar e desestabilizar o outro emocionalmente e perante o resto da sociedade.

Ocorre que usar como recurso palavras de relevância histórica é dar um tremendo tiro no pé e no pé da sociedade toda. É irresponsável e prejudica a todos, então, sim, eu me sinto no direito de criticar.

Vamos começar pelo mau uso da palavra “fascista”. Se você não é de esquerda, é provável que a esquerda raivosa te chame de fascista mais cedo ou mais tarde, nessa tentativa boba de desmerecer pela tática da exaustão. O fascismo foi um regime que se caracterizou por um Estado “Todo Poderoso” que, em tese, diz ser guiado pela vontade do povo, mas na verdade exerce autoridade através de violência, repressão e propaganda. É um radicalismo nacionalista idiota que tem por premissa a veneração do Estado como intocável e centralizador de todos os poderes e decisões.

Se você não é de esquerda (nem precisa ser de direita!) já deve ter sido chamado de fascista. Fascista por querer que petistas sejam investigados dentro dos ditames constitucionais, por querer que um impeachment seja votado dentro da lei. Curioso, o Estado que se achava poderoso e intocável era o de Dilma e Lula, que extraditava jornalista porque criticou o Presidente, que usou de medo e manipulação para ganhar no grito, que clama ser o único realmente interessado no povo e único capaz de fazer bem ao Brasil.

Se acham tão intocáveis que só por serem investigados em um processo democrático gritam “golpe”. Golpe com votação, que golpe bacana esse, não? Se existe alguém fascista aqui, certamente é quem tenta subornar para atravancar investigação, quem desvia dinheiro para gastar em propaganda de campanha e quem vê como inimigo todo aquele que não for amigo. Nunca vi tantos elementos fascistas juntos como nessa ideologia faniquiteira do PT. Entretanto, sei que não são fascistas, não vou usar levianamente a palavra.

Vamos falar do feminismo e machismo. Cagaram esses termos de um jeito que eu acho que não tem mais reparo. Tem que criar um termo novo, porque esse… já tem novo significado. Feminismo é a simples noção de que mulheres não são inferiores a homens. Obviamente hoje em dia feminismo é sinônimo de qualquer coisa considerada favorável às mulheres e machismo serve para designar qualquer coisa que as desagrade. Não falo em desrespeito ou injustiça, falo em ganhar no grito o que quer intimidando o interlocutor com uma acusação de machismo cada vez que de alguma forma é contrariada ou chega a hora de arcar com a consequência dos seus atos. Sim, tem mulher que, por ser mulher, acha que pode tudo e que seus atos não devem ter consequências.

Atenção, não estou dizendo que o machismo real não exista. Existe e é forte e nojento no Brasil. Porém, ao banalizar o termo, ele os verdadeiros machistas se favorecem, pois suas atrocidades parecem menos graves, parecem comuns. Como atualmente é socialmente execrável ser machista, vemos uma horda de homens reféns se sujeitando a muitas injustiças para não levar um “machista” e alto e bom som e denegrir sua imagem para sempre.

O mesmo vale para racismo. Você pode dizer, assim como eu digo o tempo todo sem nunca ter qualquer problema, que “loiros não fazem meu tipo, não sei porque, mas não consigo achar bonito homem loiro”. Agora mude essa equação para negros e pense no tamanho do problema. Racismo é a ideia de que um ser humano é inferior ou não merecedor do mesmo respeito e dignidade por ser de uma raça diferente. O que não quer dizer que não se tenha o direito de não achar negros bonitos.

Mas não adianta, se você barra qualquer minoria em algum lugar com um bom motivo para isso, seja estar de chinelo em um local que pede sapato fechado, seja por não ter uma reserva ou ingressos, presume-se racismo automaticamente e é uma presunção muito difícil de se reverter. E, eventualmente, gera um processo criminal. Então, a reação social é ter medo de minorias, pisar em ovos, parar de falar e inclusive deixar de contratá-los por medo de um dia, alguma coisa inofensiva ofender. Sim, eu conheço mais de uma grande empresa que não contrata negros (obvio que de forma não declarada) porque tem medo que se ofendam por qualquer coisa sem conteúdo racista. O preconceito está cada vez mais dentro da cabeça da vítima.

Vamos falar agora do termo “reacionário”. Adoro quando me chamam de “reaça”. Bem, o reacionário é aquele que quer manter o status quo, ou seja, que não quer que as coisas mudem, sobretudo no campo político e social. Bem, Lula assumiu a presidência em 2003 e desde então, não saiu mais (o Muppet Dilma não conta, e mesmo que contasse, é o mesmo partido). Então, creio eu, que quem quer manter as coisas como estão é quem quer perpetrar um poder de mais de uma década. Mas ok, eu sei que esse argumento é altamente refutável. Vamos para uma segunda visão.

Ainda que se diga que o status quo são cem anos de direita no poder e que dez anos de PT não são nada, vamos analisar no mérito? O que o PT promoveu? Assistencialismo para comprar voto e dar segmento a aquele velho esquema de dar o peixe e não ensinar a pescar. Alianças e mais alianças para conseguir aprovar tudo que queriam no Congresso. Desvio de verba e corrupção. Tem mais status quo do que isso? Não me digam que a vida do pobre melhorou, não é verdade e os números do próprio governo constavam isso, antes mesmo de Dilma sair. O PT é o mais reacionário de todos os tempos, porque foi quem abertamente prometeu mudanças e fez exatamente igual a todos os outros.

Inclusive quando eles se defendem com seus argumentos bizarros dizendo que “FHC também fez” ou que “Os tucanos também fizeram”, só reforçam meu ponto: deram continuidade ao status quo, são reacionários. Tirando o PT vem alguém inovador? Não, claro que não. Todos são reacionários, essa é a mentalidade que rege o Brasil, inclusive da maior parte da sua população. Em uma esquizofrenia seletiva, o brasileiro tem o sonho de que sua vida, e apenas sua vida melhore e está cagando baldes para a evolução do país. Só se preocupa no discurso. Pede justiça mas suborna o guarda para não ser multado ou o delegado para seu filho não ser preso. Então, meus queridos, não tem lado A ou lado B reacionário. Todos são.

Vamos falar de outra palavrinha que anda bastante na moda: “xenofobia”. É o temor ou a antipatia por pessoas estranhas ao seu meio ou que vem de fora do país, pelo simples fato de serem de outra origem. Basta um país querer fechar as portas para imigração que começam esse grande aterro sanitário verbal, esse chorume argumentativo de acusação de xenofobia.

Ninguém está fechando as portas ou expulsando alguém porque é africano e não gosta de africanos ou por ser guatemalteco e não gostar da Guatemala. Não é uma ação, é uma reação, após centenas de mortes, ataques sexuais violentos e até coletivos e uma série de outras barbáries. ISSO sim motiva um povo a querer outro povo longe, independente de qual seja, e, joguem pedras, eu acho muito legítimo.

Mas, em tempos de histeria, você não pode proferir um “ai” contra pessoas de outros países, pois é xenófobo, a menos, é claro, que seja contra Argentina. Aí, Amigão, pode soltar o verbo: argentino é tudo filho da puta, tinha que construir um muro em volta e abrir Itaipu, argentino tem mais é que se foder. Fica a vontade, ninguém vai te reprovar.

Na mesma linha, temos o termo “preconceito”. Como o nome diz, PRÉ-CONCEITO é uma ideia concebida antes de efetivamente conhecer aquela realidade, baseada exclusivamente no seu achismo ignorante. Mas hoje, preconceito virou mordaça para não falar mal dos grupos intocáveis da vez.

Não pode falar mal do Nordeste. Simples assim. Eu morei lá e não gostei, mas se eu falar mal sou preconceituosa. Eu vivi, eu conheci, eu sei exatamente os motivos, bem reais, pelos quais não gosto, mas eu não tenho o direito de não gostar. Ao menos não de falar. Eu tenho que guardar para mim o que eu penso do local onde morei e que conheci muito bem. Queridos, isso não é preconceito, é PÓSCONCEITO. Quero o sagrado direito de falar mal do que eu quiser, independente de modismos protecionistas. Tenho argumentos bem concretos e bem coerentes para respaldar minha opinião.

Olha, eu poderia passar mais dez páginas falando sobre termos que foram estuprados por esses brasileróides infantis, que, para “ganhar” uma discussão pegam o que seu pequeno cérebro do tamanho de um caroço de uva acha mais ofensivo e usam até banalizar, mas vou parar por aqui. Talvez até valha um segundo texto sobre o assunto. O importante é que tomemos consciência do mal social que faz chamar alguém de “fascista” ou de qualquer outro termo carregado de significado relevante, apenas porque a pessoa discorda de você. Isso apaga da memória e do inconsciente coletivo o quão grave foi o fascismo e, em termos de história, o que não é lembrado tende a ser repetido com mais facilidade. Apenas parem, por favor.

Para comentar sobre outras expressões que foram deturpadas, para dizer que militância é grande câncer do Brasil ou ainda para me chamar de fascista, reacionária, machista e xenófoba: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Importante frisar a necessidade de atenta mais em que como se usa as palavras, e não agir como papagaio.

    Duvido que os que usam tais palavras, já obsoletas, sequer se deram ao trabalho de pesquisar o significado delas.

    Você mostrou o quanto isto é grave, Sally. Coisa que a grande maioria não percebe.

    Posso divulgar?

  • Um bom conhecimento de semântica, filologia e epistemologia evitaria muita confusão e desacerto. Às vezes você tem até a situação ridícula de pessoas que concordam em idéias mas que se desentendem por causa da linguagem. Isso é muito comum no campo científico.

    Em outra vertente, vale lembrar um dos problemas mais comuns no campo do conhecimento, que é o uso de um termo ou conceito desenvolvido e lapidado em uma área para explicar coisas em outro campo ou mesmo nível de organização da matéria. Exemplo corriqueiro é dizer que genes, organismos, pessoas ou sociedades evoluem, descartando o significado original do que é evolução e ressignificando o termo completamente. Até escola de samba evolui nos dias de hoje.

  • Esquerdista Soviético

    Considerando que a maioria das palavras citadas teve a justificativa de terem sido deturpada pela esquerda ou movimentos ligados à esquerda, acho que posso colaborar com o texto explicando “o outro lado”.

    • Não, não pode colaborar. Reescrever texto é algo proibido aqui e algo que, por si só é totalmente inconveniente. Se quiser falar o que você pensa nesse milhão de linhas que eu editei e excluí tenha o trabalho (porque dá um trabalho do caralho) de escrever e fazer a manutenção de um blog seu, não seu o meu como palco para desabafo.

      Por mais importante que você se ache e por mais interessante que acredite ser o que escreve, sinto lhe informar que eu não tenho tempo nem vontade de ler 45 linhas.

  • Acho engraçado quando as pessoas usam “natural” como algo referente a saúde e vitalidade. Sobretudo, sobretudo ao falar do quanto as empresas farmacêuticas são imorais e movidas pelo lucro, quando a homeopatia, ervas, reiki seriam alternativas “naturais” que poderiam resolver (para não dizer, curar) sozinhas.

    Partindo do pressuposto de que natural é simplesmente “o que há na natureza”, ser natural não significa necessariamente ser algo bom para você. Arsênio é natural e ninguém o escolhe como um remédio natural (a não ser que queira resolver definitivamente seu problema).

    E mesmo quando as pessoas compram um remédio ‘natural’, não só não há garantia de cura como algumas complicações graves podem ocorrer.

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