Não faço mais.

Se você for muito jovem, desconsidere este texto, ele não te serve, você deve viver e experimentar bastante até mesmo para conseguir selecionar o que gosta e o que não gosta. Mas se você já não é mais novinho… leia.

Todo mundo aqui deve conhecer uma pessoa que viu a morte de perto e, após a experiência, fez uma lista das coisas que queria fazer antes de morrer: escalar uma montanha, conhecer um país, pedir a namorada em casamento. É comum, bem comum. Mas comigo aconteceu diferente. Depois de uma experiência de quase morte, eu fiz uma lista das coisas que eu NÃO queria mais fazer.

Para minha surpresa, recentemente me deparo com uma palestra do Ted Talk onde alguém pensou exatamente como eu. Foi quando percebi que não se trata de loucura minha e sim de algo que vale a pena ser compartilhado.

Então, fica meu recado para todos vocês: a vida é muito curta, não se violentem fazendo coisas que não querem, a menos que sejam extremamente necessárias. E, acima de tudo, pensem se realmente querem fazer o que andam fazendo ou se apenas o fazem no piloto automático ou por pressão daqueles que estão à sua volta.

Não é apenas abandonar o que não gosta, mas também se observar e perceber do que você não gosta. Não duvidem do poder do hábito, muitas coisas se incorporam a nossas vidas de tal forma que as aceitamos como permanentes e sequer nos ocorre questioná-las. Além disso, imortalizar essas coisas em uma lista evita que, eventualmente, em um retardo mental temporário, você volte a se sujeitar a essas bostas. Sim, depois que passa um tempo, esquecemos quão ruim foi, esquecemos os motivos pelos quais deixamos de fazer algo.

No Ted Talk o palestrante chama sua lista de Fuck It List. Eu fui um pouco mais delicada, e chamei a minha lista de “Não faço mais”. São coisas que me fazem mais mal do que bem e me permito não fazê-las abertamente, sem desculpas ou rodeios. Coisas que eu bato no peito e digo “Desculpa, não vou, nada pessoal, mas isso eu não faço mais”. Libertador.

Mesmo que sejam coisas que tenham força para fazer ruir o mais apaixonado dos relacionamentos se fazê-la for uma parte importante da relação. Coisas que eu definitivamente não faço mais. Se violentar em nome de alguém não é amor, é desamor por você mesmo ou sinal de que fez uma escolha muito errada de alguém incompatível para estar ao seu lado. Não faço mais. Ponto final. A dona das minhas verdades sou eu.

Reparem que a palavra “mais” é o grande pulo do gato desse nome. MAIS. Ou seja, são coisas que eu já fiz, e que justamente por haver experimentado o que me geram, decidi não fazer mais. E, que fique claro, ninguém é obrigado a viver escravo de uma lista a ferro e fogo, se a realidade mudar e aquele item trouxer um ganho enorme para minha vida, posso cogitar voltar a fazê-lo. O que a lista evita é aquela cilada de, sem que nada tenha mudado, voltar a repetir algo que eu já esqueci o quanto é odioso.

Um exemplo: eu não acampo mais. Desculpa, em hipótese alguma eu voluntariamente me colocarei em situação de acampamento. Já acampei várias vezes na minha vida para bater no peito e dizer “Eu não acampo mais”. Não é inventar que tenho o aniversário de uma amiga na mesma data ou fingir estar doente, é dizer claramente “Eu não acampo, nem hoje, nem nunca”. Eu não acampo mais.

Você tem algo que bata no peito e diga isso, por premissa geral, você não faz? Deveria. Catalogar o que nos violenta ajuda não apenas a organizar nossa vida, como também a ter um conhecimento melhor sobre nós mesmos. É possível depreender uma série de denominadores em comum da nossa lista “Não faço mais”. Isso também permite que os outros te conheçam melhor. Na verdade, eu acho que todo mundo deveria recitar sua lista de “Não faço mais” no primeiro encontro, isso pouparia um tempo enorme de muita gente.

Outra coisa que não faço mais: não frequento boate ou me obrigo a saídas noturnas quando não tenho vontade. Isso melhorou minha qualidade de vida de uma forma que eu nem sonhava que poderia. Provavelmente porque o fazia em um piloto automático, sem nem ao menos cogitar que era viável não fazê-lo. Tive que reformular grande parte do meu círculo de amizades e me tomou algum tempo de adaptação até encontrar novas formas de lazer, mas hoje eu não faço mais e estou muito feliz por isso.

Sempre existem trombeteiros do apocalipse para te dizer que você tem que continuar fazendo aquilo. É como dizem, a desgraça gosta de companhia: “se você não sair para flertar nunca vai conhecer ninguém” ou “você acha que seu futuro namorado vai bater na porta da sua casa?”. Não me importo. Não quero saber. E também não acho que se conheça ninguém compatível com o que eu quero em uma boate. E sim, eu acho que meu futuro whatever vai me encontrar por aí, pois outra coisa que não faço mais é ficar procurando por alguém.

Ninguém tem mais legitimidade do que você para elaborar sua lista “Não faço mais”. Nem seus amigos, nem sua família, nem pressão social. Só você sabe, e é só a você que você deve escutar. O que você faz nas horas livres, sua profissão, seu lazer, de forma alguma definem o que você é. Fazer algo para pertencer a uma tribo ou passar determinada imagem é imbecilidade.

Claro que há um preço a se pagar. É preciso estar bem ciente de quais portas sua lista “Não faço mais” fecha. E sempre fecha alguma. Mas não se intimide, como tudo na vida, essa atitude tem um lado bom e um lado ruim. Reflita com calma sobre os custos dessas portas fechadas, e se o saldo final compensar, crie estratégias para amenizar as perdas. Medo das perdas leva à estagnação, pois qualquer movimento em qualquer direção gera perdas.

Permita-se refletir e rever o que te fazer bem e o que não. Permita-se não gostar de algo que todo mundo gosta e que funciona como evento de inclusão sem medo de ficar excluído por causa disso. Não tenha medo de discurso alarmista dizendo que você não está aproveitando a vida, afinal, a vida se aproveita fazendo coisas que gostamos. Seja fiel à sua lista, isso é ser fiel a você. Assim, da próxima vez que a morte chegar perto de você, você poderá pensar “foda-se, vivi com eu quis!” antes de morrer.

Para me mandar enfiar a autoajuda no cu, para dizer que o que você não faz mais é ler Desfavor ou para dizer que é bom que venha um Siago Tomir na quinta: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (17)

  • Libertador e saudável, no meu caso.

    Decidi nunca mais fumar quando meu pai faleceu pelo mesmo motivo. Eu disse: “Esse Edema não vai me pegar. Nunca mas vou fumar.”

    Este texto é pra guardar debaixo do travesseiro.

    Importante sempre recorrer a ele.

  • Você poderia ter traduzido a lista pra lista do “dane-se” já que você não quis usar o “foda-se”.

    No meu caso, usar o foda-se faz mais sentido porque tem algumas coisas que eu nunca fiz e não tenho vontade nenhuma de fazer.

  • É libertador poder dizer que não saio mais de noite porque não quero ser assaltado, não vou a festa de natal porque sou ateu e não faço nais nada o que não gosto.

  • Seu texto não tem nada de autoajuda; é mais um alerta pra não entrarmos no automático, e consequentemente, não entrar em roubadas e ficar infeliz…
    Mas tem ocasiões que não tem como, mesmo que não queira vc terá que fazer. E estou em um desses momentos.
    Segundo texto seu que me põe em lágrimas.
    Obrigada!

    E eu tb não acampo nunca mais!!

  • “Outra coisa que não faço mais: não frequento boate ou me obrigo a saídas noturnas quando não tenho vontade. Isso melhorou minha qualidade de vida de uma forma que eu nem sonhava que poderia. Provavelmente porque o fazia em um piloto automático, sem nem ao menos cogitar que era viável não fazê-lo. Tive que reformular grande parte do meu círculo de amizades e me tomou algum tempo de adaptação até encontrar novas formas de lazer, mas hoje eu não faço mais e estou muito feliz por isso.

    Sempre existem trombeteiros do apocalipse para te dizer que você tem que continuar fazendo aquilo. É como dizem, a desgraça gosta de companhia: “se você não sair para flertar nunca vai conhecer ninguém” ou “você acha que seu futuro namorado vai bater na porta da sua casa?”. Não me importo. Não quero saber. E também não acho que se conheça ninguém compatível com o que eu quero em uma boate. E sim, eu acho que meu futuro whatever vai me encontrar por aí, pois outra coisa que não faço mais é ficar procurando por alguém.”

    Tão eu…

  • Adorei, Sally. De verdade. E não achei seu texto com cara de auto-ajuda, não. Pra mim, seu texto de hoje trouxe à baila algo no qual não costumamos pensar muito, pelo menos não até ser tarde demais…. Me fez refletir. E, não sei se você concorda comigo, mas acho que, em alguns casos, nem é preciso chegar a viver uma experiência de “quase morte” pra decidir “não faço mais”. Às vezes uma experiência muito desagradável, traumática ou uma decepção muito grande também já podem nos levar a essa decisão.

  • Adorei a coluna. Tive um breakthrough parecido há muitos anos atrás ao tentar ler um livro péssimo do Paulo Francis. Era tão ruim que surtei e joguei o livro fora. Desde aquele momento não me obrigo mais a ler nada que eu não tenha mesmo vontade.

  • Texto autoajuda, mas um bom texto. Ter a consciência do que não gostamos é libertador. E mais, dizer que não vai fazer porque não gosta é mais libertador ainda. Foda-se quem não gostar! A vibe é procurar outros amigos/ relacionamento que tenham interesses afins !

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: